A ilha de Gorée estava há muito debaixo da minha mira. Mesmo antes de partir de Portugal, mesmo antes de decidir ir ao Senegal. Estava enterrada algures no meu imaginário, sei lá, um documentário que terei visto, um artigo que terei lido.

No passado foi um importante entreposto no comércio de escravos, explorado primeiro por portugueses, depois, pelos senhores que se seguiram, holandeses, franceses, ingleses. Fica ao largo de Dakar, bem próximo, facilmente avistável de vários pontos da cidade. Para uma história mais detalhada da ilha e da sua ocupação, há um excelente artigo na Wikipedia.

Para chegar à Ilha de Gorée saímos bem cedo da casa do George. O caminho estava estudado, o grau de stress era zero. Gostava de apanhar o barco das 10:00, senão seria o das 11:00. De resto, há diversas partidas (horário completo aqui).

O Tata número 3, já conhecido da véspera, demorou um pouco a aparecer mas quando veio levou-nos direitinhos até ao Plateau. O trânsito era reduzido, a viagem foi bem mais rápida do que no dia anterior. Depois, nada que saber, trilhar o caminho já explorado, até ao porto. Passaporte apresentado ao polícia de serviço, é comprar os bilhetes. 5200 CFA para estrangeiros. Um pouco mais de 7,50 Euros, para o bilhete de ida e volta (na volta não há controle de bilhetes).

Terminal portuário moderno e agradável. Um bom local para se beber qualquer coisa bem geladinha e comer, com preços baixos. O timing foi perfeito: comprar o bilhete na hora em que se abriam as portas para embarcar, entrar no ferry que pouco depois partiu, até com poucos estrangeiros a bordo. Era Domingo, e esperava uma enchente, mas não, a coisa estava a correr bastante bem.

A travessia é rápida, demora uns 20 minutos. Numa primeira fase os olhos abrem-se para observar a actividade portuária. Depois o barco sai da barra – sem problemas, Março tranquilo – e vai-se aproximando da ilha que no horizonte ganha contornos mais definidos. Há pequenas embarcações de pesca que quase se perdem na infinita superfície azul. Gorée aproxima-se. Passamos junto ao Fort d’Estrées (detalhes aqui), contornando a ilha, para chegar ao ancoradouro que se encontra na face oposta.

Ao chegar há uma surpresa: parece que todos os visitantes estrangeiros têm que pagar uma taxa de entrada. São apenas 500 CFA, mas pareceu-me estranho. Na realidade, nem tentei fugir à situação, mas ao chegar, saí logo para o lado direito, enquanto toda a gente vai para a esquerda, direito ao ponto mais procurado da ilha, a Casa dos Escravos. Pensava que o meu alojamento ficava para a direita (na realidade, não ficava). Alguém começou a explicar aquilo dos 500 CFA mas não entendi bem. Depois, veio um elemento da equipa de segurança da comunidade, mais firme, mas quando lhe disse que não ia pagar porque ia ficar na ilha e não apenas visitar, convenceu-se.

Como soube mais tarde, a questão do pagamento prende-se com o incumprimento das autoridades portuárias, que operam o serviço de ferries, no pagamento de uma taxa de utilização do ancoradouro da ilha. E o pessoal não se fez rogado, não paga o porto pagam os estrangeiros. Directamente.

As primeiras impressões foram positivas. Como seriam todas as outras. Demorou um pouco a encontrar o Chez Eric, mas com a ajuda de um local lá se chegou. Entra-se por uma mercearia. Sem qualquer indicação exterior. Um pormenor delicioso. O Eric é francês, corso, casado com a Kuna, senegalesa, e são impecáveis. Adorei os meus dias aqui. Segundo o plano seria apenas uma noite, mas foram três.

Instalado. A vontade de sair para ver, explorar e fotografar é enorme. Recupero da canseira com uma lata de Sagres fresquinha – as coisas que se encontram por aqui, já viram… – e saio para a rua. A primeira paragem será precisamente no forte, que é agora um museu, genérico, de história. A entrada custa 500 CFA. Vê-se num instante, é uma exposição pobre, mas não é tempo perdido. Para além do que está exposto, ganha-se a perspectiva do interior da fortificação e das suas salas interiores.

Parece-me que começa a ser decidida a questão de quanto tempo ficar na ilha… uma ou duas noites… duas, claramente duas. Há um restaurante charmoso, Hostellerie du Chevalier de Boufflers, que tem quartos para alugar. Hummm difícil escolha. Os quartos são decrépitos mas é isso que lhes dá encanto. Fazem-me pensar nas roças de São Tomé que foram transformadas em turismo de habitação. Encontramos outro lugar com quartos para alugar, mas há algo que não consigo definir que me desagrada nesta outra opção, apesar da localização ser excelente (primeira linha em frente ao Março) e do quarto ser também charmoso. Acabaremos por ficar uma segunda noite no Chez Eric.

O almoço é tomado num dos diversos restaurantes que existem perto do ancoradouro. Uma espetadinhas sem história empurradas com sumo natural a um preço inflacionado para a realidade senegalesa, mas mesmo assim muito agradável. Espere-se pagar uns 7 Euros por uma refeição completa por aqui.

Como descrever a ilha… ? Uma comunidade interessante, estabelecida num local histórico retalhado por turistas. Nada que chegue à catástrofe de Sintra ou Óbidos mas talvez por isso as pessoas não parecem desagradadas com a invasão. O turismo tornou-se a sua forma de vida e os turistas o produto que lhes oferece a subsistência. Há mesmo assim muita gente que vai todos os dias trabalhar para a capital. E, lá em cima, no “Castel”, onde estão os grandes canhões deixados pelos franceses que foram cenário do filme Os Canhões de Navarone, os “hippies” de Gorée expõem os seus trabalhos. Esse sector da ilha é ocupado pelos artistas, que lhe conferem um ambiente especial.

No centro, perto do ancoradouro e dos restaurantes, há um campo de futebol e uma área aberta onde mulheres vendem frutos e bugigangas. Encontram-se um par de mercearias e outro de padarias. Há uma loja de sandes, muito apreciadas pelos habitantes de Gorée. Há tanta coisa, tanto pormenor em que atentar numa ilha tão pequena!

Há um quartel de bombeiros, esses gentis bombeiros que à chegada de cada barco se deslocam ao ancoradouro para auxiliar os mais necessitados a desembarcar e ainda asseguram a vigilância da pequena mas agradável praia que vamos encontrar ao lado do cais. Há uma associação de apoio às crianças, cuja história contarei em detalhe numa outra página do diário. E o Março, que envolve a ilha, visto melhor deste o “Castel”, localização ideal para assistir ao espectáculo do pôr-de-sol enquanto lá em baixo, da mesquita se chamam os fiéis para a última oração do dia.

Mesmo no centro, junto à Câmara Municipal, o antigo hospital militar está abandonado mas pode ser explorado. Está deserto, apesar da multidão de locais e turistas que se encontram a poucas dezenas de metros. No campo da bola meninos jogam e, mais tarde, chega a hora dos graúdos. Uma mulher atravessa o desafio, indiferente ao esférico que rola. Na enorme árvore de Baobá um rapaz manda frutos para os que os aguardam cá em baixo.

Há uma parede com chapas metálicas que assinalam a visita dos notáveis. Pequenos rectângulos dourados marcam a passagem pelo local do Papa João Paulo II, do presidente dos EUA Barrack Obama, de Nelson Mandela… e no meio destas insignificâncias, uma enorme, em grande destaque, regista a presença do Dr. Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente de Portugal.

A meio da tarde uma Gazele, aquela garrafa de cerveja de 0,63 l que se tornou num hábito dos meus dias de Senegal. Numa esplanada em frente ao posto de correios e do cinema de Gorée, tudo num velho edifício colonial com muito encanto. Fica para a direita do ancoradouro, junto ao Março, numa zona mais tranquila, menos procurada pelos visitantes. Ali as palmeiras espreitam, em fiada, numa rua que se perde, virando à esquerda mais à frente, em direcção ao forte. É hora de deixar o relógio correr, de entrar no espírito da ilha, onde o tempo pouco vale.

Mais tarde será ocasião para um passeio pelas ruas ao lusco-fusco, quando a iluminação se acende e o sol desaparece. O jantar é tomado noutro restaurante lá do centro, no da Néné, uma “mama” segundo mandam as regras, assistida por um jovem que fala inglês (e que por isso suspeito ser da Gâmbia). Uma rica sandes de omelete que me custa menos de 1,50 Euros e mais um par de copos de sumo de Baobá.

O que se passa em Gorée depois do sol se deitar pode não ser o máximo da animação mas é mesmo assim agradável. As pessoas saem das casas ao serão, sentam-se à porta, em conversas de vizinhos. Os turistas já partiram. A oferta de alojamento na ilha é muito limitada. E os que ficaram parecem estar todos no mesmo local, num restaurante que por alguma razão está cheio enquanto todos os outros, vazios, se preparam para fechar portas para o dia.

A noite será repousante. O silêncio é rei em Gorée, e nem o minarete da mesquita incomoda, isolado que está, entre o planalto do “Castel” e o Março.

 

 

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