Dia 27 de Fevereiro de 2024

O dia começou bem, mas não sei se acabou da mesma forma. Pois então seria hoje que entraria num novo país, o Paquistão. Acordando na minha sossegada cama de um dormitório vazio, preparo os últimos detalhes e fecho a mochila.

À saída conheço a dona do hostel, uma mulher bem viajada, muito simpática, com quem converso durante um bocado. Dou-lhe o meu feedback da estadia, algumas ideias, falamos sobre viagens. Fico-lhe a dever um grande favor: saiu para a rua comigo e arranjou-me um condutor de tuk-tuk decente para me levar à fronteira por um preço adequado.

Um rapaz novo que conduziu a sua máquina durante os cerca de 30 km, feitos em linha recta numa estrada sem fim, que nos separam da entrada no Paquistão.

Não foi uma fronteira especialmente fácil. Passa-se por uma primeira triagem, depois um autocarro transporta os viajantes até ao posto de fronteira onde se tratarão das formalidades. O processo não é claro, quem não fala a língua sente-se especialmente desorientado. Os portões estão encerrados, parece ser necessário esperar. Quanto tempo, não se sabe.

De vez em quando abre-se a porta para deixar entrar alguém. Porquê aquele e não outro, não se sabe. Oriento-me com uns paquistaneses canadianos que, claro, falam inglês, e me dão uma ajuda.

Eventualmente chega a minha vez e a minha saída da Índia é oficializada. Já do lado do Paquistão o ambiente é diferente, como do dia para a noite. Os semblantes carregados e a antipatia dos guardas indianos é substituída por vibes positivos. Passar a fronteira deste lado é muito mais fácil do que obter o visto de entrada no país!

Para terminar, antes de sair para a rua, uma última verificação. Um enorme guarda do corpo de elite que se pode ver na famosa cerimónia de rendição da guarda nesta fronteira pede-me para ver o passaporte, faz-me algumas perguntas mais por curiosidade e simpatia do que para verificação, e deseja-me uma boa estadia. Este tipo ter-me-ia dado jeito mais à frente, imagino o que faria…

Pois chegar a Lahore a partir da fronteira é uma missão quase impossível. Não há transportes públicos, apesar de alguém reportar um ponto uns quilómetros mais à frente onde se pode encontrar qualquer coisa.

Estava decidido a caminhar e procurar mas o calor e a insistência de um condutor ali na fronteira fizeram-me ceder e aceitar pagar uma quantia acima do que seria normal. Em má hora.

Pelo caminho, só simpatias. E de facto levou-me onde eu queria começar a minha estadia em Lahore: à loja da operadora de telecomunicações onde planeava comprar o meu cartão SIM. E depois o apertar da armadilha: o preço que me deu era em dinheiro indiano, não em Rupias paquistanesas. O que faria do serviço uma roubalheira. Tipo, 30 Euros em vez de 8 Euros. Atalhando. Depois de bem uns 10 minutos a discutir dentro do carro, o bandido aceitou um pagamento misto em Rupias e em Euros para aí de 18 Euros. Com ares de especial favor.

Como se imagina isto azedou-me o dia que já não vinha fácil. Bem, lá fui atendido na loja, de forma muito profissional, como se fosse o cliente mais importante de sempre. O processo não é simples nem claro, senti que tinha que confiar no que me dizia, porque não conseguia perceber os detalhes das complicadas explicações. Depois do que tinha acabado de acontece não estava com muita fé em desconhecidos, mas no final correu bem. Saí da loja com o SIM, mas não a funcionar. Teria que esperar até o poder usar.

Passo seguinte, que trará mais dificuldades e este dia complicado: levantar dinheiro paquistanês. Neste momento, para todos os efeitos, não tenho dinheiro. Só os Euros de emergência. Só que…. no Paquistão os cartões estrangeiros não são aceites nos ATM. Com uma honrosa excepção! O Standard Chartered Bank!

Portanto, depois de algumas indicações, a caminhar para o balcão mais próximo. Mas é inviável. São vários quilómetros e Lahore é uma cidade de trânsito infernal e vias rápidas impassáveis.

Está calor, tenho carga completa às costas, não tenho dinheiro, não tenho telefone e não tenho para onde caminhar. Bonito serviço.

E então tudo se alinhou! Vejo um individuo bem vestido, diria, com aspecto de guarda-costas, bem constituído, de fato e gravata, a orientar um carro que se faz à estrada. Pergunto-lhe se fala inglês. Fala. A seguir explico-lhe o meu problema. Digo-lhe que me sobraram meia dúzia de rúpias paquistanesas, trocadas na fronteira a um câmbio vergonhoso e que escaparam às unhas do condutor.

O meu amigo conferencia com outro. Dizem-me que para levantar dinheiro, lá está, o melhor é o Standard Chartered Bank e dito isto começam a mandar parar condutores de tuk-tuk que olham para mim e para eles como se lhes estivesse a ser pedido para levarem um dragão de duas cabeças até à Lua e depois voltar. A sério!

E estava-se nisto quando mais um condutor para, só para ver o que se passava. E foi este o anjo que me acompanhou durante os dias de Lahore. Vergonhosamente esqueci-me do seu nome e por isso para a história ficará como Abdul, um diminutivo de Abdullah, ou “aquele que serve a Deus” e portanto algo muito adequado para este homem de bem.

Portanto, depois de uma breve conversa em Urdu entre o amigo engravatado e Abdul, o primeiro informa-me que este condutor me levará onde preciso de ir com o dinheiro que tenho e pelo caminho parará no ATM do banco de que necessito e esperará enquanto opero a máquina.

Finalmente estou a avançar com alguma coisa. Agradeci profusamente ao senhor de gravata, trepei para o assento do tuk-tuk e segui, já com uma sensação de alívio e disposto a apreciar a viagem.

Desde o momento zero até ao último minuto o Abdul foi sempre fiável, honesto e profissional.

E portanto, como combinado, uma paragem no banco onde finalmente me abasteci das tão necessárias rupias. Depois, para o campus universitário, onde fica com um anfitrião Couchsurfing.

Ora como nada é simples aqui, íamos entrando no campus mas o guarda reparando que quem ia dentro do tuk-tuk era uma personagem algo diferente, mandou parar. E agora… como explicar a um tipo que não fala inglês que vou ter com alguém de quem só sei o primeiro nome?

A solução: por gestos e inglês hiper-básico pedir ao Abdul para ligar o número que tinha comigo. Felizmente Khan (para esta história será este o nome) atendeu de imediato. Expliquei a situação, ele disse-me para passar o telefone ao polícia (aqui, os guardas do campus são polícias nacionais). Problema resolvido, autorização para passar.

O Khan tinha aproveitado para indicar com precisão ao Abdul onde me deveria deixar. À despedida, quando lhe paguei, num impulso fiz-me entender enquanto lhe perguntava se me podia vir buscar à saída do campus no dia seguinte. Acedeu.

Na entrada de um dormitório, onde o porteiro me aguardava. Fez-me sinal para deixar a mochila à sua guarda, para tomar uma cadeira e esperar. E assim foi.

Esperei, e esperei, esperei demasiado tempo e já começava a fumegar quando finalmente o meu anfitrião chegou de mota. Mostra-me o seu pequeno apartamento, de professor celibatário, mesmo ali ao lado. Tenho ali uma caminha feita no chão, num recanto acolhedor.

O Khan é uma figura estranha. Sisudo e formal, faz-me sentir pouco confortável. Enfim, somos todos pessoas diferentes, é o que é.

Entretanto tinha caído a noite. Ele tinha saído para qualquer coisa e eu fiquei por casa. Aventuro-me na área de restauração do campus, mesmo ali próximo. Delicioso! Uns duzentos estudantes universitários comem e convivem por ali. A área faz lembrar uma área de restauração de um shopping, com uns cinco ou seis negócios a partilhar as mesas e cadeiras. Cada um leva do que quer e todos se sentam juntos.

Por gestos fiz a minha escolha. Comi que nem um rei, depois um batido de morango à laia de sobremesa. Paguei cerca de 3 Euros. Por fim, há uma espécie de mercearia para pequenos abastecimentos onde compro tâmaras. Deixei-me estar ali um bom bocado a apreciar o ambiente. Muito bom.

 

P.S. – Consegui verificar e a minha imaginação esteve ligada ao fundo da memória: aquele grande homem chama-se de facto Abdul!

 

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