No dia 17 de Novembro de 1989 a situação em Praga era tensa. O regime comunista estava prestes a cair de maduro mas debatia-se ainda, agarrado a um poder que detinha há quarenta anos No bairro universitário de Albertov uma manifestação de estudantes tinha sido autorizada pelas autoridades, mas depressa as coisas tomaram um rumo que alteraria a História. A massa de jovens saiu do percurso previsto e dirigiu-se para a praça Venceslau, o coração da cidade moderna. A marcha foi finalmente detida pela polícia na avenida Narodni. Os acontecimentos daquela noite desencadearam contudo uma sequência de eventos que culminou, a curto prazo, na instauração da democracia no país, através daquela que ficou conhecida como A Revolução de Veludo.
Vinte anos depois, em Novembro de 2009, a data foi comemorada com uma réplica da marcha dos estudantes. E eu estava lá. Reuni-me com um grupo de amigos de várias nacionalidades, mas sobretudo checos, e, juntos, chegámos ao ponto de concentração, em Albertov.
Depois foi caminhar, em comunhão com aquela multidão constituida por mais de cinco mil pessoas, com passo lento, recriando o percurso que aqueles corajosos jovens tomaram em 1989. Após de uma primeira parte de ruas mais ou menos sinuosas o rio humano desaguou na avenida que corre junto ao Vltava, sempre acompanhado pelo apoio dos que, saem sair de casa, enchiam janelas e varandas com gritos de incentivo e palavras de ordem que eram correspondidas, cá em baixo, pelos que se movimentavam.
Os molhos de chaves – um símbolo característico da revolta de 89 – surgiram nas mãos dos participantes e o barulho do seu chocalhar cresceu de um vago murmúrio até um tilintar ensurdecedor. Naqueles dias quentes de Novembro eram um sinal de despedida, aludiam à partida exigida do Secretário-Geral do Partido Comunista, Miloš Jakeš, e, com os molhos bem alto, acima da cabeça, os manifestantes gritavam: ” – Miloši končíme!”, ou seja, algo como “Já estamos fartos de ti, Milos”. Berrava-se também, “- Última chamada”, “- Liberdade pelo Natal”, “-Vamos a acordar, Praga!”.
Duas décadas depois os ânimos estavam mais serenos, mas ainda houve lugar para trocas azedas de argumentos entre velhos dinossauros do antigo regime e jovens de hoje (ver fotografia). Uma bandeira gigante da República Checa passou sobre as cabeças dos marchantes. E de súbito a multidão estancou!
Tinhamos chegado a Narodni Trida. Foi ali que as forças do regime tinham colocado um ponto final aquela manifestação pela Liberdade. Cães-polícias foram largados sobre a cabeça da coluna, e seguiu-se uma carga violenta que culminou com espancamentos indiscriminados. Também agora os participantes que replicavam os acontecimentos eram forçados a parar. Através do sistema de som instalado no local ouviam-se os sons daquele dramático dia. Através de um megafone um oficial da polícia ordenava aos manifestantes que dispersassem. Sem resultados, já se vê. De súbito, o som de disparos. E a rua encheu-de fumo, desta vez inofensivo, a simular os gases lacrimogéneos usados em 1989. Nos altifalantes latiam os cães que eram atiçados contra os estudantes.
Olhei para duas amigas minhas que tinham estacado à minha frente, envolvidas fraternalmente pela mesma bandeira nacional. Com todos os outros cantaram o seu hino a pulmões cheios, puseram-se em bicos de pés para tentar ver o herói da libertação, Vaclav Havel, o homem que se tinha tornado o primeiro presidente da Checoslováquia livre e que agora subia ao placo para falar à multidão que ali se encontrava. E choraram.