Esta é uma das obras maiores do grande novelista francês Jules Verne, um pioneiro da ficção científica, cujas obras preencheram, desde o último quartel do século XIX, o imaginário de aventura de gerações a fio.
Para melhor compreender a importância da obra será necessário ter em conta a conjuntura mundial na altura em que foi escrito: no espaço de dois anos o canal do Suez tinha sido aberto, a ligação ferroviária entre São Francisco e Nova Iorque tinha sido estabelecida e tornou-se possível atravessar o sub-continente asiático de comboio. Vivia-se a época de ouro das explorações geográficas e o mundo, como um todo, despertava uma imensa curiosidade junto do público culto.
A estória inicia-se no Reform Club, onde a personagem central, Phileas Fogg, se encontra a passar um dos seus usuais serões. Ali envolve-se em animada conversa com os seus parceiros sobre uma notícia no Daily Telegraph que alega ser agora possível viajar-se em redor do mundo em 80 dias. Para os seus interlocutores a pretensão é disparatada porque, mesmo que tal fosse linearmente possível, a estimativa não contaria com os golpes do infortúnio que sempre sucederiam. Phileas discorda, e em minutos está estabelecida uma audaciosa aposta: com uma pequena fortuna em jogo, Phileas partirá no dia seguinte para uma viagem em volta do mundo e terá que retornar ao Reform Club no espaço de 80 dias. Levará consigo o seu novo servente, um francês de nome Passepartout.
As páginas do livro levam-nos nesta expedição, primeiro através da Europa até ao porto italiano de Brindisi, onde apanham um vapor para Bombaim. Já na India salvam uma jovem de um sacríficio humano, levando-a consigo ao longo da viagem restante, que incluirá a travessia dos mares do sul da China, com paragem em Hong Kong antes da chegada a Yokohama, no Japão. Dali apanham um novo vapor, desta feita com destino a São Francisco. Atravessam a América do Norte de comboio, chegam a Nova Iorque onde embarcarão para Inglaterra.
Uma nuance interessante da narrativa é que declaradamente o nosso herói não tem qualquer interesse por viagens. Para ele a volta ao mundo é um desafio por si, e quanto menos contactar com as realidades que o vão rodeando, melhor. Sobre o mundo que atravessa, não nos tem nada a dizer. A sua curiosidade é nula e sempre que pode confina-se aos seus aposentos. Felizmente Passepartout tem uma atitude oposta, e os retratos das paragens longínquas que nos chegam, vêm através da sua narrativa.
O que levanta outra questão: como seria, naquela altura, escrever sobre viagens sem se ter viajado? Jules Verne descreve-nos um mundo que não conhece, apenas baseado em investigação. Algo que nos nossos dias seria provavelmente impossível. Mas em 1872 os tempos eram outros.
Apesar de não ter lido este livro na juventude, deu-me prazer agora, aos 51 anos. A edição a que tive acesso é inglesa, e a tradução é excelente, apresentada com uma linguagem adequada, que tá um imenso gozo na leitura. Se a prosa é datada, é-o deliciosamente datada, com o seu perfume oitocentista, submergindo-nos no universo vitoriano. O livro foi lido facilmente, num par de dias, e ao terminar ficou uma sensação boa, de ter completado finalmente algo que deveria ter sido feito há muitos anos atrás.