O segundo dia viu-nos acordar em Rabat. Desta vez saiu-nos a sorte grande. Talvez exceptuando La Valleta, não há outro ponto em Malta onde teria gostado mais de ter passado esta semana. Rabat é uma localidade antiga, adjacente à antiga capital da ilha, a cidade muralhada de Medina. A acessibilidade não é das melhores. Há que ir sempre a La Valleta para atingir outros pontos. Mas é um justo preço a pagar pela localização de sonho. E pela excelente companhia do meu “host” Jeff.
Saímos para explorar a Medina, e foi então que nos apercebemos do potencial de Rabat. Foi necessário atravessar a cidadezinha e pelo caminho tornou-se evidente que as vielas da velha Rabat estavam pejadas de detalhes pitorescos que haveríamos de apreciar diariamente, nos nossos percursos para a paragem de autocarro. Medina. Um mundo à parte. É quase como a magia do norte de África sem os inconvenientes agregados: as ruas misteriosas formam um labirinto em tons de ocre, sem pedintes nem lixo a cada canto. Bem pelo contrário, as autoridades sabem que a Medina é um cartão de visita decisivo. Tudo está imaculado, em perfeitas condições. Os edifícios estão pintados de fresco, as ruas têm deliciosos sinais com os seus nomes. Em maltês, que, diga-se à laia de informação, é a única língua arábica a utilizar o alfabeto latino, e em inglês. E contudo, vivem ali pessoas comuns, habitantes de sempre. Não há dúvidas, a Medina é um ponto essencial para qualquer visitante. Se para mais não houver tempo, terá sempre que ser La Valetta e a Medina.
Depois de percorremos praticamente todas as ruas da Medina, divergimos por partes incertas, em busca de “geocaches”. Descemos ao vale a norte, por estradas que ninguém imaginaria existirem, para descobrirmos o lavadouro e a fonte de água usada em tempos ancestrais, hoje encerrada por detrás de sólidas grades. Continuámos a andar até à estrada principal que cruza as terras baixas, e subimos a colina defronte, onde se encontra Mtarfa que, como viemos a saber, é o local onde o Jeff cresceu. É uma povoação sem grande interesse, para além da vista sobre a Medina, que se ergue, orgulhosa, no monte fronteiro.
Dali apanhámos um autocarro para La Valeta. Foi ainda uma valente espera, porque a carreira não é das mais populares, mas lá fomos, direitos a um transbordo na Fonte de Neptuno, porque o que queríamos mesmo era estar em Sliema ao pôr-do-sol. E isto porque nos tinham dito que fizéssemos o que fizéssemos, a única coisa que não poderíamos perder em Malta era a descensão do astro-rei sobre a cidade amarela, cujas muralhas e edificações ganham cor ainda mais intensa com os dourados da luz aquela hora. Mas olhem, não foi bem assim que correu. Porque rei ou não, o grande astro foi tapado por um manto opaco de nuvens que arruinaram completamente o projecto que, apesar de tudo, acabou por não ser concretizado durante esta nossa visita.
Valeu mesmo assim a paragem na capital, para encontrar uma rede de wi-fi aberta, mesmo em frente ao edifício do Banco de Malta. E, depois, a visita rápida a Sliema, só para termos a certeza que aquilo não é mesmo o tipo de turismo porque ansiamos: toda a área a norte de La Valeta, para além do braço de mar que divide ali as terras, é um mundo moderno, de apartamentos sem fim, com comércio à ocidental e, de forma geral, uma mancha incaracterística que cativa demasiada gente em busca de umas férias simples e que procuram sol e mar mas um ambiente tal como deixaram para trás, em casa. Qualquer pesquisa sobre apartamentos para alugar em Malta resulta numa listagem em que umas 90% das sugestões se localizam nesta área. É uma espécie de “resort” urbano, o local onde a vida nocturna acontece.
Apesar de confirmar a certeza de que nos manteríamos afastados daquela parte da ilha, a visita a Sliema foi positiva. Encontrámos uma “geocache”, vimos mergulhadores em acção, deliciámos-nos com as embarcações turísticas que aquela hora voltavam a casa e vimos La Valeta de uma outra perspectiva. Mas a tal experiência única que envolvia um pôr-de-sol sobre a capital foi substituída por algo bem diferente: a procura, sob intensa chuvada, de um autocarro que nos trouxesse de volta à base… queríamos regressar a casa, mas chovia… e chovia… e, apesar de termos conseguido chegar a Rabat, continuou a chover pela noite dentro. O que nos embalou, nos mais doces dos sonhos, enquanto as gotas de água penetravam pela janela aberta e ensopavam as nossas botas de caminhada que, vá-se lá saber porquê, tinham sido deixadas à beira do ar fresco da noite.