E mais um dia na Cidade do México. Não me arrependi da quantidade de dias que reservei para explorar a cidade. Foi óptimo! Com todo o tempo do mundo, num alojamento espaçoso e sossegado, muito tempo para descansar e para ver tudo o que mais queria ver por aqui.
A primeira actividade programada para este dia era visitar a casa onde tinha vivido e morrido Leon Trotsky, esse dissidente soviético que virou as costas a Estaline e que acabou por ser assassinado aqui, na Cidade do México, depois de uma primeira tentativa fracassada.
Hoje em dia existe no local um museu, com uma pequena exposição dedicada à vida de Trotsky, que antecede a entrada da antiga residência do russo. É o tipo de locais que me agradam visitar e a visita não decepcionou.
Lembro-me de ser ainda menino e de estar curioso com a história de Trotsky. Havia um cromo, numa das minhas muitas colecções, que mostrava o homem a ser morto pelo seu agressor. O meu pai estava ali perto, o meu enciclopédico pai, que logo saciou esta natural curiosidade. Foi um momento que ficou gravado na minha memória e que complementou o interesse nesta visita. Quem diria, naquele dia no início dos anos.
A exposição está bem conseguida. No início fiquei algo decepcionado. Esperava ver o espaço onde Trotsky tinha vivido e afinal fui encontrar um espaço moderno com uma colecção de objectos e textos. Pensei que seria aquilo, como a casa de Carlos Gardel em Buenos Aires, uma recuperação total de algo que já tinha deixado de existir.
Mas não. Estava ali tudo, a sua casa, intocada, intacta, como se o tempo não tivesse existido, como se o assassinato tivesse ocorrido na véspera. Ainda lá estão as marcas da bala da tentativa que não resultou. A história, muito bem contada, com organizados textos que explicam os espaços. E uma cafetaria muito agradável onde bebi um delicioso e gelado refrigentante de goyaba.
Aprendi, fascinei-me, gostei. Uma boa abertura para o dia.
Dali seguimos a pé em direcção à casa de Frida Kahlo. Como esperava, como tinha sido avisado, visitá-la é missão quase impossível. É uma pequena residência e mesmo assim trata-se de um dos lugares mais procurados pelos turistas que passam pela Cidade do México. Há filas, é preciso fazer marcação… eu sei lá, o bulício em seu redor era tanto que passámos ao largo.
Valeu pelo feliz encontro com a gelataria mais curiosa que já encontrei, um carro colorido onde os gelados se encontram prontos a ser servidos na bagageira.
Continuámos a caminhar. O dia estava magnífico, como todos os passados na Cidade do México. Bem para trás tinham ficado as chuvadas e a luz triste de uma das semanas da viagem.
Chegámos a Coyoacán. Este bairro da cidade foi outrora uma povoação independente e mantém essa estrutura autónoma, com o seu zócalo, a igreja, magnífica, e um centro cheio de vida. Aqui há muitos dos mais tentadores alojamentos para quem visita a Cidade do México. À distância estive mesmo tentado a reservar em Coyoacán. Ainda bem que não o fiz. Demasiado distante e sem o charme que lhe atribuem.
Li descrições que falavam de uma comunidade de artistas que orbitavam por Coyoacán, residências de arquitectura atraente, jardins e um grande ambiente. OK, não é mau, mas não lhe reconheci as qualidades por tantos anunciados. Caiu bem no programa da manhã, como um ponto de passagem onde entrei na igreja para espreitar, onde comprámos uns bolos e uma bebida para matar a fome, sentados num banco de jardim, antes de chamar um Uber para nos levar à paragem seguinte.
O campus da Universidade Nacional Autónoma do México é Património Mundial da Humanidade da UNESCO, o que é extraordinário. Pessoalmente acho a sua classificação um exagero, como de resto tantas vezes acontece nesta lista, onde muitas das escolhas têm razões mais ou menos obscuras. Mas de qualquer forma é um campus que é um mimo, remete-nos para uma era específica da arquitectura, faz-me pensar na Brasilia de Óscar Niemeyer, leva-me a memórias de infância, de quando Lisboa era uma cidade limpa, imaculada de uma forma geral, e às linhas da arquitectura de Estado Novo que se tocam com as correntes reinantes no início da segunda metade do século XX e que aqui estão presentes, neste campus.
Tinha algum receio de que o campus estivesse deserto. Oficialmente, consultando a informação disponível na Internet, a UNAM estava temporariamente encerrada (paranóia COVID). Mas estava engraçado, com alguns estudantes andando por lá, uns sentados, outros a fazer desporto.
Fiquei fascinado. Fotografei muito, boa parte do tempo a preto e branco. Acho que é um tema e uma atmosfera adequada a essa fotografia em vias de extinção. Suponho que um dia, em breve, a fotografia a preto e branco será encarada como um absurdo, mas ainda sou dado a estas coisas.
Andei por ali, fui até aos edifícios seguintes. Creio que a jóia da coroa do campus é a biblioteca, mas todo o espaço é interessante.
Connhecemos um tipo que levava ali o cão para correr e brincar, estivemos um bocado à conversa. Estava bem, não queria que aquele momento terminasse, mas há sempre aquela altura em que sentimos que está na hora de partir.
Ainda fomos até ao estádio olímpico, cenário de tantos eventos. Fica mesmo ali ao lado, mas estava encerrado, não nos pudemos nem aproximar pois o perímetro é bastante amplo.
De volta ao campus, que atravessamos, saindo pelo lado oposto. Pergunto a uns jovens a direcção do metro. E lá fomos, até o encontrar. Foi um fechar do dia bastante bom, esta visita à UNAM.
Ao serão voltámos à pizzaria, mas nada foi tão bom. O rapaz que atendia era outro, menos eficiente e menos simpático. E a própria comida parecia menos boa. Mesmo assim foi positivo.