Que dia em grande! Mais um, sempre mais um, na América Central, sobretudo depois de ter deixado para trás o Panamá e a Costa Rica foi sempre assim. E portanto, neste vigésimo sétimo dia de viagem fui ao cima de outro vulcão e desta vez não estive à beira de um sarilho potencialmente mortal como aconteceu na Nicarágua.
Saí de manhã, bem cedo, tinha que ser, para apanhar o autocarro que vai para o vulcão de Santa Ana. Uma maravilha! Um transporte público com entrega directa para o passeio. Sem confusões, sem necessidade de mudar de autocarro e muito menos de apanhar um táxi. O único pequeno problema é que a estação de autocarros é discreta, é privada, trabalha apenas com uma ou duas companhias de transporte e de tão discreta que é, numa esquina numa avenida paralela à principal, andei um bocado à procura. Mas previdente como sou, tinha saído de casa com uma boa antecedência, para o que desse e viesse, e não houve problema.
Lá entrei, comprei o meu bilhete e esperei numa salinha simpática. Uns minutos depois da hora esperada vieram chamar os passageiros. Estrangeiros era eu e outro casal. A coisa compunha-se. Aquele era o único autocarro compatível para este passeio e por isso não deveria haver muita gente.
Seguimos viagem, cruzando o espaço rural que envolve Santa Ana, cruzando pequenas aldeias onde a manhã começava. Longe de ser um transporte para turistas o autocarro levava pessoas que tinham vindo à cidade ou iam visitar família aos arredores. Muita vida local, muita gente interessante para observar.
Lá chegamos ao Parque Nacional Los Volcanos, que engloba os vulcões Santa Ana, Izalco e Cerro Verde. Hoje vou ao Santa Ana, mesmo ao cume, que fica a 2,481 metros. O passeio inicia-se ali, na base do parque, onde há uma espécie de restaurante, uma série de pavilhões de apoio, um amplo parque de estacionamento, um bonito jardim cheio de flores (ver imagens mais abaixo), uma série de painéis explicativos e uma bilheteira, onde compro o bilhete para entrar no Parque Nacional.
Já há algumas pessoas à espera do passeio por lá e eventualmente chegarão outras. No total, mais tarde, quando arrancamos, seremos umas doze pessoas, um bom número para uma caminhada. Mas por enquanto é preciso esperar. Está lá o pessoal do Parque, incluindo os guias, mas falta alguém muito importante: a polícia! É que por questões de segurança este passeio não se faz sem uma escolta policial. A decisão foi tomada depois de um surto de assaltos aos grupos. A região é super pacífica, mas a existência de “ajuntamentos” de estrangeiros tão fáceis de colher, em lugar remoto, chamou a atenção de alguém indesejado e durante algum tempo foi uma desgraça. Agora, há anos que não há nenhum incidente, mas o esquema da protecção mantém-se. Na realidade, há um posto de polícia de turismo ali mesmo, à entrada do parque.
Por fim, com mais de meia-hora de atraso, chega o agente. Tinham sido chamados ao quartel em Santa Ana para tratar de um assunto, daí o atraso. Agora sim podemos prosseguir. Andamos um pouco, saindo das imediações da entrada do Parque e fazemos um alto para briefing. O agente Baquero apresenta-se, explica a necessidade da escolta, fala do percurso, do grau de dificuldade, vê se toda a gente está equipada para a caminhada, pergunta se alguém tem problemas físicos. O tom de voz é claramente militar. Conheço aquele timbre e estilo, tenho saudades.
Pouco mais à frente meto conversa com ele, digo-lhe que fui militar durante uma década e isso despertou-lhe interesse. Seguimos a falar durante um bom bocado, de coisas diversas da vida, das armas que ele carrega, da situação de segurança em El Salvador. É assim tão simples, falar com este pessoal. Nada a ver com Espanha, onde a maioria de nós, portugueses, mal consegue fazer uma pergunta e obter resposta. Não vou é falar muito mais do agente Baquero porque lhe dediquei um artigo inteiro na secção Pessoas do Mundo.
O passeio prossegue a bom ritmo, é agradável, pouco exigente. As pessoas vão falando umas com as outras alternadamente. O agente Baquero segue na cabeça do grupo, o guia anda por ali, esclarecendo dúvidas. Passamos por um ponto onde é preciso pagar uma portagem ao proprietário do terreno, algo que já sabia, dos relatos de outros viajantes e confirmado pelo agente no briefing inicial.
O passeio cruza áreas diferentes. É um contacto maravilhoso com a natureza, com variedade paisagística. Vamos subindo aos poucos mas chegamos a um ponto em que a ascensão é mais evidente. Chegamos ao sopé do cone do vulcão. Dali para a frente o esforço intensifica-se. O Baquero parece uma cabra montanhesa. O pessoal do grupo sobe bem, pelo trilho, mas ele parece sentir necessidade de mais exercício e vai quase na vertical, cortando o caminho que evolui.
As vistas, até então escondidas pela vegetação, revelam-se agora em todo o seu esplendor. O solo é agora quase careca, apenas pontuado por alguns cactos. E que magnífico dia está, simplesmente ideal para estas andanças! Temperatura amena (abençoada altitude) e um céu azul fantástico!
Por fim chegamos ao topo. Reconheço que, pelo menos para mim, foi um pouco anticlimático. Estamos demasiado em cima do local para o apreciar. A lagoa de água esverdeada, tingida por uma alga rara, está mesmo ali aos nossos pés. Os olhos não abarcam a cena de forma global e menos ainda a lente da câmara. Mas as vistas compensam tudo. Deixamo-nos estar por ali durante algum tempo. Toda a gente tira fotografias, o ambiente é de descontracção. O Baquero deixa-se fotografar também, assim como o outro polícia, que ia com um pequeno grupo – suspeito que um arranjo por fora – que se juntou ao nosso em determinado momento.
Passado um bocado os guias (o nosso e o do pequeno grupo) começam a falar em descer. Está certo. Já estivemos um bom bocado ali. Para baixo o ambiente é diferente. Toda a gente segue com uma atitude de missão cumprida, mais descontraídos e faladores. E, claro, é fisicamente mais simples, apesar de que no geral é um passeio bastante acessível.
Quando chegamos à entrada do Parque os que têm carro vão à sua vida. Para mim, há que esperar algo como uma hora pela partida do autocarro que ali está, parqueado, descansando. Dou uma volta pela área, encontro um pequeno trilho que me leva a um miradouro que oferece uma excelente vista para o vulcão vizinho. Deixo-me estar ali e tiro até uma selfie, à moda antiga, com temporizador:
De volta à zona da recepção, já não está por lá ninguém. Na tasca os polícias almoçam. Sento-me lá com eles. O Baquero apresenta-me ao camarada. Fico à conversa com eles até o autocarro estar pronto para seguir viagem. Uma conversa muito interessante, sobre viagens, sobre o mundo, sobre segurança e insegurança, sobre a polícia deles e a nossa polícia, sobre ordenados e condições de trabalho. Momento cinco estrelas.
Regresso a Santa Ana. Neste dia não farei muito mais. Chego cansado, claro. Faço o agradável caminho até ao hostel, feliz, descontraído. Falo com o meu anfitrião. No dia seguinte não vou dormir ali, vou para o campo, fazer a chamada Rota das Flores. A maioria dos viajantes fá-lo como passeio de dia inteiro, mas resolvi apimentar o projecto com uma pernoita numa das três aldeias do passeio. Peço ao meu amigo para deixar no hostel uma série de coisas que não precisarei. E assim acaba um grande dia em El Salvador.