De Santa Ana iria viajar até à Guatemala, mais especificamente a Antigua. Mais uma passagem de fronteira, sem problemas. Tudo como previsto. É sempre um momento com alguma tensão, isto de passar fronteiras. Pelo menos para mim é. Mas lá cheguei à Cidade de Guatemala, capital do país, e logo com uma pequena aventura. OK, quem tem lido os meus diários da América Central sabe que procurei evitar o máximo possível as capitais dos países, por uma questão de segurança. Especialmente a da Nicarágua, do El Salvador e da Guatemala, as mais complicadas, já sem falar da das Honduras da qual nem me aproximei.

Desta vez não havia alternativa, para além dos autocarros para turistas, da Tica Bus, e das carrinhas de transfers. Para usar transportes públicos locais tinha mesmo que passar pela Cidade da Guatemala. Mais uma vez, como tinha acontecido em Manágua, tinha a informação que a coisa seria pacífica porque um autocarro me deixaria no local onde apanharia o segundo. Mas de novo as coisas não foram tão simples.

Chegados à capital, o autocarro para junto à auto-estrada e toda a gente tem que sair. Não fui só eu, o estrangeiro, o único estrangeiro, que fiquei surpreendido. Todos os passageiros ficaram confusos, protestaram, perguntaram, e a todos o pessoal apontou o caminho: “é por ali”. Ora de facto, um tipo andar a pé junto a uma auto-estrada com uma mochila às costas na Cidade da Guatemala é uma actividade que liberta alguma adrenalina.

Lá fui, passinho certo, como quem é rei do bairro, seguindo de perto o grupo de passageiros que caminhava na mesma direcção. Andámos uns 800 metros até chegarmos a uma área com muitos autocarros alinhados. Mas era um alinhar que se perdia no horizonte. Não era um terminal rodoviário, eram paragens e mais paragens, à margem do asfalto. Bonito serviço, agora encontrar o meu autocarro… nestes momentos compreendi de novo a enorme vantagem de falar a língua e como os viajantes de outros países passam por dificuldades para fazer o mesmo que fiz nesta aventura da América Central.

Perguntei, claro. A maioria das pessoas não sabia, algumas davam indicações vagas e continuei a andar. Foi nessa altura que apanhei o maior susto desta viagem, quando um grupo de tipos correu para mim falando muito depressa e me rodearam completamente. Pensei, literalmente “pronto, é hoje, vou ficar aqui com a roupa que levo vestida e o resto já era….”. Mas não, no segundo seguinte percebi que só estavam a tentar aliciar-me para os autocarros de cada um deles. Quando disse que ia para Antigua dispersaram tão depressa quanto tinham vindo.

Vi dois polícias, de aspecto super operacional, como tinha encontrado no Panamá, com traços índios, todos equipados. Perguntei-lhes. “Ahhh Antigua Guatemala”. OK, desta vez recebi instruções detalhadas, era bem mais para a frente, muito lá à frente, depois de uma ponte que se via bem lá ao fundo. E o Ricardo lá continuou a andar. Bom, moral da história, não só tinha sido despejado junto a uma auto-estrada longe desta área, como a paragem dos autocarros para Antigua era a última, sei lá, talvez mais de um quilómetro desde a primeira.

E quando cheguei à última lá perguntei outra vez pelo autocarro para Antigua. Sim, era ali, e, olha, vem ai agora um, é este aqui, o azul. E lá fui! Finalmente!

 

Antigua, fisicamente, é um subúrbio da Cidade de Guatemala, mas na realidade é um mundo à parte. São uns 30 km. Nada, em termos de periferia urbana. Mas quando se chega a Antigua, está-se já num universo completamente diferente, de onde a criminalidade foi removida, assim como a fealdade. Em Antigua tudo é bonito. Quando penso no lugar mais fotogénico que conheci, vêm-me à ideia dois, em igualdade: Trinidade, em Cuba, e esta Antigua Guatemala.

Actualmente é uma pequena cidade sem relevância funcional, mas foi em tempos capital da Guatemala e um dos pólos mais importantes da presença espanhola nas Américas. Não sobreviveu aos terramotos que a destruíram por três vezes sucessivas, todas no século XVIII. Acabou por ser abandonada, para renascer mais tarde a partir, de forma bastante literal, das suas cinzas.

Hoje em dia veem-se alguns vestígios dos sismos. Basicamente as igrejas, sobraram as igrejas, ruínas feitas de paredes quebradas por fendas e pouco mais. São uma série delas, talvez meia dúzia, talvez mais. As autoridades cobram uma exorbitância pela visita, uns 3 Euros, o que pode parecer pouco mas é muito considerando que nada mais existe do que umas pequenas ruínas. Podem ser charmosas à vista, mas não valem isso para a pessoa comum, especialmente porque podem perfeitamente serem vistas de fora.

Passei algumas noites em Antigua, sempre em hósteis diferentes, uma loucura que explico facilmente: na altura colaborava com um website para o qual escrevia críticas de hósteis. Era dinheiro miúdo, mas dava para pagar a noite que lá passava. Entre Couchsurfing e este esquema, acho que não paguei nunca nada por alojamento nesta volta pela América Central.

Instalei-me no hostel que seria o meu lar por um dia – por acaso um dos estabelecimentos deste tipo menos agradáveis que já experimentei, sendo eu um tipo que gosto geralmente de qualquer um – deixei as coisas e saí para a rua. Estava calor, já tinha passado por alguma tensão mas ia cheio de vontade de explorar.

Antigua é uma cidade com planta geométrica, com uma praça central e ruas paralelas e perpendiculares ladeadas de velhas casas coloniais. Há muitas igrejas, entre as abandonadas no século XVIII e as que foram construidas mais tarde. Existe bastante turismo em Antigua, mas não senti que tivesse destruído o charme genuíno da localidade. Até ver, o turismo existe mas deixa respirar.

Gostei especialmente do Arco de Catalina, um elemento que é a imagem de marca de Antígua, o ponto mais fotografado da cidade, especialmente bonito quando enquadrado com o vulcão que se ergue por detrás da povoação. O mais complicado mesmo é apanhar o local desafogado, porque é um natural chamariz para os visitantes. O melhor é acordar bem cedo e ir para lá, com paciência.

Essa foi de resto uma técnica que descobri funcionar bem em Antigua: acordar com o sol, para explorar o centro, quando os backpackers ainda ressonam e ressacam e os locais ainda não chegaram para trabalhar. É a hora em que se conseguem fotografar pormenores e fachadas sem carros estacionados. Depois, há medida que a manhã avança, pode-se avançar para as ruas mais periféricas, onde de resto quase nenhum turista vai e que contudo são tão charmosas como as mais centrais. Esta fórmula funcionou muito bem para mim nos dias que passei em Antigua.

Este primeiro dia, que nem foi completo, serviu-me para tomar o pulso à cidade. Andei para trás e para a frente, caminhei, muito. Porque me apaixonei logo pela cidade. É isto. A América Central do meu imaginário cabe toda aqui, nesta pequena localidade que não terá mais do que meia dúzia de quilómetros quadrados. Está tudo: as velhas igrejas, os homens de chapéu que passam a cavalo, as ruas mortiças que dormem com o calor, as casas de arquitectura colonial pintadas em tons quentes, a praça central onde o povo se congrega. Não falta nada.

 

A praça central está muito “turistizada”. Apesar de ser frequentada pelos locais, os cafés e restaurantes que ali existem são sobretudo para os estrangeiros. O que não é mau, porque os “gringos” reuném-se ali em grande número e enquanto ali estão concentrados não estão nos outros lados da cidade. Ah! E há tanta coisa mais para dizer, mas vou deixar para os relatos dos dias seguintes, porque a minha estadia por aqui fez-se muito de caminhar e de passar vezes sem conta nas mesmas ruas.

Passei por lá uma última vez, quando as luzes da cidade se acendiam já e o céu escurecia. Uma banda de músicos actuava debaixo das arcadas. Havia muita vida, mas eu precisava de descansar. Sinto que chegou aqui o pico das maravilhas desta viagem, mas essa foi uma sensação sempre renovada.

Deixei para o fim uma fotografia muito especial, uma das melhores que considero ter tirado, não só neste dia, nesta viagem, mas desde sempre. Deixo a história para outro dia, para a secção Fotografias com História. Mas fica a imagem:

 

 

 

 

 

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