Dia 12 de Janeiro, Domingo
Hoje é Domingo e não é por acaso. Desde muito cedo, quando comecei a planear esta viagem, sabia que teria que estar em Bogotá no fim-de-semana. Ficaram-me as memórias do ambiente extraordinário que reina sobre a cidade nestes dias, quando dezenas de milhares de pessoas saem para a rua para celebrar os dias de descanso.
As principais vias de Bogotá são encerradas ao trânsito e é possível caminhar desde a Candelaria até ao aeroporto pelo asfalto das grandes avenidas da cidade. Os habitantes de Bogotá usufruem dos espaços com intensidade. Especialmente de bicicleta, mas também a pé, de patins.
Há mercadinhos e artistas de rua, o comércio está todo aberto e é uma festa. Foi com isto em mente que articulei o plano dos dias anteriores para poder chegar a tempo da ocasião.
E foi assim cheio de vontade que saí para a rua neste Domingo de manhã. O hostel é bem localizado, e basta descer a rua até ao fim para estar na praça principal de Bogotá. Logo nessa descida se vêem artistas a encher de beleza o pavimento alcatroado com pedaços de giz colorido. Logo ali compro um copinho de salada de fruta. Está igual à delícia que povoava a minha memória.
A Praça Bolivar é que ainda está um bocado mortinha. Poucas pessoas andam por ali aquela hora matinal. Tudo bem, passeamos pela área envolvente. Reparo que o posto de turismo está encerrado. Mais tarde trataremos de tentar recolher o mapa da cidade, que desta vez não existe.
Pela Carrera 8, uma das ruas mais animadas da capital colombiana, já se vai sentindo o movimento. Os primeiros vendedores ambulantes instalam os seus negócios e surgem os artistas de rua. Há um karaoke impressionante de Carlos Gardel. Mas preciso de dizer que em comparação ao que vi em 2016 o cenário das artes de rua está bem mais pobre.
Vamos andando em direcção à Torre Colpátria, no top da qual existe um miradouro a que os visitantes têm acesso ao fim-de-semana por um preço simbólico.
Desde o momento em que entrámos na rua até chegarmos à Torre, a densidade da multidão acentuou-se claramente. Agora, é um milagre como não há ciclistas a caírem por todo o lado e como conseguem manter-se sobre duas rodas. É uma loucura!
Na Torre, tudo normal, melhor ainda do que há quatro anos. À hora determinada os seguranças do banco abrem a porta e as pessoas que entretanto chegaram e formaram ordeiramente uma linha vão entrando. Tudo muito organizado. Primeiro paga-se o bilhete a uma funcionária e depois procede-se para o elevador onde uma menina da segurança se encontra para levar os visitantes até ao andar final. Depois é preciso subir dois lances de escadas e entra-se no terraço, que abraça o topo do prédio. Acima, apenas uma plataforma para aterragem de helicópteros.
A vista dali é fabulosa. Podendo-se caminhar em redor do topo do edifício pode-se obter uma vista de 360 graus da cidade. Infelizmente adicionaram elementos de segurança que cortam um pouco a experiência, que estava melhor em 2016, mas mesmo assim é extraordinário. E o valor a pagar é ridículo comparado com o que usualmente é pedido para aceder a miradouros deste género.
De lá de cima vimos o cemitério principal da cidade e depois de avaliar o acesso e a segurança decidimos caminhar até lá. Para se chegar à porta do cemitério seguia-se por uma das avenidas onde um sem fim de pessoas passeava. Impossível ser inseguro.
O cemitério é grande mas não posso dizer que seja encantador. Não existem campas antigas, não há aquela sensação de que se está a visitar arte e história. Há algumas pessoas que visitam a memória dos seus entes queridos.
Já estamos a chegar à hora de almoço. Regressamos calmamente pelo mesmo caminho. O Domingo está no auge. É abrir muito os olhos e ver tudo o que se passa por ali.
Um conjunto de arbustos enormes foi retalhado para deixar ler claramente a palavra BOGOTA e um par de namorados tira ali fotos. Há muita tentação nos vendedores ambulantes: saladas de fruta, churros, doces e pitéus de todos os tipos.
Homens jogam xadrez. Alguns de forma recatada enquanto outros reúnem uma pequena multidão de espectadores em seu redor. Voltamos à Candelaria. Esse bairro admirável de Bogotá, outrora de tão má fama, hoje perfeitamente “domesticado”, pelo menos durante o dia e serão.
Os murais são espectaculares e há visitas guiadas temáticas que exploram todos os aspectos desta forma de arte urbana. Mas para quem prefere andar sozinho é perfeitamente possível avistar alguns exemplares fantásticos.
O Chorro de Quevedo, uma pequena praceta muito popular entre os jovens universitários, estava cheia. É assim todos os fins-de-semana, a qualquer hora. Um rapaz fala para uma audiência cerrada. Não sei se conta anedotas ou histórias.
A fome vai chegando e vamos a um café muito simpático que me tinha ficado na memória, ali logo abaixo, na rua mais agitada e cheia de gente da Candelaria, a Carrera 1A. Está igual. O mesmo ambiente tranquilo, a mesma qualidade de produtos. Na montra há uma série de doces tradicionais que me piscam o olho. Com aqueles preços dá para experimentar tudo, com sumos naturais a acompanhar.
O estabelecimento chama-se Casa Galeria e só tem um problema: abre tarde e fecha cedo. No interior há um pátio e de lá acede-se a uma sala que penso ser usada para exposições mas que não se encontrava acessível. Nos dias em Bogotá tentei regressar mas havia um desacerto de horas e a oportunidade não se repetiu.
O céu estava carregado, ameaçando chuva. A previsão meteorológica para Bogotá era má, com muita precipitação mas na realidade as coisas correram muito melhor, com apenas uns poucos aguaceiros de curta duração nos dias que lá estivemos.
Bogotá decepcionou-me. É o problema de regressar a lugares onde fomos muito felizes. Raramente as expectativas do reencontro coincidem com a realidade. Neste caso, demasiado turismo. E não falo apenas de viajantes ocidentais mas também de colombianos. A Candelaria era um bairro castiço, genuíno, com vida verdadeiramente locais, comércio tradicional, tascas e restaurantes comuns e baratos. Aburguesou-se. Tornou-se uma espécie de Bairro Alto de Lisboa nos seus melhores tempos. Muita gente de toda a cidade acorre (e nem há assim muitos estudantes, que estão de férias). Restaurantes caros para turistas por todo o lado. Perdeu carácter e perdeu-me a mim como amante. Não voltarei a Bogotá, que para mim é sinónimo de Candelaria a não ser de passagem.
Estava a ser um longo dia e o cansaço já se fazia sentir. Hora de recolher ao hostel para descansar um pouco. Mais tarde voltaria a sair mas estava frio, o céu continuava cinzento e as ruas não estavam convidativas.
Não conheço Bogotá, mas é um maravilhoso retrato que aqui está exposto. A Colômbia anda nas minhas prioridades há alguns anos, mas o vento acaba sempre a puxar-me para outras paragens..
Miguel, e se quiseres ver o melhor, passa pelo meu diário da primeira viagem. Digo o melhor porque gostei mais da cidade na primeira passagem. Colômbia é um dos países top 5 a nível mundial nas minhas preferências. Tem tudo: simpatia, pessoas com que posso conversar, paisagens loucas, história, natureza, preços baixos, poucos turistas fora dos spots óbvios.