O pequeno-almoço é tomado na habitação, algo decepcionante, na variedade e na qualidade do pão, emborrachado. É servido por uma mulher-corvo. Tanta treta em redor, tanto modernismo, um homem tão viajado, uma casa com conceitos tão universais, mas no fundo é isto.
Da parte da manhã exploro mais em profundidade as ruas da antiga Shakra. Aqui e acolá encontro traços da renovação de casas de lama. Pessoas serão algo mais raro, mas os materiais encontram-se espalhados, por vezes as ferramentas.
Regresso ao quarto, descanso. Ainda o rescaldo da última gripe que de vez em quando me faz sentir exausto apesar dos esforços serem reduzidos. Seja como for tenho tempo. O único plano para este dia é meter-me no carro e conduzir até Ushaiquer, uns meros vinte e poucos quilómetros para noroeste.
Tomo a minha provisão diária de tâmaras. Energia deliciosa. Será o almoço.
Saio de Shakra calculando o tempo para que possa caminhar um pouco e explorar Ushaiquer e apanhar por lá a golden hour, designação do universo da fotografia para o período que antecede o pôr-do-sol, quando a luz se encontra ao seu melhor.
É fácil conduzir por aqui. Num instante chego a Ushaiquer, mas não entendo bem como chegar à parte antiga. Claramente falhei a entrada, terei que fazer uma inversão de marcha numa rotunda vários quilómetros à frente.
De volta, meto-me por um estradão de terra batida. Algo me diz que não será por aqui, mas não tenho dúvidas que estou mesmo ao lado do centro histórico. Vejo muralhas.
Bem, tenho muito tempo. Deixo o carro sozinho junto a umas casas e caminho por uma vereda. Há quintas e palmeiras e aqui e acolá muralhas antigas. O céu está completamente limpo e ainda faz algum calor.
Volto para trás e penetro no labirinto da antiga Ushaiquer. Não vejo ninguém, está tudo deserto. As ruas são quase totalmente sob os edíficios. Um expediente para manter afastado o calor. O traçado é feito de túneis, passagens, arcadas. Só de vez em quando um troço segue a céu aberto.
Gosto. Não tem o aspecto renovado de Shakra e das outras aldeias que visitei pelo caminho, mas não está em ruínas. Há mesmo casas habitadas, apesar de não se ver nem ouvir ninguém. Mas os traços são claros, há vida.
Vou andando pelo labirinto e sem dar por isso chego ao centro da antiga aldeia e lá encontro um grupo considerável de turistas. Fico surpreendido. Que seja, partilho o espaço com eles, tiro fotografias, trepo ao topo do minarete e a vista é assombrosa.
Exploro ainda a área que envolve o núcleo de Ushaiqer. Encontro algumas obras em curso, habitantes locais, recantos encantados, campos de oliveiras e palmeiras.
Acho que está na hora de começar a pensar no regresso. Foi uma expedição positiva mas o corpo pede de novo descanso. Agora o desafio é encontrar o carro. É um risco calculado, sei exactamente onde está e é apenas uma questão de o alcançar com o menor esforço.
A saída será a mais óbvia, por onde os visitantes chegam e vão. Um homem mete conversa comigo. Está sentado à porta de uma loja de recordações mas não me tenta vender nada.
Sabe bem caminhar em asfalto sólido para variar. Sobretudo quando se está cansado. Passo por uma viatura bem curiosa: pertence ao organismo do Estado herdeiro da polícia dos costumes. O nome é pomposo: General Presidency of the Promotion of Virtue and the Prevention of Vices. Brinco com a ideia de me sentar no capô, em tronco nu a fumar uma ganza e beber uma cervejinha gelada. Isso é que era!
Chego ao fim da rua, a estrada está mesmo ali à frente. Só tenho que virar à direita e está ali o meu carro, ainda mais próximo do que pensava.
Regressar calmamente a Shakra, conduzindo de forma descontraída por bom piso quase deserto.
Tenho fome, já há algum tempo que não tomo uma refeição quente. O meu anfitrião tinha-me indicado o local onde encontraria várias opções gastronómicas em Shakra e decido ir até lá.
Chego à cidade ao pôr-de-sol e tomo a direcção indicada, mas logo vejo uma bela mesquita que tenho que fotografar. A luz está mesmo dourada, excelente.
Regresso ao carro e prossigo. Shakra é muito maior do que pensava. Há movimento, mas não demasiado, está agradável. Páro a viatura próximo do local indicado e encontro um edifício moderno onde se encontram diversos restaurantes, lojas e cafés. Parece não pertencer ali. Imagino-o bem na Islândia, imaculado, de linhas rectas, muito vidro. É claramente o (ou um dos) pontos de encontro da classe alta de Shakra.
Escolho uma pizzaria, mantida por chineses. Caio na asneira de pedir uma pizza de pepperoni, a minha favorita, desde que o pepperoni seja mesmo pepperoni e não um substituto preparado com carne de vaca. Mas pronto, jantou-se.