Na realidade o nome do livro é mais complexo. Wild: From Lost to Found on the Pacific Crest Trail. Mas chamemos-lhe apenas Wild, que é também o título do filme inspirado na volume escrito por Cheryl Strayed.
A Cheryl foi marcada para a vida por algo traumatizante: o falecimento precoce da sua mãe, que contava 45 anos, e ela, 23. Se os anos que antecederam o drama não tinham sido propriamente estáveis, o desaparecimento do seu pilar lançou Cheryl no caminho das drogas, do sexo promíscuo. Divorciou-se, perdeu-se e andou à deriva durante três anos. Até encontrar algo a que se agarrar: o desafio de caminhar o PCT. Pacific Crest Trail. Mais de 4.000 quilómetros a pé.
Um dia pegou num livro, ao acaso, enquanto esperava para pagar a conta do supermercado. Era um guia deste trilho para caminhantes. Na altura não ligou, mas a ideia foi germinando, tornou-se imparável. E aconteceu. O livro de que hoje falamos é sobretudo a narrativa da experiência de Cheryl no PCT.
A prosa inicia-se, já se adivinha, com uma retrospectiva. Na realidade, tecnicamente, começa com um flashback, uma situação que ocorre a meio da aventura. E depois sim, regressa uns anos atrás, consolida-se, enquadra tudo. Somos levados para o mundo em colapso de Cheryl, vamos com ela ao fundo e depois, de repente, estamos a seu lado enquanto dá os primeiros passos no deserto, transportando um peso literal e metafórico: a sua enorme mochila, desadequada, mal planeada, pesada, monstra… monstra… foi esse o nome que ela lhe deu e pensamos que ali transporta todo o seu passado, uma vida que ameaça arrastá-la de novo.
Mas aos poucos o trilho inicia o seu longo trabalho. Vai-lhe limpando a alma e moldando-lhe o corpo. Abraça-a, transporta-a para uma realidade que lhe é estranha. Conhece outros caminhantes, quase todos mais experientes. Aprende, aperfeiçoa-se. Sente medo, angústia, cansaço. Mas não se deixa vencer, continua, sempre. Até ao fim.
Como livro é uma delícia. Passa por um teste complicado, a incorporação de um drama pessoal que marca tudo o que se passa ao longo das páginas, e que poderia ter resvalado para uma pieguice intíma com poucos atractivos para o leitor. Mas não. A integração da dor de Cheryl funciona no contexto da obra. Integra-se nas aventuras que ela vive e que para muitos serão que é procuram. É um excelente livro de verão ou de lareira. Lê-se num instante, graças à prosa agradável e bem ritmada. Nunca se torna aborrecido e recomenda-se. Para os que gostam de caminhar ou simplesmente de uma boa história.
Apesar de ter lido esta obra na sua língua original, está disponível uma versão em português que pode ser adquirida, por exemplo, na FNAC: Livre – Uma História de Autodescoberta, Sobrevivência e Coragem. Uma interpretação do título que leva desde logo a temer o pior para o que se segue, em termos de tradução.