O meu grande amigo Vitek demonstrando o Couchsurfing com muito estilo.

O que é o Couchsurfing? Ora bem, pondo as coisas da forma mais simples, o Couchsurfing é uma comunidade de pessoas, a nível mundial, que colocam um pedaço da sua casa à disposição de viajantes e, eventualmente, quando viajam procuram outras pessoas que façam o mesmo.

Agora que está respondida a questão que muitas pessoas colocam depois de ver a primeira referência a este nome “estranho”, vamos explicar um pouco mais deste fabuloso conceito, indicar as grandes vantagens do Couchsurfing, ponderar alguns potenciais problemas e contar histórias, que afinal estamos cá é para isso. E antes que me esqueça: o perfil do Cruzamundos no Couchsurfing.

Como Funciona o Couchsurfing?

 

  • A primeira coisa a fazer é criar uma conta e preparar o seu perfil. O processo é gratuito e não tem de preencher tudo, bem pelo contrário, apesar de ser conveniente trabalhar ao máximo o que vai apresentar aos outros membros. Já vamos ver porquê.[spacer height=”20px”]
  • Se pretender receber pessoas, basta esperar. Se viver numa área apetecível para os viajantes, não tardarão a cair os primeiros pedidos de hospitalidade. Claro que não tem que os aceitar. Pode recusar os que quiser ou até ignorá-los, mas não se aconselha esta última opção. A percentagem de pedidos ignorados surge no seu perfil e pode ser tomada em conta por potenciais anfitriões, quando partir em viagem e procurar com quem ficar. Além disso, se número de pedidos ignorados for elevada, o seu nome vai caindo nas listas de resultados. Note que pode optar por três situações no que toca ao seu estatuto enquanto potencial anfitrião: accepting guests, maybe accepting guests, not accepting guests e wants to meet up.[spacer height=”20px”]
  • Se pretender ficar com alguém, terá que procurar as pessoas disponíveis nas áreas por onde vai viajar. O motor de pesquisa do Couchsurfing funciona relativamente bem, com várias possibilidades de filtragem, sendo que o mais importante, claro, é precisamente o nome da cidade onde procura um anfitrião. Depois, é escrever um pedido às pessoas que lhe pareçam interessantes e aguardar pela resposta.
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O meu couch em São Tomé

 

Um Pouco de História, mas não muita para não entediar

A ideia surgiu em 2003, vinda de um pequeno grupo de amigos norte-americanos. Na realidade não era um conceito original. Já em 2000 Veit Kühne tinha criado o Hospitality Club que, mais coisa menos coisa, era exactamente o mesmo. Só que com o tempo, o Hospitality Club, que sempre foi mais europeu, se tornou obsoleto. O Couchsurfing, liderado desde o inicio por Casey Fenton foi crescendo. E crescendo, e atingiu o primeiro milhão… mas… já lá vamos.

Tinha dito que tudo começou em 2003, certo? Sim. Em 2005 aqui o vosso amigo Cruzamundos, de partida para a sua primeira viagem internacional, descobriu o projecto, durante uma conversa com um amigo. Já não deu para essa primeira viagem, mas desde então tem feito parte de todas as aventuras por esse mundo fora. Só que pouco depois, em Junho de 2006, algo terrível sucedeu: um belo dia o website ficou inacessível. Os minutos corriam longos até que saiu a primeira informação oficial: tinha ocorrido uma perda irreversível de dados, durante uma rotina de backup, e era anunciado o fim do projecto.

Mark, o meu primeiro anfitrião, em Fevereiro de 2006 na Irlanda. Desde então já me veio visitar duas vezes. Na foto, na margem sul do Tejo.
Mark, o meu primeiro anfitrião, em Fevereiro de 2006 na Irlanda. Desde então já me veio visitar duas vezes. Na foto, na margem sul do Tejo.

Os membros da comunidade reagiram, bombardeando Casey e a sua rapaziada com e-mails e ofertas de ajuda para a recuperação dos dados perdidos. Criou-se um fórum para que pessoas que tinham já viagens combinadas pudessem estabelecer contacto com os anfitriões (ou “hosts“, como se diz no meio). Correu tudo bem. No final de contas os dados foram recuperados e o Couchsurfing escapou de uma morte [literalmente] anunciada.

Desde essa altura e até 2011 não se passou muito mais. A comunidade cresceu, ultrapassando o número de um milhão de membros. E depois mais, e mais, até chegar aos actuais oito milhões, que na verdade não são reais: entre as pessoas que criaram uma conta por impulso e nem sequer preencheram os campos do perfil, até aos que por uma razão ou por outra se afastaram, ninguém sabe quantos na realidade são Couchsurfers activos.

Mas eu disse que em 2011 aconteceu qualquer coisa de significativo: o Couchsurfing tornou-se uma companhia com fins lucrativos. Até então tudo era mantido graças a doações e trabalho voluntário. Depois desse ano, e apesar de a utilização do website se manter totalmente gratuita, algo mudou… muitos dos membros mais activos retiraram-se, desapontados com o rumo das coisas, e os novos administradores iniciaram um trabalho que resultou na redução drástica das funções do website. O resultado final foi uma coisa triste de se ver. O website actual tem funções reduzidas, bugs e opções surreais (como a impossibilidade de se encontrar um “amigo” na comunidade através de uma pesquisa).

Um confortável couch em Saragoça, mesmo aqui ao lado em Espanha!
Um confortável couch em Saragoça, mesmo aqui ao lado em Espanha!

 

Interessante mas… e é Seguro?

Tão seguro como pode ser seguro viver. Agora a sério… a equipa do Couchsurfing leva a segurança muito a sério e as ferramentas ao dispor dos membros da comunidade potenciam esta mesma segurança. O sistema de referências é especialmente importante. Quando alguém interage com outra pessoa pode – e deve – deixar-lhe uma referência. Ou seja, descrever como correu tudo e as suas impressões sobre o outro membro. Isto funciona quer para convidados (guests) quer para anfitriões. As referências podem ser positivas ou negativas. Existiam as “neutrais” mas essa opção já não está disponível.

Depois há o senso comum, de que os membros devem usar e abusar. A forma como uma pessoa escreve revela bastante sobre ela. Trocar algumas mensagens com alguém com quem pensamos partilhar um espaço ajuda a ter uma ideia melhor sobrem quem é de facto essa pessoa.

Olhar para as referências. Podem ser muitas, mas há algo de perturbante quando se trata de um elemento masculino que só tem feedback de mulheres. O que concluir daí: que muito do seu interesse pelo Couchsurfing passa, de certa forma, por encontrar alguém. Claro que isto não é obrigatoriamente mau nem conclusivo, mas é um possível indicador. Por outro lado, o facto de se ter imensas referências positivas não quer dizer que seja a pessoa certa para nós. Será melhor ler com atenção o que elas dizem. Pode simplesmente ser uma pessoa noutra onda.

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Eu e o meu anfitrião, o fabuloso Halil, a jantar no meu couch em Urfa, Curdistão Turco

 

As Vantagens do Couchsurfing

  • É uma ajuda enorme para ver o mundo com olhos de ver. Quando se está com uma pessoa que é local, que conhece a região, as pessoas, a cultura, tudo tem outro sabor. Mesmo que não tenha tempo para nos mostrar os seus cantinhos secretos, o anfitrião costuma ter uma mão cheia de ideias e conselhos que fazem a diferença. Mas quando tem tempo e vai com a nossa cara, então é divinal. Ser-se convidado para uma festa de família numa qualquer parte do mundo pode acontecer de forma casual, mas quando se está no Couchsurfing as possibilidades disparam. Na Síria, ficar com o Alfrend foi uma coisa de outro mundo, e só o Couchsurfing me permitiu conhecer o Vlado, na Croácia.
  • Mesmo que não possamos ou não queiramos ficar com alguém da comunidade, pode-se escrever mensagens pedindo informações – e quantas vezes recolhi assim dados importantes para uma viagem – ou mesmo um encontro com um membro. Aconteceu-me, por exemplo, na capital da Arménia, onde sair para jantar com o Artyon fez toda a diferença para a minha visita a Yerevan. Ou ter a Masha para me mostrar a estranha capital de um país que não existe, a Transnistria.
Obrigado Couchsurfing! Obrigado Oliver! Por este quarto com vista para a cidade, em Sarajevo.
Obrigado Couchsurfing! Obrigado Oliver! Por este quarto com vista para a cidade, em Sarajevo.

 

  • Há muita malta que não assume isto ou honestamente não dá importância, mas fazer Couchsurfing quando se viaja permite poupar uma pipa de massa. Mesmo quando se anda por países onde o alojamento em hostel é muito barato, ao fim de um par de semanas já faz diferença. Ainda melhor: a verdade é que é nos países mais caros que existem mais possibilidades para se ficar com alguém da comunidade, por isso a coisa funciona na perfeição (quinze dias em redor da Islândia, oito anfitriões, apenas uma noite de alojamento paga). Por exemplo: provavelmente não teria ido a São Tomé e Príncipe se para além das passagens aéreas tivesse que pagar duas semanas de alojamento. Mas o Couchsurfing solucionou-me esse problema.
  • Há espaço para todos e para todo o tipo de estilos. Há quem queira fazer amigos de cada convidado, há quem nem tenha tempo para decorar o nome de todos os convidados. Há quem ofereça um apartamento inteiro, há quem deixe dormir no chão ao lado da cama. Há quem hospede sem parar, às vezes 3 ou 4 pessoas de cada vez, há quem seja super-selectivo e só aceite convidados com quem sinta enorme afinidade. Há quem entregue uma chave da casa ao convidado deixando-o totalmente à vontade, há quem peça que o viajante saia de manhã quando vai para o trabalho. Variedade, muita variedade, que cria nichos adequados para todos. Vale tudo, o que é óptimo, desde que tudo seja explicado no perfil e nas condições de “alojamento”.

 

Dicas para um Couchsurfing de Sucesso

Com uma mão cheia de amigos curdos em Batman (sim, há uma cidade com esse nome)
Com uma mão cheia de amigos curdos em Batman (sim, há uma cidade com esse nome)

 

    • O mais importante de tudo, a mãe de todas estas dicas, a repetir mil e uma vezes e depois mais umas quantas: preencher o perfil de forma completa, criativa, imaginativa, interessante. Só se faz uma vez – não contando com possíveis ajustes – e é importantíssimo. O nosso perfil é o cartão de apresentação, aquilo que potenciais convidados e possíveis anfitriões vão ver na hora de decidir se lhes interessamos ou não.
    • Se pretendemos ficar com alguém é importante ler todo o perfil da pessoa que seleccionamos. E ao escrever o pedido, deixar claro porque achamos que pode ser uma boa ideia abrir a porta de sua casa para nós, personalizar ao máximo o texto. Vamos lá ver… há malta que recebe dezenas de pedidos por dia. Porque é que o nosso há-de ser aceite e não os outros? Temos que caprichar. Há pessoas que pensam que é melhor disparar em todas as direcções, criando um texto-padrão e enviando-o para dezenas de potenciais anfitriões. Não deve funcionar muito bem. Se já se está em desespero talvez… mas apenas em último caso. Isto é o método que sigo: escolho a pessoa com que gostaria mesmo de ficar e envio-lhe uma mensagem super elaborada; espero um par de dias. Se não obtiver resposta, vou aos dois seguintes da minha lista de prioridades e escrevo-lhes algo também bastante personalizado. Espero mais um par de dias. E vou repetindo o processo, incluindo a cada passo mais pessoas e simplificando cada vez mais o meu texto.

 

Nasco, o mais incrível de muitos anfitriões incríveis que me ofereceram um bocadinho das suas vidas. Numa aldeiazinha nos confins da Bulgária.
Nasco, o mais incrível de muitos anfitriões incríveis que me ofereceram um bocadinho das suas vidas. Numa aldeiazinha nos confins da Bulgária.

 

  • Se estamos a receber, é importante ver com atenção o perfil de quem nos solicita hospitalidade. Ler a sua descrição, ver as fotos, espreitar as referências deixadas por outras pessoas. E sentir quem nos está a escrever precisamente pela sua escrita. É incrível como a personalidade de alguém se revela no seu estilo de escrita. Para isso ajuda trocar algumas mensagens antes de tomar uma decisão final.
  • Como anfitrião, este é o meu processo de filtragem para aceitar um convidado, uma checklist cujos pontos não têm que estar todos conferidos, apesar de haver alguns com mais peso:
    1. A pessoa dá couch ou não? Se não dá, preciso de ver uma explicação razoável, como por exemplo, viver ainda com a família que não se quer meter nestas coisas. Por norma penso que nesta comunidade há que dar e receber e se só se quer receber sem dar, nada feito… tirando os casos explicados, como disse;
    2. A pessoa tem referências? Isto não é vital, ninguém nasce já com referências, mas é algo que conta na equação;
    3. A pessoa irá ligar bem comigo? Interesses, personalidade, atitude… é de um país que me interessa, de uma cultura que aprecio, temos coisas em comum?
    4. Importante: a pessoa leu o meu perfil? As minhas condições? Se mostra que não leu, geralmente ponho logo de parte. Uma pessoa que vem para a casa de alguém que não conhece de lado nenhum e não se informa minimamente tem uma certa incompatibilidade com a minha personalidade;
    5. Esta não tem grande peso, mas se for necessário escolher prefiro uma pessoa numa fasquia de idades com que usualmente me sinta em sincronia, no meu caso, entre os 30 e os 45 anos. Mas como disse, é um factor sem muito peso.
    6. É importante para mim haver boa comunicação, por isso prefiro pessoas que falem inglês fluentemente. Isto no meu caso pessoal, claro.

 

Deixando a marca Cruzamundos na varanda dos meus anfitriões em Veliko Turnovo, Bulgária
Deixando a marca Cruzamundos na varanda dos meus anfitriões em Veliko Turnovo, Bulgária

 

  • Como viajante, é mais ou menos assim que selecciono as pessoas com que desejo ficar:
    1. Prefiro alguém com alguma experiência no Couchsurfing;
    2. Leio com muita atenção o perfil dos membros, gostando de os ver com mais matéria, com mais informação;
    3. A localização é vital para mim;
    4. Procuro pontos em comum;
    5. Dou preferência a anfitriões entre os 30 e os 50 anos, apesar de não ser importante;
    6. O que é importante é não ter que sair de casa quando o anfitrião sai para o trabalho… para mim isso é um grande NÃO. Compreendo a exigência do anfitrião mas é-me tão desconfortável que prefiro optar por outra solução.

 

Svein, que me ofereceu um quarto na Islândia. Um dos couchsurfers mais amáveis e generosos que conheci.
Svein, que me ofereceu um quarto na Islândia. Um dos couchsurfers mais amáveis e generosos que conheci.

 

Experiência Pessoal

Acho que é evidente que adoro Couchsurfing. Mas queria deixar bem claro que em mais de dez anos disto, com centenas de experiências, quer como viajante quer como anfitrião, nunca tive uma má experiência. É verdade que por vezes não ligo a 100% com as pessoas, mas isso é outra coisa. Por outro lado, o Couchsurfing tem-me oferecido experiências de viagem formidáveis, assim como centenas de pessoas com quem me mantenho em contacto e muitos amigos para a vida. Na realidade a grande maioria dos verdadeiros amigos que tenho vieram do Couchsurfing.

No momento em que escrevo estas linhas tenho 359 amigos registados na comunidade. Experimentei couches em cerca de 60 países. Com maior ou menos dificuldade nunca fiquei sem couch, excepto em países onde basicamente não existe uma comunidade, como no Laos ou em El Salvador. É uma comunidade maravilhosa que funciona na perfeição!

Os meus primeiros convidados, 2005. na altura um jovem casal da Malásia que acabava os estudos na Europa. Hoje estão casados, tiveram duas meninas. Convidaram-me para a cerimónia mas era um pouco fora de mão. Vou revê-los em Janeiro de 2017. Doze anos mais tarde.
Os meus primeiros convidados, 2005. na altura um jovem casal da Malásia que acabava os estudos na Europa. Hoje estão casados, tiveram duas meninas. Convidaram-me para a cerimónia mas era um pouco fora de mão. Visitei-os em Janeiro de 2017. Doze anos mais tarde.

2 COMENTÁRIOS

  1. Artigo muito pertinente para sabermos ao certo do que realmente se trata Couchsurfing. Já fiz couchsurfing várias vezes, estou no site desde 2003. É uma boa maneira de conhecer outras pessoas e ter uma visão diferente dos locais que visitamos.

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