Foi uma partida feliz de Queretaro. Um pequeno-almoço servido no quarto, com carinho e amor, muito bem arranjadinho. Depois, queimar algum tempo lendo um bocado no agradável terraço do hotel. No checkout conhecemos a simpática proprietária do hotel com quem conversámos longamente, sobre as nossas impressões da cidade, do México e sobre coisas de viagem. Ela tinha estado em Portugal recentemente, partilhou memórias, deu dicas sobre o nosso próximo destino.

O transporte para a estação de autocarros foi um pouco stressante. Eles chamaram um táxi, que se atrasava, e o relógio que não parava, e o o autocarro que não esperaria. Mas tudo se resolveu.

Até Guanajuato a viagem foi como quase todas as outras no México: aborrecida, monótona e ligeiramente desconfortável. Uma boa parte do percurso faz-se através de auto-estrada e assim que saímos da última portagem já estávamos às portas de Guanajuato.

E é ali mesmo que se encontra a estação de autocarros da cidade, bem fora, a quase 10 km do centro. Olhar em redor. Há táxis, mas também parece haver autocarros para a cidade. Chega um, confirma-se o destino e a bordo. Simples, económico.

Em pouco tempo estamos a caminho. Primeiro, um percurso pelos subúrbios, depois entra-se num túnel, num dos muitos túneis de Guanajuato. E de repente estamos no centro e é amor à primeira vista. O que vejo pela janela desperta-me o apetite.

Vou seguindo a distância ao alojamento reservado no Google Maps e saltamos do autocarro numa paragem que não está longe. Foi em cheio. O acesso é mesmo em frente à paragem. A partir dali é uma subida. Tinha medo desta ascensão. Na internet abundam os relatos de acessos difíceis, nesta cidade mineira que trepa pelas colinas que envolvem o vale onde se encontra o centro histórico.

Mas a nossa subida, apesar de relativamente longa, não é excessiva. E é um percurso adorável, por um bairro muito local e castiço.

À chegada, pergunto pelo meu alojamento na recepção de um aparthotel de aspecto decrépito, seguindo as instruções do proprietário do meu alojamento. Pouco depois ele aparece. Aquilo é uma situação pouco ortodoxa, e o que eu penso que se passe ali é que o pai do jovem que nos recebe é o proprietário do complexo e a ele foi-lhe dado um apartamento para explorar independentemente.

Bem, lá vamos, escadas acima, e mais escadas, e recantos e novas subidas. O aparthotel tem uma personalidade labiríntica, o que lhe confere uma atmosfera interessante.

Vista do apartamento

Por fim chegamos. O apartamento é algo decepcionante, mas o seu ponto forte, a vista, está lá toda. Pergunto pela máquina de lavar roupa, anunciada. Bem, está lá, mas aparentemente não funciona. Esta descontração exagerada será a norma na minha relação com o proprietário nos dias que se seguem. Mas para já, há que admirar a vista. Dali vê-se toda a cidade. E que bonito quadro é!

O vale, onde está o núcleo histórico, encontra-se aos nossos pés. E do outro lado, o monumento a Pipila, o mineiro heróis que parece ter aberto a porta – literalmente – à expulsão dos espanhóis de Guanajuato quando fez explodir o portão da fortaleza improvisada onde as tropas europeias se encontravam barricadas.

Apreciamos longamente o panorama, detendo-nos nos detalhes. Da varanda a vista é ainda mais ampla, mas mesmo da cama temos uma perspectiva desafogada. E há silêncio.


Depois de descansar e inspirar prolongadamente a vista, saímos. Fazemos o caminho em inverso, um caminho que se repetirá muitas vezes nos dias que se seguem e que nunca deixou de ser agradável.

Compro um gelado, sentamo-nos no centro do centro, no beiral do plinto do monumento que ali se encontra. A ver. E tanto que há para ver aqui. É fim-de-semana, a cidade está louca de gente que acorre. Não sendo muito longe da capital imagino que muitas pessoas vêm até aqui passar estes dias. E depois, claro, há a população local que vem ao seu passeio no centro.

Ali perto um grupo de mariachis canta para um casal de meia-idade embevecido com o romantismo do momento. O romance está mesmo no ar: por detrás deles chega um carro clássico. Lá dentro vem uma noiva. Há casório ali na igreja. Momentos únicos, sobrepostos, partilhando o tempo e o lugar.

Passeamos pelas ruas de Guanajuato. Há uma via principal, mas em seu redor o centro histórico está repleto de ruas encantadoras, praças atmosféricas, prédios históricos, cafés convidativos. E depois há os misteriosos túneis. Uma considerável parte do trânsito nesta cidade faz-se sob o solo. Uma solução que pode nos parecer estranha, pela inovação que não se espera numa pequena cidade mexicana, mas que para os habitantes com DNA de mineiro, cujos antepassados sobreviveram e prosperaram sob a terra é apenas natural.

A noite vai chegando, devagar. Apanha-nos por ali, a mirar o clássico Teatro Juarez, junto ao zócalo. Espantosamente, numa cidade fantástica como esta, o zócalo é o seu elementos mais discreto. Não fica na memória.

Há animação de rua. Um concurso de pintura com giz na calçada em frente ao teatro. De um palco montado ali ao lado sai música e discursos animados sobre não sei bem o quê.

A luz dourada enche tudo, tenho que aproveitar para fotografar, e tanto que há para capturar, toda esta luz, estas maravilhas.

Já é noite cerrada, os pés queixam-se, há aquela excitação que diz “é só mais isto, ir só mais acolá”. A última visão foi da igreja jesuíta. Depois, foi regressar, a subida a custar um pouco mais, mas não muito. Treparar todas aquelas escadas até ao apartamento. Descansar um pouco e desembocar num pequeno pesadelo, quando a vizinhança, mesmo ali em baixo, a 2 metros de distância, decide fazer uma festa pela noite dentro que durará até tempo indeterminado, talvez quatro da manhã… mas o pior era o cão, enorme, um Rotweiller, pacífico durante o dia, que, excitado com tudo aquilo, ladra sem parar.

Enquanto ele ladrou, dormir foi impossível. Quando se acalmou, por alguma razão, os bons tampões de ouvido cumpriram a sua função. Pelo meio, uma visita da polícia, a chamada do meu anfitrião. A sua chegada decretou um curto período de silêncio, quebrado após uns dez minutos.

Mas a vista, essa, continuava lá, tão espectacular de noite como de dia.

 

 

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