No comboio. Dia de eleições. Um detalhe que antecipa em três dias a viagem doméstica entre o Algarve e Lisboa. Em circunstâncias normais associaria esta estadia prolongada a uns dias bem passados com amigos. Caminhar pelas ruas da minha cidade é quase sempre um exercício agradável, mas desta vez as coisas estão um bocado ensombradas.
O tempo está escuro, tristonho, os primeiros dias privados de azul depois do Verão português. Há dois dias soube que 75% do meu trabalho seria cortado, e, com ele, equiparada redução no rendimento. Que se dane, parafraseando a rainha da música Disco, I will survive. Para ter uma cereja no topo do bolo, as lides com os couchsurfers iranianos não estão a correr nada bem.
Foi uma surpresa que se foi adensando. Com todos os amigos trauteando odes de louvor ao espírito de hospitalidade dos iranianos assumi que encontrar anfitriões nos diversos locais que penso visitar seria simples. Não podia estar mais errado. A simplicidade transformou-se na campanha de couchsurfing mais complicada de sempre, pelo menos até este momento.
Habitualmente a experiência acumulada, convertida em muitas referências positivas no sistema e o jeito adquirido para redigir um pedido de hospitalidade, costumam fazer maravilhas. Onde quer que vá, em havendo, não tenho tido dificuldade em encontrar quem esteja disposto a abrir-me as portas de sua casa e ter-me como convidado. Ainda há relativamente pouco tempo, para Paris – um destino que pela sua popularidade se transformou nos mais complicados para encontrar anfitriões – escrevi seis mensagens, tive três respostas positivas e, posteriormente, uma experiência de couchsurfing de primeira qualidade.
Mas agora que vou a caminho de Lisboa olho para os meus apontamentos e vejo um cenário deprimente: 14 pedidos cuja sequência não tem muito de brilhante. Uma boa parte não mereceu sequer resposta. Uma mão cheia de recusas, algumas sinceras, outras com desculpas mal amanhadas. Houve até quem pedisse dinheiro para me deixar ficar, o que é uma antítese do que é o couchsurfing. E, vá, um vago “talvez, falamos mais em cima da hora”.
Dentro de três dias, pela manhãzinha, voarei para Istambul, onde ficarei com o meu amigo dos tempos de Praga, Emre Ovacik. Saudades. Dele e da sua cidade, que lhe é completamente indiferente. Para ele a vida é o trabalho, ao virar da esquina, e a cara-metade. Rodeia-se de Istambul mas poderia ser qualquer outro sítio. Como diz o ditado, “Dá Deus nozes a quem não tem dentes”.
Aproveitarei a proximidade para assentar os pés num dos poucos “países” europeus que nunca visitei, o Chipre, e de lá, para o Curdistão Turco, uma região que se encontra de novo a ser dilacerada pela guerra muda entre nacionalistas curdos e o Estado Turco. Todos os dias há ataques armados, morrem polícias, militares… e militantes, geralmente em acções retaliatórias que não vêm nas primeiras páginas dos jornais. Até agora é basicamente um conflicto entre beligerantes e espero que, ou que termine, ou que assim continue.
Mas riscos à parte já mexeu com esta viagem. O plano era chegar em grande estilo, numa viagem de longa distância de comboio, com início em Van e chegada a Tabriz. Sucede que o PPK atacou por duas vezes o tráfego ferroviário entre os dois países, com a colocação de minas na linha, e o Irão decidiu suspender todo o tráfego na fronteira. Mudança de planos, terei que regressar a Istambul, estando ali tão perto, e voar de lá para Teerão. Ossos do ofício.
Muito bem! E assim começa mais uma aventura. Desejo-te muito boa viagem! grande abraço
Mau… Esta viagem já leva muitos dias e poucas histórias. Tens leitores mal habituados, pelo que trata de relatar mais uns dias dessa viagem por terras perigosas! Abraço.
Já estou no Irão e mesmo no Curdistão as coisas estavam bastante calmas.