Acordámos muito cedo. Queria ver Vera Cruz sem carros, sem muitas pessoas nas ruas. Havia um bairro que especialmente me interessava, uma área da cidade onde há centenas de anos viviam os africanos, os escravos.

As avenidas estavam de facto silenciosas. Uma ou outra pessoa a dirigir-se para o trabalho. Em frente ao quartel de bombeiros, a formatura. Com cerimónia de hastear da bandeira e música e tudo.

Encontrámos La Huaca. Não resta muito do tradicional. Uma ou duas ruas mais pitorescas, mas não se deve esperar muito do bairro.

O dia estava agradável. Agora era tempo de apanhar um Uber para visitar o forte de San Juan de Ulua. Apesar de ser fisicamente próximo do centro histórico, há que dar uma ampla volta de carro para lá chegar. Estava a ver que nunca mais chegávamos.

A manhã ainda está no princípio mas o calor já aperta. Saímos do carro mas parece estar tudo fechado. Peço ao condutor para esperar um pouco. Um militar da marinha que está de serviço ao portão diz que sim, que vai abrir, para irmos ali para o fundo. Sendo assim mando o Uber seguir. Não sei bem como vou voltar à cidade, mas OK.

Dizem-me que a abertura está para breve. Sem mais detalhes. Toda a visita ao forte se manteve envolvida numa névoa de “talvez mas não sei como e quando”. Parece que viemos demasiado cedo. Era a informação disponível, mas estava errada.

Passado um bocado chega um táxi com um casal. Trocamos umas palavras e depois a conversa anima e estivemos na realidade uma hora a falar. Mexicanos, de Monterey, médicos reformados, viajados, cultos.

Foram chegando outras pessoas, e os nossos amigos foram mandando-nos para a fila. Parece que há um limite para o número de visitantes a cada hora, por isso não convém que haja ultrapassagens.

Por fim chamam-nos, mandam-nos formar uma fila alinhada e toca a marchar, para dentro da zona militar da marinha, em frente até um segundo portão, o de acesso à fortaleza. Nem vou descrever a confusão de informação e desinformação, de todos a tentar perceber como funcionava a visita, quanto havia que pagar… mas entrámos. Com tempo limitado para visitar, um tempo que não foi pouco, foi na realidade adequado.

O forte sim, vale a pena visitar. Grande, espectacular, a transpirar história. Não se pode ir a todo o lado, aparentemente devido à pandemia. Mas o que está aberto aos visitantes chega para satisfazer o desejo de ver.

Apesar de termos entrado com um grupo, o espaço permitiu a dispersão conveniente para que não andássemos a esbarrar uns nos outros.

Terminou a visita. E agora, para regressar? A Uber nem aceita chamadas para o local, considera-o exterior à cidade e dá o serviço como indisponível. Um táxi diz-nos que está à espera dos seus clientes. Está um homem também à espera. Perguntamos-lhe se quando chegar um transporte nos deixará ir com ele partilhando a despesa. É simpático, diz que sim. Esperamos então.

E nisto aparecem os nossos amigos que terminam também a visita. E são os clientes do táxi. Maravilha. Já temos boleia. Num instante estamos no hotel para recolher as mochilas e chamamos outro Uber para a estação de autocarros.

A caminho, um par de horas de viagem, por uma paisagem monótona, como quase todas destes longos percursos no México. Chegamos a Tlatocalpan depois do almoço e fico logo fascinado.

Este autocarro para onde lhe dissermos para parar e, seguindo a nossa localização no Google Maps, dou o sinal num ponto que me parece ponto do hotelzinho reservado.

Andar um pouco, fazer o checkin. Nada a assinalar. Um quarto banal com condições banais numa casa banal. Descobrimos que este é um dia extraordinário. O governador do Estado de Santa Cruz veio a Tlatocalpan fazer um comício. Isso explica a presença policial e a actividade frenética que vi ao entrar na localidade. Mas agora acabou, o comício já foi. Amanhã estará tudo sossegado.

Passear em Tlatocalpan. Fascinante. Um dos meus três locais favoritos no México. Os outros foram a Cidade do México e Guanajuato.

Tlatocalpan é diferente. Remete-me para o imaginário das pequenas cidades rurais do Brasil. Junto à água de um rio largo, com ruas ladeadas de construções históricas, muito coloridas. Imutável, sem edifícios modernos.

Adorei esta povoação. Andámos por ali, rua após rua, descobrindo casas, pequenas lojas, praçetas e igrejas. Depois, a praça central, vazia aquelas horas quentes do dia, com o templo principal. Mais à frente, cafés locais, cheios, com o que sobrou da multidão do comício, pessoas que comeram e beberam pela tarde dentro.

Fomos à beira-água, onde existem outros restaurantes e recantos para simplesmente se estar sentado a conversar com o silêncio.

Muitas vezes visitei locais classificados como Património Mundial da Humanidade pela UNESCO e pensei que não tinham nada que lhes fizesse merecer tal estatuto. Não é o caso de Tlatocalpan. Merece de todo a classificação que recebeu em 1998.

Metemos o nariz no mercado. E por esta altura o final da tarde mostrava os primeiros tons de laranja que anunciavam o pôr-de-sol.

As esplanadas continuavam bem compostas. Escolhemos uma delas, mais sossegada, para um lanche-ajantarado que correu bem. Saboroso, barato e tranquilo.

Mais um passeio. E o magnífico pôr-de-sol, que surpreendeu, avistado de repente, ao virar de uma esquina.

Depois do espectáculo continuámos a andar, vendo agora uma Tlatocalpan diferente, iluminada, nocturna e não menos colorida. Estava encantado mas sentia ser hora de descansar.

A noite parecia ir correr bem. Até à uma da manhã, quando acordei com uma barulheira incrível. Penso que o hotel estava cheio de pessoas da comitiva do Governador, que terminado o serão do jantar e subsequente bebida, tinham transferido a festa para o pátio. A uns 3 metros de mim. Umas 15 pessoas a beber, falar, rir, cantar. Até às 5 horas. Uma noite para esquecer, um filme que meteu telefonemas para o hotel, que eram atendidas pelo recepcionista que estava na festa que continuava. Enfim.

 

 

 

 

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