O dia até nem começou mal. Lá fora estava uma espécie de sol. A nossa amiga já tinha saído para trabalhar quando nos pusemos na rua. Tomámos o pequeno-almoço juntos, mas ela estava mesmo à pressa e pôs-nos à vontade para ficarmos um pouco mais. Na realidade, ligámos tão bem, que ficou combinado regressarmos no dia seguinte à tarde para irmos juntos a banhos quentes na natureza. O que não sucedeu, como veremos, mas havia boas intenções.
A primeira paragem foi nas quedas de água de Urriðafoss. Mais umas, com a vantagem de se localizarem bem próximo da estrada principal e do acesso ser excelente. O céu continuava azul. E agora, já não. Num ápice o tempo mudou, ou mudámos nós ligeiramente de posição. Por mais que se tenha lido sobre a facilidade com que o tempo muda, só mesmo vendo é que se acredita. Às vezes tem mesmo a ver com o local. Aqui está bom tempo, ali ao fundo chove. E isto mantém-se durante horas. Outras vezes muda mesmo, ali, no sítio. Chuvada, temporal e após três horas é como se não se tivesse passado nada.
Seljalandsfoss é a próxima queda de água. Já depois de Selfoss, uma cidade simpática que exploraria à volta, no dia seguinte e logo antes do local que escolhemos para passar a noite, o único alojamento pago desta viagem pela Islândia.
Por esta altura chovia seriamente, de forma que foi uma maravilha, ver aquilo do conforto do interior do carro. Tal e qual como na fotografia acima. Nem pensar em meter os pezinhos de fora. Até porque dada a proximidade do nosso alojamento poderia esperar que a chuva parasse para regressar. Tinha algum interesse nesta cascata porque tinha sido indicada pelo filho da nossa anfitrião de Blunduos e segundo nos disse poderiamos passar por detrás do caudal. Mas mais tarde. Pronto, OK.
Então depois foi encontrar aquilo que eu nem sabia bem o que era. Pensava ser um pequeno hotel ou uma guesthouse e afinal saiu-me um petisco muito melhor. Sair da estrada principal, seguir as indicações. Não muito afastada, uma quinta. Maravilha. A sério. Comecei logo a vibrar.
Parámos o carro em frente à casa principal e via umas pessoas a comer à mesa. Sai, bati à porta, apareceu-me uma jovem muito loura, muito escandinava, com um grande sorriso. Estendi-lhe o voucher do Booking.com e perguntei-lhe se estava no local certo. Ela olhou, disse qualquer coisa lá para dentro que me pareceu algo como “estás a ver como isto até se aluga, ganhei!” e disse-nos para a seguir. O alojamento não era naquele edíficio que de resto parecia estar em renovação. Não, era num anexo.
Um dorm, ou seja, uma camarata, tal e qual como eu tinha reservado, por 23 Eur por pessoa. Sem roupa de cama. Mas era tão acolhedor! Quentinho! Com a chuva a bater lá fora. E aquele espaço todo só para nós, pelo menos para já. Fui explorar! Primeiro escolhi a cama que me pareceu melhor. Acho que havia nove beliches com duas camas cada. Descobri que do outro lado havia uma cozinha e uma enorme sala de refeições, talhada para aquelas camas todas cheias de gente e ainda mais alguma.
Num canto do dorm, um sofá, enorme e uma pequena biblioteca. E numa parede uma janela gigante para um picadeiro interior. Um espectáculo. Senti-me logo bem, arrumei as minhas coisas, preparei um lanchinho. E, claro, havia internet wi-fi, que deu jeito.
Não sei quanto tempo ali ficámos, a relaxar, usufruindo do sossego, do quentinho, da internet. O suficiente. Foi um tremendo recarregar de baterias. Lá fora a intempérie acalmava. A chuva foi abrandando, chegou a parar e recomeçou. Voltou a parar e… aproveitámos.
Primeiro regressámos à cascata anterior. Ainda comecei a passar por detrás do manto de água, mas um tipo fica mesmo ensopado. Pelo menos naquele dia. Tinham-me dito que ia ficar um bocado salpicado. Aquilo não era salpicado. Ia a meio e já estava ensopado. Abortei a missão, não me estava a sentir nada confortável, voltei para trás. Valeu a tentativa e pelo menos agora foi possível ver a cascata sem chuva. Agora é prosseguir, passar junto à saída da quinta. Adorei a localização da quinta… quase geometricamente entre estas duas quedas de água e servindo como uma excelente base para explorar a região.
Acabámos por seguir directamente quase até Vik. Ali, num relativamente pequeno espaço, existe muita coisa para ver. As praias ali são sinistras. Negras. E num dia como o de hoje, tornam o mundo em algo a dois tons. O que tem o seu encanto. É uma visão dantesca. A espuma completamente branca a invadir o negrume do solo, os rochedos basálticos que se elevam das brumas. Os nomes já não os recordo. É o problema de explorar um país com nomes que nos são tão estranhos. A zona chama-se Reynisfjall. Isso eu sei.
O mar está furioso. As vagas embatem contra os rochedos avançados e criam torres de vapor. Há ali a praia de Dyrholaey, uma extensão negra que se vê melhor lá de cima, do planalto onde se encontra o farol que zela por aquela costa. Vamos aqueles locais todos. Ao ponto onde usualmente se encontraria uma colónia daquelas características aves, os puffins. Mas não este ano, ainda não. Chegarão mais tarde, certamente, mas em 2015 está tudo atrasado, até o aparecimento dos puffins por estas paragens.
Foi espreitar ali, espreitar acolá. Em cima, mais acima, no farol, onde o vento era verdadeiramente poderoso, mas de onde a vista era arrasadora. E depois, por uma relativamente longa estrada, até à praia que já tinhamos visto do topo.
O dia ia longo, mas, claro, estamos na Islândia em meados de Maio, por isso, aqui, o dia acaba quando uma pessoa quer. Assim sendo, passámos a Vik, à aldeia. Tem um carácter bizarro, é como uma “cidade” de exploradores, muitos backpackers e hosteis. É como que o portal do “deserto”, a última localidade que pode servir de base antes de uma longa tirada até Hoffn. Vik decepcionou-me um pouco, tinha ouvido falar muito bem, mas é um grupito de casas que nem são especialmente bonitas. Um par de edíficios mais “clássicos”, mais pictorescos, e pronto. Defronte, outra praia negra, onde vagueia um tipo com o ar perdido de quem se soltou do mundo há muito tempo.
Hora de dar meia volta. Este foi o ponto mais afastado do semi-circulo número dois, o do sul. A luz está fantástica mas é tempo de ir regressando. Foi um bom dia. Sem grandes canseiras na condução, com variedade, um alojamento agradável e um tempo que começou péssimo mas foi melhorando.
Ficou contudo um “espinho no sapato”: queria tanto, mas tanto ter ido ao local da queda do DC-3, um avião que fez uma aterragem forçada num deserto de cinzas vulcânicas, junto ao mar, e que por lá ficou… apesar de não constar nos guias turísticos é um elemento conhecido de muitos, aparece em múltiplos blogs e a toda a hora há gente que visita os destroços. Mas era tarde, estavamos cansados e sempre eram 3 km para cada lado, com a possibilidade de chuva – vá-se lá saber com que intensidade – a qualquer momento.
Passámos defronte do acesso. Ainda pensei em meter lá o carro, mas o sinal era claro: caminho apenas para veículos de todo o terreno. Decido não puxar pela sorte.
Quase a chegar à “nossa” quinta ainda parámos para espreitar a última queda de água do dia, Skógafoss. Mais uma.