30 e 31 de Dezembro de 2019, Segunda-feira e Terça-feira
De Faro é o autocarro para Sevilha. Depois do almoço, o primeiro passo de uma longa viagem que virá a ser a mais dramática de sempre, com um regresso precipitado e antecipado devido ao desenvolvimento da pandemia COVID-19. Viria a ser a última? Neste momento a resposta encontra-se entre os muitos segredos do futuro.
O autocarro era espanhol. Gostaria de poder escrever que a viagem foi agradável mas não foi o caso. Começou logo pelos maus modos do condutor, uma besta que se revelou ainda mais assim que cruzámos a fronteira, momento em que ligou o rádio, som elevado, e assim, durante mais de metade do percurso foi uma tortura em castelhano.
Em Sevilha o alojamento escolhido encontrava-se estrategicamente a 100 metros do terminal de Porta de Armas. Um quartinho rasca, com um preço baixo, tão baixo como é possível encontrar naquela cidade.
A ideia tinha sido usar a tarde para passear nesta bonita cidade mas o tempo estava desagradável e a roupa, pensada no verão sul-americano, também não ajudava. Foi assim encurtada a saída, com uma retirada enregelada prematura.
Primeiro jantei. Num restaurante turco ou árabe, um belo kebab e uma porção de húmus. As ruas, apesar de frias, estavam encantadoras, sempre com aquela exuberância espanhola, a preparar-se para a noite de passagem de ano, dali a 24 horas, e com a iluminação de natal a alegrar ainda mais os espaços.
A noite não foi especialmente bem passada, entre frio e a tensão resultante do medo de me deixar dormir e perder o voo. O autocarro para o aeroporto tinha sido estudado em profundidade, incluindo uma ida ao terminar para confirmar a informação sobre o ponto de partida. O horário foi verificado uma e outra vez. Afinal, quem é que quer começar uma viagem destas com um percalço gigante que implicaria uma despesa considerável e uma passagem de ano em Sevilha sem alojamento reservado…?
Bem, lá correu bem. Chegada ao aeroporto, partida à hora (este era outro receio, tendo relativamente pouco tempo para mudar de avião em Madrid). A primeira luz da aurora levantava-se no horizonte enquanto subia as escadas do pequeno avião da Air Europa.
Um voo tranquilo até Barajas. Esticar um pouco as pernas, comer qualquer coisa e a caminho do embarque para Medellin, também com a Air Europa.
A travessia atlântica foi agradável. Bom serviço, bom avião e o tempo passou depressa, entre leitura, uma soneca, refeições e filmes. Logo estava a aterrar em Medellin, de regresso a um aeroporto já conhecido. Ficou a faltar aquela sensação agridoce de chegar a um país novo, sem saber o que se vai encontrar. Ali não. Havia a novidade de ter que sair a pé e procurar nas imediações o alojamento para passar a noite. Fora isso, um sentir de familiaridade.
Pois quanto à dormida, tinha estudado com atenção a questão. Como é minha característica, não queria ser apanhado desprevenido. Mas foi com algum palpitar de coração que parti para a noite, com a indicação do GPS como guia. Correu bem, de novo. Ainda teve uns ameaços, umas dificuldades em encontrar o local certo. Depois, a recepção estava fechada. Mas logo apareceu uma menina super simpática (caramba, afinal estava na Colômbia!) e ficou tudo resolvido. Estava pronto para a passagem de ano mais tristonha – ou deverei dizer, mais indiferente – de que há memória. A meia-noite já tinha sido ultrapassada há umas horas em Portugal mas ali faltavam uns minutos. Não se passou nada. De onde estava, a noite seguiu, impávida, indiferente à contagem humana do tempo. O calor estava ali, a quente noite colombiana, tropical. O frio europeu era uma memória que iria ficar para trás.