21 de Janeiro de 2023
O dia grande em Diu. Preenchido, pleno. A começar pelo ponto focal de qualquer visitante: a fortaleza.
Como não poderia deixar de ser, as raízes da fortaleza remontam ao segundo quartel do século XVI e foram criadas pelos portugueses. Ao longo dos séculos aquelas pedras viram muito. Emoções, batalhas mas também e acima de tudo muito ócio, almas portuguesas que aqui acabaram, neste fim de mundo, contando dias, semanas, meses, por vezes anos, para o dia de uma libertação pessoal, para o regresso a um mundo mais familiar, mais amplo.
Para mais detalhes e uma história pormenorizada da fortaleza de Diu, será melhor consultar um bom artigo existente na Wikipedia.
Pela manhã ainda está fresco e há pouca gente. Os indianos, basicamente os únicos turistas que aqui chegam, ainda não vieram. Hão-de estar a caminho. Há sempre visitantes.
Caminho desde o alojamento, nas calmas. A entrada do forte é gratuita, não há qualquer controle. Apenas um portão que se abre quando chega a hora, e que é mais ou menos quando também eu lá chego.
Exploro detalhadamente a fortaleza. É um mundo, um compêndio de engenharia militar. Há faróis, canhões com as armas de Portugal gravadas no ferro, capelas e igrejas, bastiões e rampas. Num pátio encontram-se vestígios da última batalha da fortaleza, naquele distante Fevereiro de 1961 quando a Índia invadiu os territórios portugueses de Goa, Damão e Diu. Canhões semi-destruídos, pneus vazados, esfrangalhados, algum metal retorcido. Não há um painel explicativo, mas sabemos o que estamos a ver.
Há escolas que vêm em peso visitar a fortaleza. Grupos de amigos, famílias. Mas a maior multidão no interior dos muros será a da legião de jovens mulheres empregadas no arranjo de alguns espaços. São elas que fazem o trabalho reservado aos homens noutros locais: transportam pedra, assentam-na. Para o que for pesado estão ali e, estranhamente, plenas de boa disposição. Os risos são mais que muitos, os sorrisos ficam.
E assim se passaram umas horas que pensava serem minutos. Porque não contava com passar tanto tempo por ali e porque de facto se passou num instante.
Em determinado momento dei por mim no interior de uma casa, vazia, só com as paredes de pedra e o telhado tosco. Tinha sido uma igreja. E das janelas tudo o que se via era o mar. E tudo o que se ouvia era o vento que soprava do além, do azul sem fim. Pensei na crueldade que era estar para ali desterrado. Mobilizado e enviado para nenhures. A solidão, a tristeza, o tédio. Foram tempos.
À visita à fortaleza segue-se a visita à fragata. Uma fragata da Marinha Indiana, abatida ao serviço e colocada junto ao centro da cidade como um museu flutuante. Abriu recentemente ao público. Chama-se INS Khukri, um nome que recebeu como homenagem a uma outra fragata INS Khukri, aquela que a 9 de Dezembro de 1991 foi torpedeada por um submarino paquistanês, afundando-se de seguir. Tempos de guerra, uma das várias que oposeram pasquistaneses a indianos desde que os britânicos deixaram as Índias e um pequeno mundo desordenado. Se quiser aprender mais sobre o afundamento da Khukri, está aqui um artigo Wikipedia.
Paga-se um bilhete para visitar, tirado da bilheteira feita de um contentor, colocada junto a um monumento que homenageia os militares indianos mortos durante o breve instante que durou a agressão indiana ao território de Diu.
É uma visita interessante, vale a pena, mais uma das coisas que se podem fazer neste território tão esquecido. Pode-se passear pelo convés, entrar, descer e ver vários espaços. Refeitório, dormitório, sala do leme e de comando.
Depois foi altura para recolher e descansar um pouco. Antes da saída do fim do dia. Por essa altura a rapaziada reúne-se num terreiro vizinho da igreja e joga futebol.
Falamos em português com um senhor de mais idade. Ao contrário do que sucede em Goa a nossa língua já não mora em Diu. Casos destes são raros. E são tocantes. Esta gente vive num mundo que não é o seu, abraça uma nostalgia que os acompanhará até ao fim. Não reconhecem a sua terra, agora Índia. Movem-se de memória em memória e muitas delas escutei neste final de tarde com gosto.
E para terminar, o jantar no mesmo restaurante de sempre, sossegado, tranquilo, agradável. O serão foi passado nos aposentos.