E ao quinto dia as coisas começaram francamente a animar. Na realidade, toda esta curta viagem pela Suiça e pelo Liechtenstein evoluiu num crescente quase constante, com cada dia a ser melhor do que o anterior.

O Pascal saiu para o trabalho. Antes, debatemos detalhadamente as minhas opções. Lá fora o dia não está grande coisa. É esperada alguma chuva. A minha ideia é ir para a montanha e todos sabemos que a montanha é um local manhoso com alterações climatéricas súbidas, e não é só nos filmes.

O que eu queria mesmo era chegar à pousada Ascher, sobre a qual tinha escrito um breve artigo aqui no blog já há alguns anos. Mas isso implicava subir um bom bocado, entrar na montanha a sério. Arriscado. Talvez não de forma literal, mas corria o risco de passar um dia a levar chuva e frio e não ver um palmo à frente do nariz.

O Pascal aconselhou-me uma solução intermédia: visitar o pequeno lago chamado Seealpsee. Aliás, ainda eu estava em Portugal e a conversar com ele através do Whatsapp e já ele me tinha falado deste local.

Uma rua de St Gallen

Para ser honesto, quando ele fechou saiu para trabalhar e fechou a porta considerei a hipótese de simplesmente ficar em casa sem fazer nada. Depois entrei num daqueles ciclos de indecisão de que passei a padecer com a idade e que tanto me irritam. Vou não vou. Posso ir só até Appenzell, a pequena cidade mais próxima, e decidir uma vez lá. Afinal trata-se de um local pitoresco, com casas características, muito coloridas. Vou ou não vou? Os comboios são caros. Andar para trás e para a frente a pagar valores a que não estou habituado não me agrada. Vou ou não vou?

Fui. Os quase 2 km até à estação. Diz cinzento, o habitual. Bilhetes comprados pelo caminho. Neste caso pude comprar um bilhete de dia inteiro para as zonas de transportes públicos que poderei precisar de usar. Assim fico com a liberdade no espaço e no tempo.

O comboio para Appenzell é diferente. É um comboio de montanha. Parece um elétrico de cidade só que em tamanho grande. E até sai de uma plataforma fora da estação de comboios. Aliás, tive que ir às informações perguntar onde diabo era aquela plataforma que não encontrava em lado nenhum.

Lá fui. Os outros passageiros são quase todos idosos. O que me leva a pensar que a população nesta área se encontra algo envelhecida. Talvez seja por a manhã ir a meio. Mas mesmo assim….

Percurso encantador, sempre a subir, e a paisagem a ganhar toques alpinos. As estações e o que as envolve tornam-se cada vez mais rurais.

Não demoro muito a chegar a Appenzel, sede de um dos cantões mais pequenos da Suíça que ainda por cima se divide em dois, o Appenzel interior e o Appenzel exterior.

Trilho até Seealpsee

Se quero seguir para o meu destino final não tenho muito tempo. 25 ou 30 min para o comboio que se segue, com destino a Wasserauen, o apeadeiro que serve o teleférico que sobe até Ebenalp. Seria uma solução para visitar a tal pousada, mas o preço é proibitivo. Ou se calhar sou eu que sou irremediavelmente forreta.

Bem, vamos lá ver então Appenzell. Frio alpino, no bom sentido. Um ar fresco e limpo. O centro histórico é mesmo ali, perto da estação. Em passo acelerado percorro um par de ruas, claramente as vias principais. Dá para ter uma ideia. Extremamente turístico. Cada porta é um negócio para turistas. Recordações, restaurantes, venda de passeios. Ao virar de uma esquina quase choco com um par de asiáticos, a guarda avançada de um grupo que os segue.

Não vou gastar aqui muito tempo. Uma vista de olhos à igreja, ao cemitério que se encontra junto a ela. Volto por outra rua. Está claro que quero apanhar o tal comboio, até porque o céu começa a mostrar algum azul. Entretive-me demasiado tempo e agora é altura de andar mesmo muito depressa.

Floresta alpina

Bom timing. O comboio está na plataforma, entro e pouco depois arranca. O que se segue é ainda mais Alpes e ainda mais ruralidade. Sem outros turistas, nem viajantes locais. Só gentes que habitam por ali.

A “estação” de Wasserauen é uma mera plataforma com alguns edifícios de apoio em seu redor. Tudo parece encerrado. Não se vê ninguém. O céu está de novo mais fechado. Mas prossigo com o plano.

Começo a caminhar, cheio de gosto. Parece-me bem. O tempo aguenta-se sem chuva, respira-se o ar sadio da montanha, sinto-me fisicamente bem. E o passeio até ao lago é curto, uns 5 km. Só estou intrigado com uma coisa: o Google Maps diz-me que vou demorar quase duas horas. Não é normal, não para 5 km. Logo perceberia porquê!

A caminho do Seealpsee

Ao contrário do que pensava – uma conclusão baseada na lógica geográfica que diz que um riacho e um lago se encontram geralmente a uma cota uniforme e relativamente baixa, em suma, um vale – o caminho foi sempre a subir, extenuante… mas lindo.

Vou rodeado de montanhas nevadas. E comigo caminha o riacho, apesar de se dirigir na direcção oposta. Partiu certamente do meu destino do Seealpsee.

Cruzo-me com alguns caminhantes e sou ultrapassado por outros. Toda a gente me fala. Excepto o par de americanos, claro.

Mesmo antes de chegar ao lago o caminho passa sob rochas, que pingam água sobre quem ali se atreva a passar. A vista, essa, sempre excelente. Mas quando chego, quando faço aquela última curva e vejo a paisagem, aí sim, deu para pensar que tinha chegado ao paraíso.

Paraíso

Lá em cima, no céu, as nuvens partilham agora o espaço com um generoso bocado de azul. A luz ideal. Os reflexos na superfície do lago são bem delineados. Há umas quantas casas de hóspedes que parecem estar encerradas para a época baixa. E outras, talvez particulares. Mas todas elas bem fechadinhas. É um lugar sem vida nesta altura. Sem vida é uma forma de dizer. Mesmo humanos se encontram alguns, passeando. Poucos, mas alguns.

Caminho em redor do lago, disparando a câmara fotográfica como se não houvesse amanhã. Que sorte, que sorte ter decidido vir e que sorte com o tempo e com tudo. É mesmo fabuloso.

Do lado oposto encontram-se mais casas. E, pelo que vejo no mapa, ainda mais longe existem, pelo menos no verão, mais um par de restaurantes.

Seealpsee

Já a concluir a volta faço uma pausa para piquenique. Deliciosas sandes que fiz em casa. Fome não passarei. Um xixi na floresta, olhando bem para todos os lados que na Suíça não brincam com estas coisas. E agora é hora de iniciar o caminho de regresso, muito satisfeito e em boa hora, já que o tempo está a mudar outra vez.

Sempre a rolar, para baixo todos os santos ajudam. E chego ao apeadeiro em boa hora para apanhar o comboio. Mudança em Appenzell, pacífica, sem grande tempo de espera. E a caminho de St Gallen. Nisto o Pascal manda-me uma mensagem, sugerindo que saia uma estação antes e caminhe cerca de 2 km até as chamados Três Lagos, uma zona de lazer na periferia da cidade, com boas vistas e… três pequenos lagos artificiais.

É por estas que se diz que a montanha não é de fiar… até mete medo

Assim fiz. Infelizmente ele mandou-me indicações erradas e perdi o melhor do passeio, o trilho que segue no cume da colina. Cheguei aos Três Lagos mas por uma estrada banal. Mesmo assim valeu a pena, até porque por aqui o tempo evoluiu ao contrário, abriu ainda mais e a tarde transformou-se numa beleza de sol radiante.

Sento-me um pouco num banco, esperando pare agarrar uma geocache que até consigo ver do meu assento. Mas mesmo ali há uma situação que não entendi, com um gato. uma mulher agarra tensamente um gato pelo cachaço, deita-se em cima dele. Tranquila mas nervosa. Será que ele fugiu de casa e foi encontrado aqui? As pessoas olham, trocam palavras com ela, palavras em alemão, que não entendo. Ela dá indicações crispadas a um senhor, que aparece passado um bocado com um cesto de transporte de gatos. E lá para dentro ele vai, e embora. Agora posso tratar do meu assunto.

Desco para a cidade mas gostei bastante desta incursão surpresa a um local que tinha referenciado mas que já não pensava visitar.

Os Três Lagos

Neste dia sinto-me o super-homem. Depois de quase dez quilómetros fisicamente exigentes, com subidas acentuadas, meti-me neste passeio adicional e não satisfeito ainda fui para baixo, para o centro, a pé, explorando as ruas do núcleo histórico e acabando por seguir para casa adicionando mais um par de quilómetros. Foi um dia em grande e na sua fase final pude ver St Gallen com outra luz, bem mais agradável.

Ao serão houve tempo para conversar bastante com o Pascal, entre sandes e cervejas. O assunto, claro, foram as viagens.

A famosa abadia de St Gallen com uma luz mais bonita

 

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