Outubro de 2010. Ivan Vazovo, uma aldeia perdida numa zona montanhosa da Bulgária. Perdida a aldeia, perdi-me também eu, nesta comunidade genuina de gente boa. Os dias de Ivan Vazovo serão narrados oportunamente, num outro artigo, mas para já fica a história da senhora do rakia, que assim chamo por não ter nunca ouvido o seu verdadeiro nome.
Naquele dia passeava com o meu amigo Atanas pelas ruas da aldeia, e perguntava-lhe:
” – Nasco, estou curioso… não existe por aqui nenhum pub? Gostava de provar um rakia local, mesmo assim à maneira, feito pelas gentes da comunidade.”
Ele pára, mira-me naquele seu género inconfundível, olhar dardejante de energia que nos atravessa a alma, e responde:
“- Estás a brincar!? Aqui toda a gente produz a sua própria bebida, ninguém vai gastar dinheiro num pub.”
Neste momento, na casa defronte, sentimos a porta da rua a abrir-se e uma mulher já de certa idade sai. O Nasco acrescenta…
“-Vais ver….”
Voltando-se para a senhora, pergunta-lhe:
” – Amiga, este viajante e companheiro de Portugal gostava de experimentar um pouco de rakia, tem ai algum do seu que possa oferecer?”
Na face dela traça-se uma expressão intrigada primeiro, como quem se interroga se aquilo é uma piada sem gosto… depois observa-me por uma fracção de segundo e sinto que, acreditando já no que lhe tinha sido acabado de dizer, apresta-se a encarnar o papel irrecusável para qualquer búlgaro perante um estrangeiro: o da hospitalidade. Sorri, diz que sim, retira-se por um momento ao interior da casa e regressa com dois copos, estendendo-me primeiro o mais pequeno e dizendo qualquer coisa que o Nasco me traduz:
“- Ela diz que trouxe também um copo de água, porque a bebida é um bocado forte e pode dar jeito.”
Sorrio de volta, e armado com a minha melhor bazófia respondo qualquer coisa como “isso da água é para rapazes”. Aceito a rakia que provo com interesse, primeiro, e muito gosto depois. De facto esta aguardente é excelente. Os seus 60% aquecem-me até às entranhas, deixando-me num torpor de bem-estar. Pergunto-lhe de que é feita esta rakia. Porque a bebida, vulgar em toda a Europa eslava e balcânica, pode ser preparada com diferentes frutos, sendo os de uva, ameixa e pêra os mais comuns. O conteúdo do copo que me foi oferecido é grozdova. Rakia de uva portanto.
A senhora aponta para uma videira que trepa pela vedação da propriedade. Está carregada de cachos de uvas de excelente aspecto. “Foi com aquelas”, diz ela. E, plena de boa vontade, saca de uma tesoura de poda e corta um rico cacho que me estende. Está apresentada a fotografia com história de hoje.
Fica, a título de epílogo, uma nota de louvor para aquelas uvas, enormes, suculentas e doces, que me entretiveram durante uns bons minutos do passeio com o Nasco, que se foi estendendo pelas ruas de Ivan Vazovo, até o almoço se nos chamar a casa.