Último dia em São Tomé. Vou sentir falta de tudo isto, foram duas semanas bem passadas. Mas para já há que entregar o carro. Não existem grandes planos para hoje, será apenas a despedida de todos os locais a que nos habituámos a ver como nossos. Descemos à cidade ao volante do enorme Pajero, sabendo que o regresso, mais tarde, será a penantes. O veículo foi devolvido sem novidades e logo começámos as deambulações. Sem dúvida, comer os bolos da pastelaria, uma vez mais, até porque era ali ao lado.

Passar pelo palácio presidencial e pela catedral, absorvendo tudo aquilo com a sofreguidão de quem suspeita que se está a ver pela última vez. Decidimos usar algum do tempo livre a visitar o museu nacional, instalado na fortaleza de São Sebastião. Esta era uma opção que não constava nos planos globais para São Tomé, mas já que ali estamos e temos tempos, porque não…? E em boa hora assim foi decidido, porque as expectativas foram largamente superadas.

Pelo caminho passámos pelo cinema, desta feito com as portas abertas. Esgueirei-me lá para dentro e senti as estórias de outros tempos que aquelas amplas escadarias tinham para me segredar. Senti o ambiente daquele edíficio aparentado com os que me ensinaram por Lisboa o que era ver filmes numa tela. Subi os degraus até ao átrio do piso superior. Ninguém. Mas sinto que lá ao fundo existem escritórios, integrados no plano de reaproveitamento deste espaço. Tiradas as fotografias, saimos de novo para a rua.

Por fim chegámos ao forte. Tocámos à campainha. Uma senhora vem receber-nos. O bilhete custa cerca de 3 Eur e inclui a visita guiada, que, aliás, é obrigatória. Depois de tantas vezes passar junto à fortaleza é uma sensação estranha observá-la a partir de dentro. Já tinha visto muitos fortes deste tipo, mas nunca estive no interior de nenhum num estado de conservação impecável. Nos últimos tempos de São Tomé e Principe enquanto colónia havia pessoal militar aqui alojado. O páteo interior, impecavelmente arranjado, tem numa das suas faces uma capela aberta. De resto, a partir de cada lado existe uma escada em pedra que parece cortar em quatro o edíficio. No topo de uma delas, o farol, às riscas vermelhas e brancas. A visita a sério inicia-se. Somos levados por salas dedicadas a temas distintos: recordo-me da sala da independência, de uma outra que apela à preservação das tartarugas marinhas; existem salas sobre o massacre de Batepá, sobre a vida nas roças, com o mobiliário da época disposto de forma a replicar o ambiente da casa da época. São seis salas no total, pequenas, mas que, em conjunto com a perspectiva que se têm da cidade e do próprio edíficio a partir do seu seio, fazem valer o dinheiro que se paga pela entrada. Felizmente que neste derradeiro dia foi tomada a decisão da visita, que tinha sido colocada de lado anteriormente.



Seguindo a política de revisita aos locais que se tornaram referência nestes dias, o próximo passo era evidente: a esplanada do café Passante. De caminho, uma última passagem frente ao glorioso liceu nacional, cujos alunos se encontravam encostados à balustrada, alguns na areia da praia Perigosa. No café encontrámo-nos com a simpática Mia, que fazia questão de se despedir antes da nossa partida da ilha. Como sempre ficámos por ali, na preguiça, a única coisa que se faz naquele local, autêntico templo da displicência tropical.

De repente, as coisas começaram a acelarar. Num crescendo, até se chegar a um clima diabólico de stress induzido. E nem sei como começou. Falávamos da necessidade de pagar a taxa de aeroporto, necessária para abandonar o país de avião. E porque não ir já lá, evitando as filas de última hora que se antecipam para a manhã do vôo? Nisto, recebo um SMS do casal de alemães que tinhamos encontrado na Roça de São João. Tinha-lhes deixado um recado há alguns dias, no hotel deles, com o meu número de telefone. Nós estávamos a pensar ir ao Cacau comer qualquer coisa, experimentar o serviço de restaurante deles antes de irmos embora. E então fomos numa pressa ao encontro dos amigos germânicos, enquanto a Mia, esfomeada que estava, ia andando para o Cacau onde nos encontrariamos dentro de minutos. Pelo menos essa era a ideia, mas nada correu assim. Sucede que os alemães também estavam a meio de uma refeição para a qual se preparavam para nos desafiar. Mas não podia ser porque a Mia esperava por nós. Correria, os alemães a acabar a refeição deles, e lá fomos, ao Cacau. Recomendado! Uma deliciosa omoleta com ervas aromáticas, muita banana frita, salada, uma bebida… custou cerca de 4 Euros. Ah mas nisto regressou a ideia de ir ao aeroporto, porque os alemães tinham o seu carro de aluguer e assim como assim também estariam interessados em tratar da situação da taxa aeroportuária.

O tempo, contudo, corria, e não era a nosso favor. Já não tinhamos grandes esperanças de encontrar o “guichet” aberto, e além disso, queriamos ainda ir ao Cacau assistir a um “famoso” filme antigo que mostrava cenas do quotidiano São Tomense nos anos 30. Bem, quanto ao aeroporto, foi chegar lá, e sermos os últimos a ser atendidos, com informação explícita: “Tiveram sorte, estava mesmo a fechar isto”. Mas antes, foi uma correria, porque todos precisávamos de acertos monetários. Os alemães tinham que trocar dinheiro e nós precisávamos de “cacau”. Ou era ao contrário. Já não me recordo bem. A verdade é que entre uns e outros, puxa aqui, estica acolá, conseguimos a quantia certa.  Com ênfase na palavra “certa”, porque a fama é grande: o pessoal do aeroporto aproveita-se da situação e invariavelmente diz não ter trocos. Ora como o “cliente” tem mesmo que  pagar, acaba por se conformar e deixar uma mais ou menos generosa demasia entregue ao funcionário.

Depois de todas estas aventuras, tempo de relaxar. Os amigos alemães levaram-mos ao Cacau e despediram-se com um até amanhã. Lá usámos as últimas Dobras para pagar a projecção do filme e sentámo-nos durante quarenta e cinco minutos que passaram num instante. Na sala o ar condicionado estava ligado, e a película era interessante, mostrando cenas das principais roças, no primeiro quartel do século XX. Quando acabou e saimos para a rua o dia estava, também ele, a terminar. Tinha-se posto, com o passar das horas, um dia lindo, de céu azul, talvez o mais límpido de todos os que aqui estivemos.

A Mia estava com alguma pressa, porque tinha um jantar e ainda devia ir a casa mudar de roupa. Mandou parar um táxi-mota, empoleirou-se e despediu-se de nós. E seguimos, trilhando aquele caminho inesquecível, que nestes dias de São Tomé fomos fazendo a cada final de tarde, ao longo da marginal cálida, com as luzes da cidade a acenderem-se e a reflectirem-se nas aguas da baía Ana Chaves.

Mas não era ainda o encerrar deste capítulo São Tomense. O KB dava-nos a honra de decidir o que fazer neste último serão. Jantámos em casa e fechámos a noite onde a noite tinha sido aberta, no primeiro dia, quando ainda estava tão verdinho e nada sabia sobre São Tomé: no bar do francês! Foi um encerrar com chave de ouro, com muita conversa com a Ronja. Nessa noite despedimo-nos, porque a nossa partida seria muito cedo.

4 COMENTÁRIOS

  1. São Tomé tem ultimamente ganho grande espaço no meu coração e imaginário para um dia poder conehcer esta terra magnifica, e os seus relatos ajudaram e muito a preencher todo este imaginário. Obrigado por me fazer voar até São tomé nas suas palavras e fotos e coma esperança de muito em breve poder lá estar eu mesmo.

  2. Olá Ricardo,
    parabéns pelo blog! Dentro de duas semanas vou a São Tomé e as suas fotos vieram abrir-me ainda mais o apetite!
    já agora aproveita para perguntar: é necessário levar a carta de condução internacional para alugar um carro lá? ou com a portuguesa serve?
    muito obrigada!

    • Patrícia, de forma alguma será necessário carta de condução internacional. Repare, à laia de nota geral, que o princípio da carta de condução internacional se prende com uma questão de entendimento de conteúdos. Actualmente, tirando umas poucas excepções, a carta de condução internacional é exigida em muitos países com alfabetos diferentes: China, alguns países árabes, quase todos os países da ex-URSS…. ora em São Tomé e Principe passa-se o contrário, não só usam o nosso alfabeto como a nossa língua, por isso não há problemas alguns.

      • imaginei que não fosse necessário, mas nunca se sabe, é melhor sempre perguntar 🙂
        muito obrigada, Ricardo.

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