Este é um daqueles dia em que sucede aquela magia de acordar num ponto distante e adormecer em casa. Por mais estranho que pareça aos leitores poder assim falar de Praga, que de facto foi meu lar durante três anos, e se mantém “casa” no meu coração.
Acordei à hora combinada. Pawel vai mais uma vez ajudar-me. Em vez de andar com a mochila ao lombo o dia quase todo ou de ter que voltar a casa para a recolher, ele vai leva-la para o escritório onde depois poderei ir buscá-la. E porque não a levo eu? Porque ele se prontificou a fazê-lo, permitindo-me visitar o grande cemitério que se encontra não muito longe de casa. Mais que isso, ele vai comigo até aos escritórios do cemitério para lhes perguntar onde se encontram as campas mais antigas. Acho que nunca aquele pessoal teve tal solicitação. A senhora com ar de funcionária principal mantém uma conversa fria com o Pawel e penso que não está a correr bem. Engano meu. Saio de lá com um mapa do cemitério com as zonas mais interessantes marcadas a caneta e um grande sorriso dela e dos outros dois elementos que se encontram ali. Mas não devo ter razões de optimismo… eles dizem que depois da guerra os túmulos mais antigos, que eram alemães, foram destruidos, e que agora ainda se pode encontrar uma ou outra reliquia mas que separar esse trio do joio é um trabalho considerável.
Como prémio de consolação explicam ao Pawel onde está o túmulo da rapariga coreana, de que ele me tinha falado na véspera. A história conta-se com poucas palavras: durante a guerra da Coreia o governo polaco decidiu receber um grupo de crianças, refugiadas da Coreia do Norte, mas com enorme segredo, por alguma razão que nos escapa. Uma delas faleceu nos anos que permaneceram por aqui, e está ali sepultada. Um amigo do Pawel fez uma profunda investigação do caso, e a situação intrigou-me também. Já sabiamos o sector onde encontrar o que procurávamos, mas mesmo assim não estava a ser fácil. Ele perguntou a uma senhora aque ali depunha umas flores e logo ela nos indicou o ponto certo. O túmulo da rapariga coreana tornou-se uma atracção.
O Pawel segue para o escritório, eu fico mais um pouco a explorar o cemitério, e, depois, parto também, de eléctrico. Apeio-me ainda longe do centro. Quero visitar aquilo que ele me apontou como sendo uma antiga estação de comboios, de uma linha suburbana que já não existe. Lá junto visito um monumento interessante mas que não compreendo e depois meto-me outra vez no transporte para o centro.
O bom tempo continua. Descubro um agradável jardim que segue ao longo das antigas muralhas da cidade, entre elas e o fosso que hoje tem uma função meramente decorativa. O que fazer a seguir? Já sei… quero ver melhor aqueles murais que no primeiro dia não pude fotografar condignamente, já que o Pawel estava comigo. Boa!
OK… paragem seguinte… o estádio, que é olimpico. Em 1936 algumas competições dos Jogos Olimpicos organizados pela Alemanha tiveram aqui lugar. Note-se que antes da Segunda Guerra Mundial, Wroclaw era parte da Alemanha e chamava-se Breslau. Ainda hoje se nota essa influência. Na praça central, entre os edíficios mais antigos – aliás, teoricamente mais antigos, porque quase todos foram reconstruidos após a devastação da guerra, tal como sucedeu em Varsóvia – existe um prédio peculiar. O Pawel perguntou-me, com sorriso matreiro, de que época eu pensava que seria… pressenti a “armadilha”, pensei… arrisquei, anos 60. Não. É anterior à guerra. Um exemplo do vanguardismo arquitectónico alemão. Consta que o plano era derrubar os clássicos edíficios que rodeavam a praça e substitui-los com prédios seguindo o novo estilo, mas no fim nunca foi feito.
Do estádio interno-me no parque que, bem mais à frente, dá acesso ao “Centennial Hall“, um edíficio construido ainda antes da Primeira Guerra Mundial, quando Wroclaw era Breslau, e classificado como Património Mundial UNESCO. Antes de lá chegar, contudo, visito o jardim japonês. Pago o bilhete, creio que cerca de 1 Eur, e, apesar das multidões de jovens alunos, bastante barulhentos, delicio-me com o espaço, muito bem concebido e mantido. Recomenda-se.
E pronto… dou uma vista de olhos ao Centennial Hall, que não me impressiona nada, e sigo para o escritório do Pawel. Mesmo antes de lá chegar, despacho o último ponto em aberto desta bem sucedida visita a Wroclaw: A Colina dos Guerrilheiros, um empreendimento comercial na área mais central da cidade e que hoje se encontra ao abandono, decadente. Há pessoas lá. Umas tomam um almoço rápido, feito de fast food take away. Uma mãe com uma criança espera por alguém. É um local bizarro e a atmosfera, com aquelas pessoas aparentemente normais, ainda o é mais.
Na mochila já levo uma sacada de bolos comprada na padaria que descobri na véspera. O Pawer não responde ao meu SMS. Não é bom sinal considerando que só tenho 45 min e ele tem a minha mochila em seu poder. Sento-me na esplanada do restaurante que se encontra no páteo interior do edíficio onde ele tem o escritório. Bebo uma cerveja. Mando outro SMS. Nada. Bebo outra cerveja. Dou-lhe um toque para o telemóvel. Ainda nada. Bebo uma cerveja. E finalmente lá aparece ele com a minha mochila. Já estou curto de tempo mas ainda ficamos um pouco à conversa. Mas o relógio não pára. Tenho que ir.
Ele insiste em acompanhar-me a uma pastelaria que me recomenda. Ali compra-me um saco cheio de iguarias da sua escolha e ainda uma caixa de caramelos deliciosos. Yummi! Pronto, despedimo-nos. Já vou atrasado e sigo com pressa,mas corre tudo bem. Tudo excepto ter mais uma viagem com a Polski Bus. Mais calor, mais balanço, mais enjoo. A noite cai. Cruzamos a fronteira e já me sinto um pouco em casa, e finalmente, Praga! Que sensação de bem estar é chegar à cidade do meu coração. De tal forma que em vez de apanhar transportes públicos caminho até casa do meu grande amigo Ruben, onde vou ficar. A noite está maravilhosa, grande ambiente, toda a gente na rua a passear. Felicidade, é assim definida. Naquele momento.