É muito cedo, noite ainda. Todos dormem em Thira, cidade principal de Santorini, mas o autocarro lá está, já com alguns passageiros, semblantes marcados pelo sono de uma noite de trabalho ou por uma alvorada cruelmente antecipada. Uma meia-hora mais tarde atravessa-se Oia, também ela ainda adormecida, prestes a despertar para mais um dia repleto de turistas asiáticos e americanos que desembarcam às catadupas dos navios de cruzeiro que aportam a Santorini.

Mas a história de hoje não envolve multidões. Passa por uma lancha rápida que toca o discreto porto de Oia, para efectuar a primeira das três ligações diárias entre Thira – nome grego para “Santorini” e Thirasia, uma pequena ilha que quase se esconde por detrás da famosa “caldeira”. E é ali que começa a magia.

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Se os encantos de Santorini não são desconhecidos para quase ninguém, raros são os que ouviram falar da sua pequena “irmã”. E ainda bem. A bordo do barco, não há mais nenhum estrangeiro. Apenas gentes locais, que da menor vieram à maior tratar de assuntos na véspera e regressam agora a casa. Um bom augúrio para o dia, considerando que a próxima “carreira” é apenas às duas da tarde e que na ilhota não existem um só hotel, pensão ou hostel. Nada. Pernoitar em Thirassia? Só como convidado de um habitante.

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À chegada, o autocarro local, o único, claro, aguarda os passageiros para fazer a ligação entre o cais e a principal localidade da ilha. Ao todo são cerca de duzentas e setenta pessoas que aqui vivem, a maioria em Manolas. Apesar de serem já nove horas, a ilha ainda não despertou. A rua da aldeia está deserta. O mar, esse, é omnipresente, e o seu azul como sempre funde-se com o do seu eterno companheiro, o céu. Há gatos, que se deliciam sob os primeiros raios de sol, pachorrentos, confiantes. Os locais começam o dia. Um homem sai para a rua, senta-se ao volante do seu Suzuki Samurai, certamente para ir para o trabalho, mas a viatura não arranca. Regressa à habitação, praguejando profusamente e volta munido de uma chave inglesa e de um martelo. Mais tarde, pouco antes do almoço, vejo-o de novo, trabalhando numa obra… a pouco mais de 400 metros de casa… com o carro ao lado.

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Dou com os vestígios do único empreendimento turístico que Thirassia jamais conheceu, uma espécie de resort à escala local, já encerrado. Através de uma janela tem-se um vislumbre de uma sala de refeições, com as mesas postas, pilhas de toalhas imaculadas prontas para ser usadas a um canto… como se o mundo ali tivesse terminado de um segundo para o outro.

O tempo passa, lento, ao seu ritmo de sempre que é o da vida daquelas pessoas. Apesar da aldeia ser diminuta tomou quase toda a manhã para ser visitada. E depois, toca de caminhar, para a ponta da ilha. Serão uns quatro quilómetros, e procuro o convento ortodoxo que por ali se encontra abandonado. Se todas estas ilhas oferecem uma vista extraordinária, a posição do antigo santuário excede todas as expectativas. Mais de uma centena de metros acima do nível das águas do Mediterrâneo, dali vê-se quase toda a extensão da costa de Thirassia, marcada pelas elevadas escarpas, com Manolas lá muito ao fundo, pouco mais do que um punhado de marcas brancas no horizonte. Mas mais longe ainda, para além da “caldeira”, está Oia, onde surpreendentemente se conseguem distinguir os infinitos pontinhos que são turistas a enxamear a aldeia.

Fazem-se horas de regressar, que perder o barco é a última coisa que se deseja. E como para baixo todos os santos ajudam, a descida para o porto é feita através das míticas escadarias, percorridas milhares de vezes por burritos ataviados com a carga despejada no pontão pelas embarcações que asseguram a ligação à ilha maior. Só um pequeno jipe foi deixado pelos jumentos, deixado a apodrecer sabe-se lá por que desígnios, desembarcado sem hipóteses de rodar no alcatrão de Thirassia, bloqueado num cais sem acesso rodoviário.

E é isto Thirassia, um esconderijo de tranquilidade, espantosamente virgem, a um passo de um dos pontos mais turísticos do mundo.

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