Esse “rapaz” que está ali na fotografia, ao volante, chama-se Joel e é taxista. Em Havana, capital de Cuba, cidade que tal como o país está prestes a mudar para sempre. E passo a explicar como o conheci…
Em Cuba o estrangeiro tem quase sempre duas formas de fazer as coisas: sem sair minimamente da sua zona de conforto e pagando em conformidade por isso, ou fazendo como os locais, por uma fração do preço, descobrindo novas maneiras e divertindo-se muitas vezes mais. E o fio da meada começa quando querendo comprar um bilhete de autocarro para Cienfuegos descobri que teria que me deslocar para bem longe do centro. A Viazul agora só vende bilhetes nas suas instalações, lá para trás do sol posto. Pesquisar na net: “Ah e tal, isso é de táxi, são 10 Eur para cada lado”, dizem os turistas que já passaram pela necessidade. Coloca a mesma questão aos cubanos que já vou conhecendo: “Ah e tal, isso é de táxi, são 10 Eur para cada lado”. Hummm. Espera, espera! Então e tu se precisares de ir lá… largas 10 Eur, é? Num país onde um professor universitário ganha 30 Eur por mês? A sério?. “Não, se for eu vou de táxi partilhado”. Ah pronto, estamos a chegar lá. Explica então como é que funciona essa coisada de táxi partilhado….
Resumindo, em vez de largar a pequena fortuna de 20 Eur (note-se que vivi durante 2 semanas em Cuba com 35 Eur), basta sair de casa, atravessar a rua e esperar que passe o primeiro daqueles carros clássicos que fazem as delícias do turista. Delícias se for para ver e fotografar, porque entrar já é mais complicado. Faz-se sinal, da mesma forma como se manda parar um táxi em qualquer lugar do mundo. E depois diz-se para onde se quer ir. Logo se vê, na resposta, se dá para embarcar ou não. Não se pense que as coisas são super flexíveis. Aquilo na verdade é um pouco como um pequeno autocarro… as rotas são mais ou menos pré-estabelecidas e variam apenas um pouco.
E então naquele dia, lá fomos. Em vez dos 10 Eur foram 0,60 Eur. Uma pequeninita diferença. E no dia seguinte, para apanhar o autocarro a mesma coisa. E à volta, depois de uma semana e picos a deambular por Cuba, lá repetimos o truque. Aproxima-se um carro azul, levanta-se o braço. Queremos ir para o Malecon ou lá perto. Entrem. OK.
À frente um casal afro. Deve ser uma sina. Apanhámos sempre um casal afro sentado à frente, ao lado do condutor. No banco do meio – sim, porque este táxi tinha três linhas de assentos – um homem e uma enorme caixa de electrodoméstico. Às tantas o passageiro do meio sai arrastando atrás de si o seu equipamento. Depois os outros. E quando se vê sozinho connosco o motorista arrisca a conversa. As coisas do costume. De onde são. Se estão a gostar. Quando é que vão embora. No dia 25. E era nesta última questão que estava o anzol final: e não querem um serviço de táxi para o aeroporto?
Ora não sei se sucede com toda a gente, mas quando passeio num país onde me propõem negócios a cada vinte minutos desenvolvo um automatismo: “não, obrigado”. “Não, obrigado”. E o pobre condutor recebeu logo a resposta-padrão. “Não, obrigado”. Mas fiquei a matutar. “Olha lá… pensando bem a cena pode ter interesse… em vez dos 25 CUC da ordem ele diz que nos leva por 15 CUC… e íamos embora em grande estilo, num carro clássico”. Disse-lhe que afinal podia ter interesse… não… que queríamos mesmo. O tipo inspirava-me confiança. Com uma ou nenhuma mão no volante, dependendo do instante, lá nos escreveu num cartão o seu número de telefone e nome. Joel. E a ele dissemos onde estávamos a ficar, combinámos ali, no dia da partida, as quatro da tarde.
Quando o táxi se deteve, mesmo à nossa porta – um luxo inusitado nestes “partilhados” – o Joel vira-se para nós e diz, com um ligeiro ponto de interrogação não percebido à primeira: “Então, 25?” Oh… aqui vamos nós… mas quais 25… o preço normal para a corrida é 20 Pesos Cubanos, mas pronto, tudo bem… e neste momento, eu que estou a olhar para ele, olhos nos olhos, sinto uma sombra escura no seu olhar, que dura apenas uma fracção de segundo. Responde com muita calma: “Não, estou a perguntar se é no dia 25 que está combinado para vos ir levar”. Ah sim! Pronto, então até breve.
Passou-se mais um dia delicioso em Havana e no 25 de Dezembro lá estava ele, a tocar à porta, adiantado. Estávamos a despedir-mo-nos das pessoas da casa, com quem ligámos muito bem, fazendo ali amigos, espero. Pedimos para que ele esperasse um pouco e lá fomos. Limpava o seu carro, aprestando-se para o serviço.
O trajecto para o aeroporto Jose Marti leva uns trinta minutos e fomos a conversar… e o que conversámos ficou-me, na parede de recordações forjadas, daquelas que justificam todos os sacrifícios para continuar a viajar. O Joel contou-nos, a nosso pedido, como tinha sido a sua consoada. Sozinho com a família, a esposa e a filha. Pareceu-me triste, mas deve ter sido só impressão, porque quando sacou do telemóvel e mo passou para as mãos para eu ir rodando fotografias, já vibrava de emoção. E vi a sua bonita esposa e a moça que posava para a câmara. Mostrou-me outras coisas, a sua casa, coisas da sua vida. E por essa altura já éramos amigos.
Joel lamentava-se de não nos termos conhecido mais cedo, descrevia em detalhe o que poderíamos ter feito… ir lá a casa, beber uns copos, ir aqui e acolá… talvez para a próxima. Pois, talvez. E pelo meio falávamos de Cuba e do Mundo. E, vindo já não sei de onde, diz-me.. “Lembras-te no outro dia… pensaste que te estava a cobrar a mais, quando te pedi para confirmar o dia…?”… e com esta frase, leva uma mão ao peito, e remata… “Me custó”. Diz que fica triste quando os visitantes se vão pensando que os cubanos vêem neles uma nota de Euro com pernas. Quem nem todos são assim, que se envergonha pelos outros.
Com tudo isto estamos a chegar. Ele explica, em detalhe, que nos vai deixar num local que não é onde chegámos. Que não nos preocupemos, que aquilo serão as partidas, num piso diferente. Tira as nossas mochilas para fora, um abraço. Adeus Joel. Sim, vou passar o teu contacto a todas as pessoas que possam precisar. E sim, aqui está… o Joel vê o e-mail todos os dias: [email protected]
Se lhe escreverem digam que vão da minha parte. Não se vão arrepender. É um tipo honesto e profissional que enriquecerá a vossa estadia em Cuba. Sei que ele responde rápido porque o fez, satisfeito e emocionado, quando lhe enviei as fotografias que tirei nos meus últimos instantes em Cuba. Com ele e no seu carro.