A chegada a Estocolmo não correu bem. Chovia a bom chover, perdemo-nos. O PDA, com GPS, é que nos salvou, mas morreu heroicamente, atingido mortalmente pela água que tudo cobria, uns momentos após nos conduzir a porto seguro. Foi o preço a pagar para os dias de sol que se seguiram.
Adorei Estocolmo. Será para sempre um ponto na minha memória positiva, que perderá nitidez com os anos, mas até ao fim, será sempre Estocolmo, a cidade das mil ilhas, onde o mar chega a todo o lado. Na primeira manhã explorámos as áreas marginais de Gamla Stan, a cidade antiga. Era cedo, não se via vivalma, a não ser a beleza que nos rodeava. As águas, de um azul profundo, de mar… e os veleiros, magníficos, ali encostados. Passámos junto a edíficios esplêndidos, cheios de história, sem um guia na mão para nos explicar o que viamos, seguindo apenas o instinto. Acabámos por encontrar o palácio real, mas no meio de tanta glória quase que passa despercebido.
Com o tempo a escassar visitámos apenas um museu, o militar, e que impressionante foi. A exposição é de uma qualidade a toda a prova. À entrada, duas bonitas, simpáticas e eficientes funcionárias atendem os potenciais visitantes. Guia resumido em inglês fornecido com o bilhete, mas à entrada de cada sala, estão disponíveis cadernos, também em inglês, com elementos detalhados sobre os conteúdos. Autênticos compêndios de história, cuja leitura detalhada em conjugação com a visita exigiria mais do que um dia para passar este museu de ponta a ponta. A legendagem das peças é exemplar, assim como a variedade de conceitos aplicados à exposição. Uma experiência riquissima para qualquer interessado em museulogia!
Um dos pontos altos da visita sucedeu ao cair de um dia. Apanhámos um ferry, que largava do centro da cidade e seguia para uma das ilhas contíguas. A vista daquele coração de Estocolmo, com as cores de um pôr-de-sol que não se via mas se reflectia é uma memória e pêras. Trouxe à mente o imaginário de uma Manhatan vista do mar, uma cidade plena de vida, observada da tranquilidade de um barco a certa distância. Os carros, atarefados, de um lado para o outro, transportando homo sapiens urbis de volta ao lar; as luzes dos escritórios, em torres controladas; e, por fim, o desembarque… num local ao mesmo tempo tão próximo e tão distante daquela baixa em fervilhante actividade. É a ilha onde se encontra o famoso navio convertido em museu, o Vasa. Não o visitamos, e nem é por já se encontrar encerrado. O preço é demasiado elevado para o que oferece, as massas de turistas invadem o local a cada dia. Mas à noite, que já o era quando ali chegámos, podemos ver por fora quase com o mesmo detalhe de uma visita interior. Nisto, vemos um portãozinho aberto, no lado oposto ao do navio. Entramos, com curiosidade. É um cemitério, um pequeno cemitério, e encontra-se repleto de velas acesssas. Ah! É um dia de homenagem aos mortos na Suécia, e assim, de surpresa, somos envoltos por uma atmosfera mágica, fascinante. Sem a sombra de uma maldição, diria mesmo que inspiradas por um clima de alegria, as campas estão iluminadas pelas candeias. Demoramo-nos por ali, absorvendo cada segundo da experiência fantásticas, até que nos apercebemos que temos que nos apressar para apanhar o último barco de regresso.
Outra volta memorável levou-nos pelas partes altas da cidade, até trilhos pedestres entre acolhedores miradouros, e terraços postos junto a casas quase medievais. Ver Estocolmo dali, ao fim do dia, é uma vista de cortar a respiração. Os braços de água omnipresentes, os tons alaranjados de um sol que se vai deitando, os pomposos navios de todos os tipos, aportados aos mil cais da cidade. E em cada esquina, edíficios que respiram história, nos limites do que identificamos como sendo nosso património civilizacional. São ainda europeus na essência, mas a Escandinávia tem uma outra magia… são casas que não se encontram em mais parte nenhuma, que nos transportam a cenários do imaginário infantil, com renas, pais natais e outros personagens saidos de contos para crianças.
Estocolmo é uma cidade grande, mas não esmaga o visitante, como me sucedeu em Viena. Pode-se andar, e andar e andar… sempre descobrindo novos detalhes e pontos de interesse, mas nunca se sente a nudez fria das enormes urbes. É como se a urbe se dividisse em pequenas comunidades, e cada uma delas sempre ciente da sua individualidade, decidida a não se deixar perder pelos tiques da metropolis. É certo que Gamla Stan é o centro, e guarda o orgulho da jóia da coroa, mas em toda a extensão de Estocolmo existem pequenos núcleos de interesse, locais a visitar e apreciar. Não é uma cidade, como tantas outras, onde o foco se limita a uma mais ou menos pequena área central, rodeada de subúrbios sem história nem identidade a perder de vista.