Neste dia parti para o ponto mais a norte (e mais no interior) onde chegaria no Senegal: Podor. Uma pequena cidade (ou deverei dizer, “grande aldeia”) encostada ao rio que estabelece a fronteira com a Mauritânia.
A aventura iniciou-se bem cedo, como sempre se devem iniciar estas andanças que implicam viagens de centenas de quilómetros pelas estradas senegalesas. Apesar de ao olhar por alto para um mapa não parecer, Podor está tão distante de Saint Louis como Dakar. E a vinda da capital foi um bocado desgastante.
Portanto é apanhar um táxi para a “garage” e suspeito que mesmo de manhã, antes do sol se levantar, não será especialmente complicado. E de facto, assim foi. Parece haver muita gente que vai para ali de táxi. Vi um, a voltar para trás, mas logo surgiu outro, e a seguir mais.
Foi simples chegar a acordo com o primeiro. O preço normal. 2.000 CFA. Num instante nos pusemos no terminal rodoviário. Lá estavam os sept places para Podor. Mas ainda se perdeu ali algum tempo. Mais uma vez tivemos que prescindir do primeiro para apanhar lugares minimamente confortáveis e o segundo demorou um bom bocado a reunir o número de passageiros necessário. No entretanto houve uns ligeiros problemas com uns putos de rua um bocado a puxar para o rufia, a primeira e única vez nestes dias de Senegal.
Fora isso, foi esperar. Apenas esperar. Talvez se tenha passado uma hora desde que chegámos ali quando a viatura finalmente se pôs em movimento. Depois do pára e arranca do costume (meter combustível, tratar da papelada para sair da “garage”, aceitar uma carga de última hora), começamos a rolar em direcção a Podor.
É uma viagem maravilhosa, por uma estrada ironicamente melhor do que a que liga Dakar a Saint Louis. Quer dizer, tecnicamente é a mesma, a N2, mas todo este segmento de uns 200 km foi arranjado recentemente e parece uma auto-estrada.
A carrinha leva uma velocidade constante por volta dos 75 km/h. As vistas são fascinantes. A região tem bem mais população do que eu esperava. Há aldeias e muita gente que aparece no horizonte, vinda de parte incerta, porque quase sempre aquilo é um deserto a perder de vista.
Aqui para norte há muito mais carroças de burros. Muitas mesmo. E alguma agricultura, o que também me surpreendeu.
Entre Saint Louis e Podor há uma cidade principal, Richard Toll, que não tem grandes pontos de interesse mas que serve de base para quem tiver dias para gastar e não quiser fazer a distância de uma só vez.
Há muito comércio aqui. A estrada atravessa a cidade e ao longo do par de quilómetros em que o faz a vida é louca. Multidões que se deslocam, lojas e lojinhas, um branco que caminha por ali como se tivesse vivido toda a sua vida ao virar da esquina. As vendedeiras de sempre, propondo tangerinas, amendoins, bolo, água.
A viagem prossegue depois, mais pausada, porque cada vez há menos trânsito. Lá fora as coisas continuam interessantes. As aldeias estabelecidas na paisagem desérticas passam pelos meus olhos.
Chegamos a Ndiayene e tal como eu receava o condutor pôs-nos a andar. Que ali era preciso mudar de viatura porque não ia mesmo até Podor. Mas para não me preocupar porque já tinha tratado de tudo, não devia passar dinheiro a mais ninguém.
Bom, tudo bem. Ficamos ali sozinhos, no terreiro que passa por terminal ferroviário. Há alguma confusão entre os agentes de transportes locais, algumas palavras trocadas e dizem-nos para esperarmos numa carrinha… OK… isto vai ser interessante… se calhar não percebi bem… é que a carrinha não tem volante. Um detalhe secundário, porque passados uns cinco minutos chega um homem e começa a montar o dito cujo. Em menos de nada estava pronta a seguir caminho e logo se foi enchendo de passageiros que iam aproveitar a boleia. Carrinha cheia e a caminho.
Até Podor são menos de 20 km, que mesmo assim demoram algum tempo a ser vencidos. Mas chegamos e veio logo aquela sensação de que iamos ficar muito bem por ali. Está calor, mas nada de brutal. Agora é caminhar. O hotel está a uns 900 metros, que se fazem muito bem, porque o passo é lento e pausado, em harmonia com a atmosfera da localidade.
Vêem-se aqueles pormenores. A padaria. A farmácia. Um camião com aspecto de que está ali parado há quarenta anos, mas que dois dias depois verei a circular na estrada. A mesquita que despeja uma multidão de homens para a rua. Obviamente uma das orações do dia acaba de terminar. Estou a gostar.
Chegamos. Amor à primeira vista com o Auberge Du Tékrour. Adoro! Já sabia que ia gostar, pelo que tinha visto online. É um abrigo, um paraíso. Esta antiga casa colonial passou de mãos muitas vezes. A sua história encontra-se disponível na agradável biblioteca. Tem um pátio cheio de sombras refrescantes e recantos para descansar. Afeiçoei-me especialmente à rede onde passei um bom bocado a ler. O quarto é a loucura. Uma viagem no tempo, a fazer-me lembrar os aposentos que experimentei em roças de São Tomé. Uma secretária de trabalho, casa de banho privada, uma janela para o rio e um terraço privado. Logo pedi uma cerveja Gazelle e perguntei onde podia comprar pão. O ajudante do hotel foi-me buscar umas baguettes de bicicleta e fiz um lanchinho que me soube mesmo bem.
Naquele momento não está ali mais ninguém. É um local mesmo pacato, mas suspeito que nos dias em que o cruzeiro fluvial de Saint Louis chega as coisas devem ser diferentes. Mais tarde chegam três jovens franceses. Dois rapazes e uma rapariga.
Vamos vê-los a explorar os cantos de Podor, na mesma onda que nós, indo mais fundo do que aquela superfície com jeitos aparentados ao turístico.
Podor é excelente para percorrer. Ao fim do dia enche-se de vida. As pessoas circulam, as lojas abrem, os meninos jogam futebol. As gentes são simpáticas, a segurança é total. Há um mercado diário numa rua, com muita animação. Falo um pouco, entre o meu pouco francês e um inglês razoável, com um homem de aparência digna, bem vestido, que me dá indicações dos transportes para Dakar.
O forte de Podor está encerrado. Vimos por fora. E a partir daqui as horas seguem idênticas. Eu já sabia que ia ser assim e era isto que queria. O tempo em Podor será para relaxar e fazer muito pouco e não podia ter escolhido melhor. Aquilo é, a só tempo, repousante e magnífico.
Conhecemos um jovem simpático que nos convida a ir com ele ver a horta que orgulhosamente mantém junto ao rio. Fala-nos do forte, com um grande sorriso. E lá segue, com a sua bicicleta pela mão.
No cais, que há cem anos atrás fervilharia de actividade, não existe nenhum navio atracado. Uma jovem de corpo bem feito lava-se nas águas do rio, de peito a descoberto, algo que nunca tinha visto no Senegal. Pesca-se. Há uma barcaça deixada a seco para a eternidade. O ambiente é bucólico, com a Mauritânia a espreitar na outra margem. Também lá há algumas actividades, que observamos, à distância.
A luz vai-se escoando. Descansamos um pouco antes de nos chamarem para jantar. Vamos tomar a refeição com os franceses, que se revelam excelente companhia. A conversa estende-se bem até depois da comida se esgotar. E pronto, foi isto.