24 de Janeiro de 2024
Com uma enorme boa disposição ao sentir-me saudável de novo, tomei o pequeno-almoço com o meu jovem amigo estranho que me preparou um delicioso batido de banana. A cada dia aqui o tamanho da refeição ia diminuindo à medida que perdia o encanto da novidade. A variedade é boa, mas todos os dias a mesma. Sem problema. Também não faz bem encher o bandulho assim. No primeiro dia, depois do pequeno-almoço só voltei a comer ao serão, bem tarde ao serão. Tamanha foi a barrigada.
Estava lá o Muhammed, o boss ou o sócio ou um gerente, não sei. Confirmei com ele o transporte para o aeroporto no dia seguinte e estava a sentir-me tão bem que decidi fazer algo diferente neste último dia em Assuão. Ficou combinado que as 9:30 iria de barco para a outra margem, desembarcando junto ao sopé da colina montanhosa onde se encontram os túmulos dos nobres e sendo recolhido – depois de o solicitar por telefone – mesmo em frente ao “hotel”, não longe do velho mosteiro abandonado que ali se encontra.
Um bocado a medo, a tomar as medidas a uma possível sensação de cansaço, calcei os ténis e fui para o ancoradouro. De caminho os meus vizinhos franceses seriam deixados na ilha onde se encontra o Jardim Botânico de Assuão, ali perto, um pouco para norte.
Um passeio agradável pelo Nilo, saio da embarcação num ponto sem ninguém, caminho um pouco em busca do acesso para os túmulos e quando me aproximo é o assédio total. Guias, cameleiros, motoqueiros, toda a gente a ver se poderia ganhar umas Libras comigo. Quem o fez foi o Estado, que me vendeu um bilhete de 150 Libras que não necessitaria. Nem o local é especialmente interessante nem o bilhete é estritamente necessário. Basta ir à volta e subir uma duna, não há vedação nem controle. Mas na altura não sabia nem uma coisa nem outra.
Lá venho com o bilhete, subo a longa rampa empedrada que leva ao topo, passo por um velho porteiro que me apresenta o habitual truque de se aprestar a abrir umas portas esperando uma gratificação e pronto, espreito os túmulos.
Subo mais um pouco para atingir o de cima. Dali a vista é espectacular. Vê-se a cidade, o Nilo e as suas ilhas, consigo mesmo avistar a “minha” casa e a janela do quarto. Ao longe, aldeias satélite de Assuão, e por detrás, a perder de vista, o deserto.
Sentados nas pedras da base do túmulo, duas crianças que não poderiam parecer mais locais e um homem de uns cinquenta e muitos que não poderia parecer mais britânico nem vestir mais como um egípcio. Que alminhas seriam aquelas, de onde vieram os genes daquela estranha personagem?
E depois, um grupo de meninas de uns 17-18 anos com as hormonas agitadas que não tiveram pudor de meter conversa comigo – o “haji”, o “uncle” – e me pediram para lhes tirar umas fotografias, o que fiz, divertido. Mais uma vez, a diferença núbia.
Afatei-me para procurar duas geocaches que ali existiam, próximas uma da outra, encontradas com sucesso e muito gosto nesta manhã agradável. O clima está ideal. Muito sol, pouco calor, uma brisca refrescante na conta certa, bela visibilidade para disfrutar destas vistas.
Bem, agora é ir andando até ao mosteiro, pelo meio dos pedregulhos e da areia, encontrando a linha a que chamarei de caminho, sem grandes problemas.
Começo a ver o mosteiro de São Simião, vou tirando umas fotos. Aproximo-me, vejo que há visitantes lá. Apesar de não ser mais do que uma ruína duvido que os egícios estejam a perder esta oportunidade de sacar mais uns Euros ou Dólares para a sua economia. Vou convencido a ver só por fora e seguir caminho, marcado pelo preço inconveniente que acabei de pagar para nada.
Mas ao chegar mais próximo sigo um instinto que me diz para entrar. Vejo ainda ao longe uma pequena coluna de camelos que leva alguns turistas que terminaram a sua viagem. Chego, lá está o porteiro. O bilhete são 100 Libras. Cerca de 3 Euros. Menos mau. E depois… sim, valeu cada cêntimo, o mosteiro é muito mais complexo por dentro, vá, espectacular, do que poderia imaginar.
Passei um bom bocado a explorar os seus recantos. Havia outros visitantes por lá, mas poucos, evitáveis. Um grupo de americanas jovens tinha uma guia local com elas. Um casal de francês, um guia.
Diverti-me, fotografei, andei por ali até esgotar o local. E depois fui andando para o ponto de recolha, ali próximo. No fim do trilho há um autêntico acampamento de ciganos, uma comunidade muito pobre. São os dos camelos e cavalos que levam turistas. Um grupo de cães diz-me que sao eles os responsáveis pelo latir pela noite dentro que me incomoda na outra margem.
Telefono a pedir o barco. Uns dez minutos. Infelizmente desta vez são mesmo dez minutos. Poderiam ter sido mais porque estou bem instalado. Sentei-me num café amplo a beber uma Coca-Cola e estava-se bem, ainda a sentir a brisa, a ver as bonitas cores do Nilo e da areia, da envolvência.
O jovem que me serviu a bebida chega-se ao pé de mim e pergunta se não perdi nada. Não, acho que não, tipo o quê? Mostra-me um telemóvel. Não era o meu mas achei eternecedora a honestidade.
Logo chega o Ismail para me levar de volta. Sinto-me bem e feliz. Vou descansar um pouco. Mas quero aproveitar este dia ao máximo. Assim, baterias recarregadas, saio para fotografar um pouco mais das aldeias da ilha Elefantina. Refaço caminhos já conhecidos, capto imagens, satisfeito. No fundo volto a percorrer o circuito que fiz mesmo antes de ficar doente, agora com outros olhos, desviando-me mais aqui e acolá. Divirto-me. E quando já não sei onde mais ir vou regressando. Foi um dia muito bom.
Ao serão janto no restaurante do meu amigo. Desta vez uma tangine de galinha que me sabe muito bem. Mas está frio e estou cansado – um cansaço natural, desta vez – e esquivo-me à conversa que ele tinha imaginado ao aproximar-se de mim com o seu copinho de chá. Sinto a decepção, por isso explico muito bem porque não vai dar. Passei ali bons momentos.
A noite não foi fácil, não conseguia pegar no sono e depois, já passando da meia-noite, chegaram pessoas barulhentas. E só pensava que tinha que dormir, que iria ter que acordar cedo e com um longo dia pela frente. Já passava das duas quando mergulhei no sono.