E chegamos então aquele que deveria ser e será o dia maior desta viagem. Acordo em Al Ula, tenho a manhã para explorar por minha conta alguns locais emblemáticos da pequena cidade e depois, à tarde, está marcada a visita ao complexo monumental de Al Ula.
Para quem não conhece, Al Ula é por vezes definida como uma pequena Petra mas sem os turistas que enxameiam esse local histórico da Jordânia.
Ambos os locais foram centros importantes da civilização dos Nabateus e os impressionantes blocos de pedra talhada que todos conhecemos em Petra estão também presentes em Al Ula. Na realidade, tratam-se de mausoléus nabateus.
Mas já lá iremos. Para já há o despertar no alojamento mais xunga que já paguei acima de 10 Euros. Só que aqui estou a largar 70 Euros por noite. Algo surreal, mas seria isto, algo ainda mais caro ou nada. É assim que são as coisas no que toca ao alojamento por aqui.
Portanto abri os olhos e vi que estava ali, naquele espaço vazio com uma cama e um frigorífico estropiado. Era cedo, tem de ser cedo, antes que o calor aperte.
Preparei-me rapidamente, chamei um Uber, que consegui surpreendentemente bem. Não era isto que esperava, tinha lido relatos de grandes dificuldades para obter carro.
A primeira paragem foi no centro, se assim se pode chamar, de Al Ula. Há ali uma fan zone para os jogos do mundial, mas aquela hora estava deserta. Quem já marcava presença era o calor, o sol, que mostrava as unhas, apesar da hora matutina.
Vi o que vinha ver. Uns restos da famosa ligação ferroviária Hejaz, construída pelos Otomanos em meados do século XIX. Uma rota que ligava Damasco a Medina. Em Aula restam as ruínas da antiga estação e um par de carruagens de mercadorias bastante mal-tratadas. Infelizmente os sauditas resolveram proteger tudo aquilo com uma vedação que nem só não nos deixa sentir o local como bloqueia qualquer tentativa de fotografar.
Andei por ali um pouco e chamei outro Uber. Ou tentei. Nem havia carros activos na cidade. Mudei para a Careem, uma aplicação do mesmo género com alguma penetração na Arábia Saudita e acabei por consegui o desejado transporte. Agora ia em busca do centro de visitantes de Al Ula, já fora da cidade, depois de passar por uma série de bairros e pela velha Alu Ula, uma parte histórica que infelizmente não tive oportunidade de visitar.
Tinha visto no Google Maps que existia mesmo ao lado um Burger King e já me imaginava a comer algo quente e suculento.
Encontrei facilmente o centro de visitantes, onde um simpático e profissional jobem me deu todos os esclarecimentos que precisava. A partida para a tour – cujo bilhete adquiri online – dar-se-ia ali ao pé, indicou-me o ponto onde o autocarro pararia. Ainda faltava perto de uma hora. Perguntei-lhe pelo tal Burger King porque me parecia evidente que no local assinalado no mapa não existia literalmente nada. E assim era. Estava planeado mas ainda não existia. Perguntei onde comer qualquer coisa. Nada, não havia nada. Aconselhou-me a chamar um carro e voltar à cidade, que sim, que havia tempo.
Não estava convencido com aquilo e lá ao fundo, junto à estrada principal, parecia-me ver diversas lojas. Certamente haveria de encontrar algo para comer. E assim era. Aliás, havia restaurantes e diversos supermercados. Comprei umas laranjas, pão e já não sei que mais, e fiz um piquenique à sombra de uma oliveira.
O dia estava a correr bem. Agora era tempo de me dirigir para o local de partida da tour. Lá estava o autocarro e elementos da organização para verificar o bilhete e receber as pessoas.
Dali seguimos para um outro centro de visitantes, já junto à zona arqueológica, onde depois de uns minutos passámos para um outro autocarro onde se nos juntaram outras pessoas que tinham chegado até ali pelos seus próprios meios.
O percurso incluiria seis paragens. Uma pena que as coisas já não sejam como até ainda há pouco, quando se podia explorar tudo aquilo a solo, sem limitações. Mas as autoridades, antecipando o afluxo de turistas atraídos pela abertura do país, anteciparam-se a eventuais problemas e espartilharam o acesso.
Agora não há muitas palavras para descrever o que se seguiu. Visitámos uma série destes enormes túmulos, cada um deles apresentado pelo guia do grupo. Na realidade, para além do condutor, existiam dois elementos da organização: o guia e um responsável pela segurança e preservação dos locais. A entrada no interior dos túmulos estava expressamente proibida. Fora isso, tudo à vontade. O grupo não era demasiado grande e foi uma tarde bem passada. As fotografias falam por si.
Infelizmente não houve tempo para fazer as seis paragens, o programa foi reduzido para cinco, e a última, já com alguma pressão, até era a mais interessante.
Entretanto conheci dois sauditas que participavam na tour. Um pai e filho, o mais velho arquitecto, o mais novo a concluir o curso de arquitectura. Falámos brevemente numa das paragens, conversámos de viagens e da Arábia Saudita. O pai, na sua ida juventude, tinha feito grandes viagens ao volante, atravessando mundo e meio, passando brevemente por Lisboa.
Entretanto este era o dia em que a selecção nacional da Arábia Saudita iria defrontar o México e talvez se pudesse apurar até com um empate. O jogo começou quando entrávamos para o autocarro para começar a regressar e já eles tinham a transmissão no telemóvel. Sentei-me atrás dos dois para ver também o jogo e convidam-me para assistir com eles ao resto da partida na Fan Zone criada em Al Ula.
Chegamos ao destino, muito apressados. Só há dois bilhetes para a Fan Zone e agora somos três. O pai vai tentar obter outro ingresso, eu e o filho vamos buscar o carro, ele conduz tresloucadamente, a ânsia de não perder muito do jogo, fazemos uma rotunda ao contrário, só porque era mais próximo… “Tudo pela Arábia Saudita” diz ele.
À entrada está instalado o caos. Um mar de gente. Outras pessoas espalham-se pelos relvados que envolvem a Fan Zone, vendo os screens ao longe com um piquenique sobre a toalha.
O pai aparece. Não conseguiu ainda solucionar a coisa. Entramos nós, eu e o filho, ele volta para a batalha. E com isto a Arábia Saudita já sofreu um golo, está a perder. A primeira parte não teve muita piada. Estamos à espera do senhor que nunca mais aparece e o filho desaparece também em busca do pai e fico eu sozinho a ver o jogo.
O director do evento é uma mulher. Sem lenço, dirige tudo o que se passar por ali. Algo que provavelmente não se poderia ver no país há apenas alguns anos atrás.
Por fim juntos, vimos o jogo até ao fim. Não correu bem. A selecção dos meus amigos está fora do mundial. E agora? Pergunto-lhes se me podem deixar no meu alojamento, pois aquela hora e com tanta gente a abandonar o local ao mesmo tempo sei que vai ser impossível encontrar um Uber/Careem disponível.
Vamos agora no carro. Eles ainda não têm alojamento para esta noite. Enquanto conduz o pai vai consultandoo booking.com. “E este aqui? 400 Euros. Mas é pequeno. Talvez este, vejam lá o que acham, são 600 Euros para a noite mas vale a pena, se calhar”. E eu… “mas isso é o assunto vosso, não me perguntes”. Responde o pai “mas estava a contar contigo para nos divertirmos ao serão, pensei que vinhas connosco, teria todo o prazer”. Eu não podia aceitar uma prenda deste valor. Concordei pelo menos em jantar com eles. Já a contra-relógio porque teriam ainda mais um tour, uma visita nocturna precisamente aos locais que tinhamos visto durante a tarde.
E lá vamos. De repente dou comigo num cenário verdadeiramente das Arábias. Junto a um dos monumentos mais espectaculares de Al Ula criou-se um restaurante ao ar livre que se estende por centenas de metros. Tudo iluminado por velas, com trilhos assim assinalados e alvéolos escavados no solo onde se encontram as mesas. Dizem-me que mandaram vir o chef do Dubai.
Sem dúvida dos jantares mais loucos da minha vida. Uma história das Arábias que ficou na memória.
Levam-me então aonde estou a ficar. E partem, para mais uma aventura, pai e filho, melhores amigos.