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Mesmo depois do cuidadoso planeamento feito na véspera, tinha uma certa apreensão quanto a esta tentativa de chegar ao museu Rahmi Koç, talvez pela experiência com os autocarros no dia em que visitei a Miniaturk. Mas nada como tentar. Tomei o pequeno-almoço, disse “bom-dia” ao Emre que abriu os olhos por um segundo, e pus-me a caminho.

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Como quase todos os dias na Turquia, este estava cheio de sol e com uma temperatura agradável. Era cedo e era Domingo, e não havia ainda muita gente pelas ruas. Caminhei desde o metro em Taksim até aos autocarros de Eninonu, tal como o fiz no primeiro dia de Istanbul, sempre a pé, sem usar os ascensores-metro para descer ao nível da água. Sentia-me muito bem, de alma e corpo, depois do descanso da véspera e de uma noite bem dormida. E as condições ideais levantavam-me a moral. Foi um prazer atravessar pela enésima vez aquela via pedestre que é a rua Istiklal, desta vez repetindo a descida pela rua das lojas de música, passando de novo junto à torre de Galata, e depois, cruzando as águas do “Golden Horn” com a ajuda da ponte de Galata. Do outro lado, virando à direita, os autocarros. Demorou-me um pouco a encontrar a paragem certa, mais pelo azar de ser uma das últimas do que por ser especialmente complicado. E lá estavam eles, os três números que iam na direcção pretendida. Nas paragens, um horário simples de consultar. Desta vez foi simples. Entrei no que pensei ir sair primeiro e esperei. Na realidade, escolhi mal, mas foi um pequeno problema de dez minutos. Troquei os dias, por momentos pensei que estava no Sábado, quando se aplicava o horário de Domingo.

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Chegada ao museu. E é aqui que me sinto ficar sem palavras. Pronto, vou começar por ser sucinto: se me obrigassem a escolher o melhor momento de toda a viagem à Turquia, provavelmente apontaria a visita ao museu Rahmi Koç. Porquê? Bom, por um lado porque é o melhor museu que já visitei. É a criação de um mundo, onde um adulto pode reencontrar a sua meninice, uma espécie de universo de Peter Pan, recheado de surpresas, escondidas por detrás de cada esquina, de cada nova sala, apenas vagamente limitadas pela temática do museu, definido como um museu de transportes e tecnologia.

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Era para passar um par de horas por ali, e acabei por ficar basicamente todo o dia. Cheguei às 10:30 e saí lá pelas três da tarde, extenuado. Não há um ponto negativo a apontar. Desde o preço simbólico, a rondar os 5 Euros, passando pelos baratos e interessantes cafés e restaurantes existentes no interior das instalações, que se fundem com o conceito do museu, até à filosofia clara de eliminação de barreiras (por exemplo, pode-se tirar fotografias de tudo, tocar moderadamente nos objectos da colecção e espreitar em todo o lado, dentro do razoável).

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Não só a colecção é de enorme qualidade, imensa em quantidade e variedade temática, como está arranjada e disposto com imaginação e criatividade. Claro está, tudo legendado em turco e em inglês, sem falta nem versões resumidas. Basicamente este museu é fruto da visão de um homem, precisamente Rahmi Koç, um industrial riquissimo que desde tenra idade se apaixou pelo coleccionismo. Terá sido aquele comboio eléctrico que o seu pai, de regresso de uma viagem de negócios à Alemanha, lhe terá oferecido, que se tornou a semente deste museu que hoje podemos visitar. Daí em diante, apoiado pela enorme fortuna da família, foi adquirindo tudo o que via e considerava interessante. Finalmente, começou a pensar na criação de um museu. Foi influenciado pelo Deutsches Museum de Munique e pelo Science Museum de Londres, mas terá sido quando teve oportunidade de visitar o Henry Ford Museum, de Detroit, que se decidiu por fim a expôr a sua colecção.

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Depois de alguma pequisa encontrou o espaço ideal. Uma antiga fundição de âncoras junto ao “Golden Horn”, transformada em armazém e semi-destruida por enorme incêndio em 1984. O edíficio foi adquirido e em 1994 abriu ao público, recebendo dois anos depois o European Museum of the Year Award. Mais tarde expandiu-se para a área que actualmente constitui o núcleo principal do museu. O museu, tal como pode ser hoje visitado, abriu ao público em 2001.

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Feita a apresentação, volto a este problema de não ter palavras para descrever a magia daquele espaço. Desde salas repletas com equipamento de “fazer” cinema (a Turquia tem a indústria de cinema mais produtiva do mundo a seguir a Bollywood e Hollywood), até aviões reais, carruagens de caminhos-de-ferro históricas, eléctricos antigo, colecções de carros clássicos, centenários carrinhos de brinquedo, uma interessante secção dedicada às Harley-Davidson, carros de bombeiros, extensa colecção sobre a primeira viagem de circum-navegação turca efectuada por uma pequena família onde não falta o veleiro original e muitos objectos usados e recolhidos durante a aventura…. uffff…. e tanques de guerra, um submarino original que pode ser visitado por um par de Euros extra, e trenós, e bicicletas de todas as épocas e dispositivos electrónicos e computadores desde o início da informática… e……   só vendo. Não pense o leitor que parei a descrição por me aproximar do fim. Não, é exaustão mesmo. Poderia quase escrever um livro sobre tudo o que vi neste museu.

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Quando sai, já não podia com as pernas, mas ainda tinha mais umas horas de luz antes de se encerrar o meu último dia na Turquia. Decidi fazer algo diferente, ir, fosse como fosse, até aos bairros perto das grandes muralhas teodosianas, que tentaram manter os turcos fora de Constantinopla naquele trágico Maio de 1453. Teoricamente deveria apanhar um comboio, mas na estação, nada de comboios. Felizmente ao virar da esquina havia um posto de informação turística, onde a simpática senhora me disse que por causa de obras não havia circulação de comboios mas que poderia chegar aonde queria de autocarro. Lá fui e lá apanhei um, cheio como uma lata de sardinhas, a fazer-me recordar os “melhores” tempos de vida urbana que passei em Lisboa.

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Seis quilómetros depois cheguei ao destino. Deixei-me escorregar entre a massa de corpos que me separava da porta de entrada, que usei para sair, e estava ao ar livre de novo. Todos estes quilómetros foram feitos numa espécie de marginal que corre a partir de Seraglio. Há ali um parque, com as famosas muralhas a servirem-lhe de margem. A “fauna” é algo perturbadora. Aquilo é uma outra Istambul, afastada da magia para turista ver. Os putos pelos bancos do jardim têm um ar altamente suspeito e sinto-me um pouco incomodado. Há um que se me dirige, diz qualquer coisa, e quando lhe respondo em inglês afasta-se sem insistir. Houve algo no tom de voz dele de ameaçador ou ilícito. Atravesso o parque, saio pela outra ponta e vou em busca do que aqui me trouxe. A Fortaleza das Sete Torres, um segmento do sistema defensivo medieval da cidade, com especial importância, mas hoje esquecido por toda a gente. Apenas uns quantos interessados nestas coisas das muralhas vai até lá, e também, há uma entrada de 10 TL que considero francamente exagerada para o que é. Chego lá passando pelas mais estranhas ruas, algumas em obras, e aproveito não estar ninguém na entrada para meter o nariz no pátio e tirar umas fotos. Duas mulheres e um homem, jovens, italianos, vêm a sair com um guia ou funcionário. Retiro-me também e vejo que o empregado fecha o portão atrás de nós. Aquilo encerra bem cedinho.

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Felizmente que existe uma linha de autocarros que sai mesmo dali, defronte da fortaleza. Está lá um, vazio, estacionado. Consulto os horários. Vai sair dentro de 20 minutos. Um presente dos deuses, porque não me apetece mesmo nada caminhar de regresso à marginal e enfrentar aqueles autocarros cheios à pinha. Assim, vou no conforto de uma cadeira, acabo por sair numa paragem inesperada, porque vejo o sol que se põe por detrás das grandes mesquitas de Istambul, e assim como assim, já estou com as energias repostas. Dali – e nem sei bem explicar onde estou – acabo por caminhar pela última vez até Taksim.

Serão em casa, como sempre. Foi o último dia de Turquia.

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