Dia 4 de Março de 2020, Terça-feira
Seguindo as indicações do Álvaro, saí cedo para apanhar o autocarro para Trinidad de Paraná, uma localidade a poucas dezenas de quilómetros de Encarnación. Foi simples encontrar transporte e num instante estava a caminho. O percurso demora pouco tempo, deixando a área urbana da cidade e tomando uma estrada plana.
Foram apenas alguns quilómetros mas de novo me enchi de bem estar ao olhar pela janela aquele Paraguai de que tanto gosto.
Saio na paragem de Trinidad e logo me oriento na direcção das ruínas Jesuítas. Lá em cima o céu está esplendoroso, de um azul profundo, como quase todos os dias que passei no Paraguai.
Calor, muito calor. Mas não me queixo. Sabe bem. Ainda levo na pele o frio boliviano, a humidade dos Andes. E a altitude, essa malfadada senhora, que me levou a saúde enquanto a tive por perto.
Agora tudo é diferente. Caminho, fisicamente muito bem, sinto-me Apolo e Adónis sultão entre os sultões sem rainha nem mulher, como cantava Pedro Abrunhosa.
E de tão animado sigo que me engano na estrada. Paro para pedir indicações na mercearia local e logo a amável senhora sai da loja para me apontar o caminho a tomar.
Já estou perto. Chego à entrada do complexo que abriga as ruínas. Ninguém na bilheteira. Vejo as meninas do lado de fora, bato no vidro. Toc-toc. Mandam um pulo, riem-se desalmadamente e a que vende os ingressos vem para dentro, balbuciando uma desculpa pela distracção.
Compro o bilhete e entro. O recinto está deserto. Tenho as ruínas todas para mim e vai-se passar um bom bocado antes que entre outro visitante.
Tenho que reconhecer que tal como esperava – pelas fotos que tinha visto – o local não me impressiona. Está muito arranjado, arrancaram-lhe o carácter, despiram-no de personalidade.
Ando por ali, tiro umas fotos, verdadeiramente despachado mas gastando mais um bocado para não parecer mal uma visita tão rápida. Estranho país este, que tem aqui o seu único local classificado pela UNESCO como Património Mundial da Humanidade. É por esta e por outras que ninguém vem ao Paraguai. Ainda bem. Para mim, e se calhar para o país.
Quando vou a sair vem a chegar um casal que vai entrando sem comprar bilhete, até lhe ser indicado o local para tratar do assunto.
Tomo o pequeno-almoço na residencial onde considerei (mesmo muito) ficar, mesmo ao lado do acesso das ruínas. Soube-me muito bem. Teria ficado bem entregue se aqui tivesse ficado, mas também estou bem lá no hostel da cidade. Depois de comer deixo-me estar um pouco a ler. Tenho o dia por minha conta, sem programa nem conteúdo previsto. Uma carrinha com ar de ter mais de meio século pára à porta, vem deixar fruta. Um gato preto deita-se sobre a minha mesa.
Vou regressando. Bem disposto, como à chegada. Chego à estrada, atravesso-a, e espero por um autocarro que siga para Encarnación. Por ali estão outras pessoas. Dois homens que ou vêm do trabalho ou para lá vão. Uma jovem mãe que leva a filha a alguma parte. E o transporte tarda. Acaba por aparecer. Inevitável.
De regresso à cidade. Ao meio-dia e meio estou no terminal. Vou até ao hostel recarregar baterias, compro mais umas bebidas geladas, digo à menina voluntária que sim, que fico mais uma noite, mas que a música em alto volume tem que acabar que não estou para levar com aquilo. E assim fica combinado.
Descanso até meio da tarde. Toda a gente dorme. É uma cena de siesta típica. O Álvaro está esticado no sofá da recepção. Ela dorme no beliche, que calha a ser no mesmo dormitório onde estou.
Volto à praia, volto ao Burger King para mais uma refeição. Descubro o museu que se encontra onde estava a antiga estação ferroviária, muito bem recriada ali mesmo, onde no passado os comboios levavam as cargas do silo histórico.
Ando por ali um bocado mas na realidade não há nada para fazer. Volto para o hostel. Chegam duas moças holandesas, arrogantes como boas holandesas que eram. E um viajante francês, simpático. Partilhamos a mesa onde o cubano coloca as pizzas que encomendámos. Uma refeição mais ou menos agradável, que seria perfeita não calhasse a companhia a ser holandesa.
O pôr-de-sol é magnífico. Como até não poder mais. Fico sozinho ali, a relaxar, e o Álvaro vem-se sentar ao pé de mim. Não me apetece conversar, mas a ele sim, e então falamos. É o seu último dia. Agora vai viajar. É um jovem aventuroso, com personalidade, um tipo interessante e cheio de projectos. Gostei dele.
Aconselha-me a apanhar o autocarro para a Argentina, quando eu estava a planear apanhar o comboio. Tentarei fazer como ele diz, mas na manhã seguinte as coisas não vão correr nesse sentido. Agora tenho que dormir, que no dia seguinte deixarei o Paraguai e voltarei à Argentina.