E de repente, zás, atravessa-se meio Senegal e está-se de novo na Ilha de Gorée, na amada Ilha de Gorée, a doce ilha, local que me encanta, inspira, me faz sentir tão bem. Gostava e tenho o sonho de viver aqui uns tempos. Será viver? Diz-se viver? Sei lá, duas semanas, um mês. Vendo o tempo passar devagar e apreciando isso em vez de ser controlado pela angústia que o andar do relógio tanto causa no nosso mundo. Chega de filosofia. Vamos aos factos.

Sair de Saint Louis para o Senegal é fácil. Táxi para a estação rodoviária. 2.000 CFA é um valor justo. Numa gare pequena como aquela encontram-se logo os sept place para Dakar. Resta esperar. No que está para sair não há lugares aceitáveis. Só lá atrás, todos encafuados. Melhor esperar.

Tive que aturar uns putos mal-educados, um bandozinho de potenciais futuros bandidos, mas nada de especial. Vão espalhar as suas diabruras para outro lado. E lá partimos, longa viagem. A distância é a mesma que entre Saint Louis e Podor mas a estrada é bem pior e os últimos 100 km, desde um pouco antes de Thiés, são sempre chatos. Muito trânsito. O condutor foi à volta, contornou Thiés, o que foi uma boa ideia e deu para ver uma coluna de veículos blindados que transitava por ali.

Em Dakar. Agora é negociar com um taxista um ida para o porto. Estava difícil. Nenhum estava a aceitar um valor minimamente justo. Um senhor mais velho lá foi razoável. Seguimos. O trânsito está um inferno. Ele vai por vielas super secundárias para escapar ao problema. Rato velho, sabe do ofício. Acabou por se tornar um trajecto bem interessante até que… entramos numa rotunda e há polícia.

Mandam encostar. Levam os documentos. Quer dizer, eu gostava de apanhar o próximo barco, porque depois há um espaçamento de duas horas e seria não só uma seca com uma perda de tempo… sentado no terminal em vez de estar na maravilhosa ilha.

E agora a cena burlesca: um dos polícias – eram dois – manda parar qualquer coisa, nem vi o quê, pareceu-me uma motorizada. Que desobedece. Prrriiiiii !Priiiiii! Sopra ele furioso no apito. Sem efeito. O agente não está de modas… salta para o estribo traseiro de uma pickup que vinha a passar e como nos filmes: “-Siga aquela viatura”. E desaparece no horizonte, empoleirado, a espumar de ira.

Mas a história não acaba aqui. De repente volta o nosso condutor, com ar desconsolado. Então, o que se passa? Ah! O outro polícia arrancou para parte incerta e levou os “nossos” documentos com ele. Portanto, temos uma motorizada em fuga, um polícia pendurado num estribo de uma pick-up em sua perseguição, um segundo agente em busca do companheiro e um taxista atrás de toda a gente na tentativa de recuperar os seus documentos.

O nosso amigo acabou por desistir, praguejando e desesperando, especialmente quando lhe dissemos que tínhamos um barco para apanhar. Aí foi incrivelmente profissional, acelerando, esforçando-se para ser rápido. No início tinha sido um pouco irritante pois tinha pedido o quadruplo do valor justo, mas acabou por ser tão porreiro e estava a ter um dia tão mau que lhe dei mais do que o combinado e vi-o ficar um pouco feliz.

Bebi uma Fanta na cafetaria do terminal, que aconselho. As bebidas estão geladinhas, os preços são baixos e a variedade é muita. Foi esperar um pouco e logo partimos, para a travessia até à ilha.

À chegada uma certa tourada porque não quisemos pagar a taxa de turismo para visitar a ilha. Nem quero falar disso. O resto do dia foi o revisitar dos cantos queridos de Gorée, foi deambular por partes já conhecidas. Desta vez, ficámos mesmo em casa do Eric e da Kuna, e sem pagar! Convidados da família!

Andámos de volta do forte, fomos aos pontões, parei para beber a minha cerveja Gazelle do dia, no meu pouso favorito, em frente ao cinema, e aproveitei para escrever um postal a um amigo, até porque o posto de correios é no mesmo edifício.

Subimos ao “Castelo”, onde se encontram os imensos canhões. Descemos. Mais uma cerveja num restaurante com vista para o lado oposto que me tinha ficado no goto aquando da primeira passagem.

Metemos o nariz numa casa antiga (bem, são todas antigas) que parece ser uma instituição social de algum género. Já na primeira passagem tínhamos visto uma turma de mulheres a fazer ali dentro uns trabalhos, ou a aprender a fazê-los. Um senhor apresenta-se e fala-nos do projecto. É uma associação de apoio às crianças, algo de genial, criado por uma menina de treze anos.  Falamos com uma voluntária francesa que ali está a trabalhar, vimos aquilo tudo, pessoal cinco estrelas.

Ali perto é o casarão que serve de quartel de bombeiros. Por esta altura do dia sinto-me merecedor de uma terceira cerveja, vou a um sítio onde tinha estado antes, ideal para trabalhar… mas hoje tem demasiada gente e barulho, de forma que me fico pela cerveja e algo para comer. É mesmo perto da “nossa” casa.

O dia passa-se assim. Conversa com o Eric e com a Kuna. Refazer caminhos já conhecidos e revisitar. Vou ter saudades da ilha. E vou tentar regressar… um dia.

 

 

 

 

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