12 de Dezembro

Escrever sobre o primeiro dia em Cuba é uma tarefa complicada. Estou a fazê-lo de memória e já se passaram quase vinte dias. Como esta cabeça está a ficar claramente afectada, pela idade e pelos anos de abusos continuados a que foi submetida pelo dono, as coisas tornam-se algo dificeis. Normalmente baseio-me na sequência de fotografias que vou tirando, e quando não tenho esse suporte por alguma razão, tomo notas. Sucede que me lembrei, já a meio deste primeiro dia em Cuba, que não só não tinha o relógio da câmara certo como mesmo que o estivesse teria que ajustar o fuso horário. Resultado: tudo baralhado.

Como se não bastasse esta confusão, aconteceu algo normal quando se visita uma cidade fascinante e compacta: começando o dia às sete da manhã, quando o sol se pôs, lá para as seis da tarde, tinha visto quase tudo que vem mencionado num guia de Havana. Torna-se portanto impossível apresentar uma narrativa organizada e fiável da jornada. Fica algo para desenrascar.

Acho que nem precisei de despertador. Com o corpinho ainda a pensar que estava em Portugal, despertar às seis e tal correspondia a acordar pouco antes do meio-dia. Mesmo contando com o cansaço e a falta de dormir causados pela longa viagem, levantei-me cheio de boa-vontade. Queria mesmo ver tudo, sair, explorar, fotografar, aprender, sentir, cheirar, falar. E para começar o objectivo era abrir aquelas magníficas portadas de madeira e observar o Malécon ao amanhecer.

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A Casa Blanca continuava a parecer tão encantadora como na véspera. Não, não tinha sido um sono. Estava mesmo ali. O quarto tem um acesso por uma escada que sobe da sala, uma espécie de mezanine fechada. E ao abrir a porta, estou sobre o espaço comum, tenho uma vista panorâmica, como o rei que se chega à varanda para uma aclamação geral. Ali não tenho súbditos mas recebo uma outra ovação, interior, por ter vindo, por me oferecer mais esta experiência, por ter conseguindo viajar até um dos países mais intrigantes do mundo e, mais importante, antes de o deixar de ser.

O dia começa a raiar. As luzes da via pública ainda estão acesas. Adoro fotografar assim, com os focos de iluminação amarela a temperar as cores naturais da alvorada. A esta hora o tráfego ainda é pouco intenso. Havana não acorda especialmente cedo. Mas já há vida. Um cubano faz a sua corrida matinal, junto ao paredão. Cruza-se com o polícia de giro que sempre anda por ali. Um pouco mais longe distingue-se um pescador que tenta a sorte. Está algum frio. É relativo. Não é frio, frio, como em Portugal em Dezembro. Mas está-se mais confortável com algo sobre a t-shirt, não dá para suar. Por enquanto.

Dispensamos o pequeno-almoço por duas razões: porque queremos sair cedo e porque suspeitamos que conseguimos poupar algum dinheiro se não pagarmos os respectivos 3 CUC. Ao sair para a rua o Jesus vem dar os bons-dias. Fechamos a porta atrás de nós e começa a aventura.

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Estamos em Centro Habana. A capital de Cuba divide-se nas seguintes áreas, ou, pelo menos, a que importa para o visitantes: Habana Vieja, a mais antiga, junto à água, a sede do porto que esteve na origem da cidade; é relativamente pequena, com algumas ruas mais ou menos recuperadas, bastante turística; é onde se juntam os turistas de resort, os que vêm de Varadero ou que ficam em estabelecimentos hoteleiros para ocidentais; Centro Habana vem a seguir, uma faixa de ruas em quadrícula, bastante degradada, entre a primeira e o Vedado, delimitada numa das faces pelo mar e pelo Malécon; e depois o tal Vedado, que tem um acrescento denominado Nuevo Vedado, que foi burguês, com muitas ruas de vivendas, ainda algo cosmopolita; por fim há Miramar, mais afastada, onde não cheguei a ir mas onde dizem haver bons restaurantes e uma actividade cultural dinâmica. Fora isto, há ainda mais um par de bairros mais ou menos clássicos e depois são subúrbios.

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Para já, depois de inspirar bem fundo aquele ar oceânico com um toque caribenho e de olhar para um e o outro lado do Malécon, internámo-nos nas ruas de Centro Habana. Os seus habitantes despertavam para o dia. Abriam-se as portas, os ciclotáxis levavam os seus passageiros. Padarias e cafetarias (pequenos balcões, por vezes abertos nas paredes de casas particulares onde se pode sempre comer qualquer coisa e local querido para o pequeno almoço dos cubanos… e dos nossos) vão servindo os mais madrugadores.

É fascinante, tão diferente. Então é isto, Cuba. Os edíficios degradados, os carros velhos de décadas e a poluição correspondente. Não são as melhores das coisas. Mas as pessoas de grande sorriso são. Assim como o é a demarcação de uma globalização galopante que cada vez mais resume cidades aos seus marcos históricos, apagando-lhes a personalidade que Cuba mantém. Como se costuma dizer, por outras razões, “Cuba es Cuba”. E isso, para mim, é maravilhoso. Dentro de dez anos, Cuba será outro Porto Rico, outro aparente paraíso invadido, igual a tantos outros. E isso será uma pena. Para mim. E para muitos cubanos que ao longo destes 14 dias mo disseram.

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Depois de palmilhar uma série de ruas desta Habana Centro, umas mais intimistas, residenciais, outras de maiores dimensões, eixos de circulação, chegámos à vizinhança do Capitólio, marco principal da divisão entre esta zona da cidade e Habana Vieja. Sem dar por isso, mesmo ali defronte, um dos pontos referenciados para dar uma vista de olhos: a fábrica da charutos Partagas. No topo do edíficio, banhado por uma forte luz alaranjada que ia dizendo que o sol ainda há pouco tinha nascido, a inscrição: 1845 – Partagas – Real Fabrica de Tabacos.

Nas imediações um parque de velhas locomotivas em obras de recuperação onde entro com toda a naturalidade sem que ninguém se oponha. A cidade já vai a todo o vapor. Há gente por todo o lado e muito trânsito. Se um dia for a Havana e ainda houver carros antigos a circular a zona do Capitólio é a melhor para os ver. Não só os são usados pelos cubanos mas também os mais aprimorados, geralmente descapotáveis, renovados ou mantidos com todo o requinte, para passeios turísticos.

Problema: fome. Não temos ainda a moeda local, a verdadeira moeda local. É uma história longa mas o país tem duas moedas em circulação: CUCs ou Divisa, que é uma moeda forte agregada ao Dólar, com que se pagam todos os bens turísticos e considerados de luxo e os CUP ou Moñeda Nacional ou Pesos Cubanos, usada pela maioria da população nas suas operações. A clivagem parece ter origem no envio de USD por parte dos emigrantes cubanos, o que criou um fosso económico imenso entre os cubanos: há aqueles que têm acesso a CUCs e os que não têm. Ricos e pobres. Um estado de coisas deveras estranho para um dos últimos países cujo Estado se clama Revolucionário e Comunista.

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Portanto, no aeroporto só havia CUCs. Geralmente é possível trocar logo CUCs para CUPs, mas naquele dia os CUPs estavam esgotados. Há pouco tempo não era permitido aos estrangeiros o câmbio entre estas duas moedas, vedando-lhes o acesso a bens de consumo e serviços a preços muitissimos baixos. Em parte compreende-se. O Estado financia ou subsidia imensas coisas. Há uma certa justiça no barramento ao pagamento em Pesos Cubanos. Exemplo: custa ao passageiro da barca que cruza as águas do porto, 0,006 Eur. Isso mesmo. Seis milésimos de Euro. Claro que as despesas operacionais da embarcação são muito superiores. o Estado cobre a diferença, permitindo a quaolquer cubano usá-la. Em muitos casos caiu-se num certo exagero fazendo uma correspondência directa da moeda local para CUCs: se é local paga 5 Pesos Cubanos (0,15 Eur) para visitar um museu, se é estrangeiro, paga 5 CUC. Vinte e quatro vezes mais. Passa-se de um extremo para o outro, a justiça esfuma-se. Na minha opinião.

Mas muitas coisas podem mesmo assim ser pagas em Pesos Cubanos. Nas pequenas cafetarias, por exemplo. E há algo de bizarro em almoçar com 0,40 Eur. Assim como o há na separação entre locais onde se paga numa ou noutra moeda, sendo que em raros casos são aceites ambas as denominações.

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Dizia eu que a fome apertava e nós sem moeda local. Tinhamos que arranjar. Assim como assim, tinhamos que trocar mais dinheiro. Já tinhamos penetrado em Habana Vieja e iamos pela rua Obispo. Já a conhecia de nome, de estudar mapas e percursos, mas não tinha compreendido que era o verdadeiro eixo maior do centro da cidade. Não que seja majestosa, que não o é, mas o comércio é intenso, aqui se encontra tudo, incluindo bancos, casas de câmbio e postos de turismo. Aos Domingos enche-se seriamente e passei a evitá-la, mas para já demos de caras com uma Cadeca (nome das casas de câmbio, todas estatais, em Cuba).

Primeiro de Euros para CUCs. Depois, de CUCs para Pesos Cubanos. Pedi 50 CUCs em moeda nacional. Quarenta e poucos Euros. Com que me alimentei durante duas semanas e dos quais me sobraram ainda 12 Euros.

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Agora sim. Procurar comidinha. Na própria rua Obispo há uma loja grande para cubanos, mas onde podemos entrar livremente. Tem sectores, balcões diversos. Fomos à espécie de pastelaria onde havia dois ou três tipos de pastéis salgados e a mesma variedade  de bolinhos. Com preços entre 0,03 Eur e 0,09 Eur por unidade. O pequeno-almoço estava encontrado. Fiquei muito satisfeito pela descoberta e com um empregado que, vendo que éramos estrangeiros, fez tudo para ajudar. Não que fosse preciso, porque dá para desenrascar o espanhol. Mas ficou a boa atitude. Nos dias que se seguiram, estes e os da segunda passagem por Havana, regressámos várias vezes. Não havia os tais flocos de cereais do Jumbo, com as caixas em português, que vimos num supermercado para locais, mas foi sempre interessante entrar naquele espaço tão genuino.

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De estômago forrado a moral das tropas subiu. Demos com a rua Mercaderes, um must para os visitantes de Havana, onde muitos dos pontos obrigatórios para turistas e viajantes se encontram. Começa logo com um impressionante mural, em tons de castanho, onde estão representadas as figuras grandes da história cubana. E é numa esquina que damos com o Hotel Ambos Mundos, o pouso de Ernest Hemingway nas suas deslocações a Cuba, quando vivia na sua casita nos arredores da grande cidade, hoje um luxuoso estabelecimento hoteleiro com preços que nem quero imaginar; transpira história e estilo, ali, no centrinho de tudo, no cruzamento quiçá mais frequentado da capital. Mesmo em frente o Columnata Egipciana, o café que o nosso Eça, o de Queiroz, frequentava quando ocupou o posto de cônsul em Havana, um episódio muito pouco conhecido da vida deste grande nome da literatura portuguesa, e cujos detalhes podem ser lidos neste excelente artigo.

Depois há as casas, palacetes urbanos com importância história mais ou menos significativa. Entre os lares de notáveis da nobreza local distingue-se o edíficio onde nasceu Simon Bolivar, nestes dias transformado numa exposição à glória de Hugo Chavez. Quando vimos a sair cruzamo-nos com uma vaga de uniformes brancos: são homens da Marinha que vêm em visita de estudo.

Há também o Museu do Chocolate, que não é mais do que uma loja e café onde se pode consumir uma enorme série de produtos relacionados, um local distinto, para turistas. E parquezinhos de esquina, estabelecimentos comerciais carregados de memórias para contar, de entre os quais me ocorre destacar uma espingardaria monumental e uma livraria onde poderá comprar os mapas de que poderá necessitar, de Havana e de Cuba.

Na rua O’Reilly visitamos a Casa de Victor Hugo, outra antiga casa nobre agora transformada num centro cultural de influência francesa. Só cubanos. Tornou-se numa espécie de café de luxo para eles, só que sem o café. Sentam-se nos sofás, conversam. Lá em cima, um senhor de ar distinto simplesmente vê televisão. Aos seus pés uma mala de computador. A mala de computador é um símbolo. Muitos cubanos usam-nas, claro, para tudo menos para transportar computadores. É um artigo da moda nacional. Na Casa vemos uma exposição de fotografia de autoras cubanas. O país visto pela lente no feminino. A entrada é gratuita e recomenda-se.

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Damos com a Praça da Catedral, um dos meus pontos favoritos em Havana. Era assim que uma praça na América Latina deveria ser, segundo o meu imaginário. As casa apalaçadas em redor, com arcadas em pedra, e a igreja de duas torres sineiras ocupando o lugar de maior destaque. O centro da praça, deixado livre para os peões, é cruzado por locais e por turistas. Há uma fauna que faz vida com expedientes dirigidos aos visitantes. Figuras de vestes coloridas que posam para a fotografia a troco de uma boa moeda. Dinheiro fácil. 1 CUC. 30 fotografias e estará ganho o ordenado normal de um cubano. Gostei muito desta praça. Me gusta, por assim dizer. Nota mental: vir aqui no dia seguinte logo pelas sete da manhã. Quero ver isto sem turistas e com a iluminação pública ainda acesa. Não vou é descrever tudo o que existe ali. Cada edíficio é histórico, tem uma placa com uma explicação. Agora, são museus e restaurantes.

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Não me recordo se antes ou depois da Praça da Catedral, mas passámos pela Plaza de Armas, que, creio, é a mais antiga praça de Havana. Hoje não tem a importância de outros tempos. No seu centro há um pequeno jardim, em redor do qual se ergue diariamente uma feira de livros. Basicamente para turistas nos dias que corre, os volumes são limitados. São obras sobre a Revolução, sobre o Che. Há materiais turísticos, posters, postais. Pessoalmente considero comprar o livro Our Man in Havana, de Graham Greene e estou disposto a pagar até 4 CUC por ele. O primeiro vendedor pede-me 10 CUC. Que piadinha. Por um livro que quanto mais não seja é contrafeito, uma amálgama de páginas fotocopiadas, a um preço superior ao de capa? Só pode ser a brincar. Tentamos mais um par de vendedores. Os preços tornam-se mais razoáveis, já tocam os 5 CUC. Mas só estou mesmo disposto a pagar 4 e consigo, por fim. A leitura deste livro ficará para sempre associada às memórias da visita a Cuba.

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Aproximámo-nos da orla do mar, esse braço do oceano que entra por ali adentro, através de uma barra estreita que no passado fez de Havana a chave do império Americano de Espanha, porto seguro contra intempéries e piratas, mas não contra o engenho inglês que violou as defesas castelhanas nos finais do século XVIII. Uma banda de rua actuava frente a um restaurante. A sala de refeições protegia os comensais com cortinas de oleado branco, que o sol era forte. Mas a separação não era problema. O turista, quem quer que fosse, empunhava a câmara com que filmava a actuação dos improvisados músicos, fazendo-a ultrapassar a protecção, introduzindo-a entre duas das folhas de oleado, e trazendo-a através da janela. O cenário era burlesco. Quem olhasse de fora via 4 ou 5 tipos tocando uma Guantanamera para uma câmara da filmar suspensa na extremidade de uma mão. Uma espécie de glory hole cultural (para quem não sabe o que é: Glory Hole).

Caminhámos junto aquela réstea do mar das Caraíbas. Altamente poluído, como tudo em Havana. Há esplanadas, agradáveis. Um enorme restaurante entra água adentro, como um porta-aviões alimentar ali fundeado para sempre. Passamos junto ao terminal de navios de cruzeiro. Há três ou quatro enormes terminais mas apenas um foi recuperado. Parece que os outros seguir-lhe-ão o exemplo mas para já são apenas mongos de arqueologia industrial. Do outro lado da rua – também ela em obras de renovação – a capitania do Porto, construida com aquele sabor que muitos portugueses conhecem, dos dias de Angola ou de Moçambique, um toque europeu nos trópicos dos anos 50. Mais à frente o cais da barca que atravessa para o outro lado. Será usada mais tarde.

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Chegamos a um outro cais, que foi já recuperado, deixando para trás o seu papel de armazém de açucar (creio) e de posterior destroço urbano e assumindo um novo protagonismo como restaurante para turistas, especializado em marisco. Faz-me lembrar o Cais do Sodré. Logo a seguir uma enorme. Mas mesmo ENORME feira de artesanato em mais um ex-cais. Tem o mérito de vender cocos bem aviados de sumo fresquinho por 1 CUC.

O dia tem sido longo. Ainda agora passou da hora do almoço mas sente-se como se fosse tempo de jantar. O cansado acumulado da viagem renovado pelos já muitos quilómetros percorridos e a diferença horária apresentam as suas facturas. E agora há fome de novo. Bom, assim como assim, já que aqui estamos, na ponta mais afastada de Havana Vieja, fazemos mais um esforço e damos uma vista de olhos na estação de comboios principal e na casa de nascimento de um dos principais heróis nacionais, Jose Marti.

E quem foi Jose Marti? Bom, assim de memória, sem consultar nada, foi um herói cubano que se distinguiu na oposição à administração espanhola. Um independentista que foi encarcerado pelas autoridades coloniais. Por pouco tempo: vindo de boas familias foram movidas influências e depois de uma temporada na fortaleza que se ergue defronte de Havana, foi despachado para o exterior. Exilado, portanto. Mas o intelectual Jose Marti quis ser mais que isso, procurou o martírio, que encontrou com facilidade: regressou a Cuba, como mais tarde haveria de fazer Fidel Castro, e liderou um levantamento contra as autoridades. Carregou à frente do seu grupo de soldados de improviso, de fraque impecável, cavalgando um cavalo branco. E, claro, logo foi abatido. A aventura durou pouco, no que toca às coisas da vida real. Mas a verdade é que Jose Marti se eternizou, glorificado por todos, inclusive pelos barbudos da Revolução. Actualmente está em todo o lado. Toda a cidade e aldeia tem a sua praça José Marti, os bustos do individuo devem ser fabricados em série e o principal aeroporto do país tem o seu nome. Para mais detalhes sobre José Marti – Wikipedia.

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A sua casa está encerrada. Está cuidadosamente mantida, o que não surpreender se considerarmos o culto José Marti. É um pequeno museu, mas ouvi dizer que não tem nada de especial, e assim sendo considero-a visitada. Encontra-se practicamente em frente à estação de comboios, que foi um pouco decepcionante. O seu interior é escuro e deprimente. Não há movimento, nada que me cative. Esperava encontrar temas interessantes, pessoas. Pessoas de partida, outras a chegar e outras aguardando, talvez entes queridos, talvez nada, talvez apenas a moeda que lhes comprasse a próxima refeição magra. Mas nada. Quer dizer, sim, algumas esperando, não sei bem o quê, sentadas nas cadeiras alinhadas na sala de espera, como múmias paralisadas. Foi estranho. Saí rapidamente em busca de outras coisas.

A Avenida de Bélgica vai desde aqui até ao centro, acho que até ao Capitólio ou muito perto. E foi aqui que descobrimos as maravilhas da cafetaria cubana. Sempre em Pesos Cubanos, pode-se aqui comer qualquer coisa leve a preços insignificantes. A minha estreia deu-se com uma sandes de omelete, a que se chama por aqui Pan con Tortilla. Custou o equivalente a 0,06 Eur. E um sumo de tamarindo a empurrar, adquirido ao mesmo preço. Soube-me bem. Tão bem 100 metros mais à frente parei para mais um sumo e desta vez uma sandes de goiabada e queijo de cabra. Maravilha. Pedi uma segunda rodada à senhora que pareceu ficar tão surpreendida pelo meu desejo com fiquei com o bem que me soube e com o pouco que paguei.

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Do outro lado da rua um rapaz vendia churros. Um petisco que adoro. Quis experimentar e logo recebi um pacote com meia-dúzia. 5 Pesos Cubamos. 0,15 Eur. Feitas as contas almocei por menos de 50 cêntimos. 3 sandes, 3 sumos naturais, meia-dúzia de churros.

A partir daqui a memória deste primeiro dia enevoa-se. Seria um pouco cedo para encerrar as operações mas se calhar foi o que sucedeu. Lembro-me de termos caminhado junto ao Capitólio, deslumbrados com as sucessivas vagas de carros clássicos. Não para turistas, os outros, usados pelos cubanos comuns. Fomos pelo Paseo do Prado, agora chamado de, imagine-se, Paseo Jose Marti, e chegámos ao Malécon, no seu topo. E dali até casa.

Que dia de arromba! Fomos ainda dar um giro mas não há dúvida: a noite não favorece Havana. Tentámos algumas vezes e sempre com a mesma conclusão: não há alegria em Cuba depois de escurecer. Não duvido que imensa gente tenha memórias bestiais de festas e jantaradas, mas para quem caminha pelas ruas as coisas são tristonhas. Não há muita gente que sai e a parca iluminação pública não ajuda. Neste primeiro dia a última saída levou-nos em direcção ao Hotel Nacional.

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Já um pouco afastado do centro, pouco conveniente para os mais preguiçosos, é contudo um ícone da cidade. Esse enorme edíficio que se ergue sobre um pequeno morro com vistas sobre o oceano. Cenário de tantas e tantas estórias, ideal para imaginar os tempos idos, os dos espiões e comerciantes, de barões dos negócios, das garrafas de Bacardi a serem esvaziados em longas noites quentes com bafo tropical, dos mafiosos norte-americanos que aqui efectuavam os seus congressos, de onde se decidiam execuções e promoções. Lucky Luciano, um dos maiores gangsters da história dos EUA chegou a dirigir daqui os seus negócios. E no fim, depois do grande congresso, vá-se lá saber porquê, Frank Sinatra actuava.

Gostei de entrar, atravessar o hall e escapulir-me para os jardins, magnificos, de onde se compreende a vista que se usufrui das águas oceânicas- Nota tomada para, em caso de oportunidade, ali regressar para um copo num dos agradáveis bares. E não são especialmente caros. Com cerca de 5 Eur bebe-se um bom cocktail e com muito menos marcha uma cerveja ou um rum. E, diz-se, é no hotel Nacional que há um dos poucos hotspots de Havana, e não é barato.

Na volta “jantámos” numa pizzaria de rua, a Don Luigi, para delirio do pessoal, pouco habituado a ser visitado por estrangeiros, naquela rua perdida de Centro Habana.

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3 COMENTÁRIOS

  1. Olá Ricardo,
    ficámos encantados com o seu relato e já vamos fazer a nossa viagem com outro espirito.
    A ideia é descobrir havana de outro ponto de vista, menos turistico e a v/ vivência é exactamente o que procuramos.
    Queriamos saber acerca da pizzaria Don Luigi de que fala, sabe dizer-nos o nome da rua ou a zona onde fica para experimentarmos?
    Obrigada

    • A zona: pode ser nesta rua ou noutra paralela, para o interior, oposto à água:
      23° 8.417’N 82° 22.162’W
      Mas Havana está cheia destes locais… se não tiver já mudado demais desde há 2 anos.

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