Dia 10 de Janeiro de 2020, Sexta-feira
Havia autocarro de Salamina para Aguadas às 8:20. Mas, claro, acordámos bem mais cedo do que isso. Um pouco de preguiça matinal mas ainda saí para mais um cheirinho de Salamina. A ideia era beber uma macana antes de partir, mas na hora da verdade não me apeteceu. Andei apenas ali pela praça a ver as coisas. Dois polícias de mota que chegaram para revistar dois cidadãos que lhes pareceram suspeitos. As pessoas que começavam a ir aos seus afazeres. E pronto, estava na hora de dizer adeus a Salamina.
A ida até à zona dos autocarros, onde um taxista nos assedia um pouco. Que nos levava pelo mesmo preço e que podíamos ir já. E eu, que lhe dizia que gostava de autocarros e não me importava nada de esperar. A coisa andou ali em círculos até que o homem se convenceu e atravessou a rua para tentar angariar clientes do outro lado.
O autocarro partiu atrasado e demorou mais de duas horas a percorrer uns 40 km. Esta é a essência da viagem na Colômbia rural. Uma boa parte das estradas são mais picadas em terra batida. Nesta região montanhosa o percurso é sinuoso, curva e contra curva, ora para cima, ora para baixo. Há as paragens para deixar entrar pessoas ou simplesmente carga. E para que elas depois saiam.
Mas é tempo bem empregue. A paisagem é deslumbrante, com cumes montanhosos a perder de vista. O tempo, magnífico, realça a beleza que me envolve. No mar de verde que cobre as encostas vêem-se os pequenos pontos brancos que correspondem a fincas. De café, concerteza. Por vezes também de banana. Os arbustos de café distinguem-se facilmente. São de um verde escuro mas brilhante, como as nossas estevas quando a sua resina está no seu melhor. Por vezes cobrem grandes extensões.
Algumas das habitações das fincas estão junto à estrada, e quando assim é pode-se espreitar detalhes da vida quotidiana destes camponeses. Os cavalos e as mulas fazem parte do cenário. São omnipresentes.
Depois de muitos altos e baixos, de curvas e contra-curvas, de paragens, chegamos enfim a Aguadas. Digo desde já: das aldeias históricas visitadas nesta viagem pela Colômbia foi a que menos me agradou. Gostei, mesmo assim, mas falta-lhe o charme que encontrei nas outras. A praça principal não tem ambiente, as pessoas são diferentes, claramente um furo abaixo em termos de hospitalidade e simpatia colombiana.
O autocarro deixou-nos no terminal. Surpresa das surpresas, o hotel reservado é literalmente a porta seguinte. Bem, não foi preciso andar muito nem o seria necessário fazer na hora da despedida.
O Casablanca Hotel é novo, limpo, branco, imaculado, mas não tem a menor das áreas comuns. O nosso mundo ali resume-se ao quarto. Deixadas as mochilas, vamos lá explorar Aguadas.
O primeiro passo, de forma natural, é a praça central. Pouco interessante. Lá está a incontornável igreja, os cafés. Mas nem uma só esplanada. As ruas mais próximas também não são especialmente inspiradoras.
Encontramos no quarteirão por detrás o Centro de Cultura e isso sim, foi uma bela coisa de se ver. No seu interior existem dois museus transformados em um: o do Aguadeño, um sombrero manufacturado em Aguadas e que tem fama de ser do melhor que se encontra na Colômbia, e o da Vida Aguadeña, uma espécie de manta de retalhos com objectos e temas diversos sobre a vida passada e presente na aldeia e região envolvente.
O museu dos sombreros é excelente. Pequeno, claro, e limitado ao tema. No fundo, é uma simples colecção de chapéus, com alguns exemplares de outras partes do mundo. Muito bem organizado e com uma exposição agradável, recomenda-se.
O outro museu – e, volto a dizer, estão integrados um no outro – tem uma série de salas, muito interessantes. A primeira em que entrei reúne objectos do passado. Em miscelânea. Adoro. Adoro este tipo de colecções! Depois há salas dedicadas a temas diversos. Uma réplica de uma albergaria tradicional, um espaço dedicado às tradições indígenas. Tudo isto numa casa tradicional com boas varandas que oferecem perspectivas diferentes da aldeia.
Neste momento o vibe negativo inicial tinha sido atenuado. De seguida subi ao cerro das antenas, chamado de Monserrate, como o de Bogotá. Pensei que ia ser uma caminha fatigante, até por causa da altitude, mas na realidade a ascensão é suave e sempre por estrada.
Num instante pus-me lá em cima. E maravilhei-me. As vistas são loucas! Resumem tudo o que se vê das janelas do autocarro por estes caminhos. Só que aqui não abanam e não existem janelas castrantes. É tudo nosso, para ver com todo o tempo do mundo. E fotografar.
Há um pequeno café, um monumento ao Cacique. Quase ninguém. Sou eu e os quatro cavalos, lindíssimos, que por ali pastam em liberdade. Respiro bem fundo. Um momento alto. Até de forma literal, a 2.300 m de altitude.
Do outro lado, a vista é para Aguadas. A erva baixa é convidativa e deito-me, esticado ao sol, a ler. Ouvem-se os sons da aldeia. A buzina estridente que uma chiva faz soar quando parte da praça central. Pouco depois passa mesmo por debaixo de mim, já na estrada aberta. Uma fiesta com rodas, o tejadilho cheio de gente que ri e grita de divertimento.
Deitei-me na erva tenra e, enquanto apreciava a tranquilidade envolvente, saquei do meu livro e deixei-me estar a ler. Um pouco depois chegaram três tipos para ali fumar o incontornável charro, uma presença constante na Colômbia que conheço.
A contragosto pus um ponto final naquela pequena expedição ao cerro. Desci. Seguiu-se um almoço no único primeiro andar da praça. Comi a melhor pizza da Colômbia. Num prato com bandeirinhas onde avistei a de Portugal.
Já não se fez muito mais. Aguadas não foi a chave de ouro para encerrar a volta pela região do café, mas apenas porque as paragens anteriores foram tão extraordinárias. Uma volta pela zona cafeteira é algo que nenhum viajante que passe pela Colômbia deverá deixar de fazer.
Ao final da tarde fui meter o nariz no posto de turismo, localizado na praça central. Apenas porque não tinha mais nada para fazer. E em boa hora! Vinham umas pessoas a sair e logo o senhor que assegurava o funcionamento me perguntou se precisava de algo. Bem, na realidade não, mas havia uns folhetos interessantes e pedi-lhe alguns. Foi o tiro de partida para uma longa e deliciosa conversa.
O homem, nos seus sessenta anos, de estilo muito local, sombrero na cabeça, era um verdadeiro apaixonado: pelo seu país, pela sua região, pela sua cidade e pelo que fazia.
Quando já tínhamos decidido que o dia estava acabado e nos preparávamos para regressar ao quarto para descansar até de manhã, aquele tipo motivou-nos a fazer outras coisas. Falou-nos apaixonadamente do doce especialidade de Aguadas, o Pionono, e de como uma vida de nada valia se não se pudesse começar e acabar o dia com uma destas fatias de torta e um tinto, como aqui chamam ao café comum. Indicou-nos as melhores casas para o fazer e foi assim que, já noite feita, saímos em busca desta experiência local.
Os primeiros nomes indicados eram demasiado obscuros para quem já estava cansado e anteriormente pronto a recolher. E foi assim, nesta demanda, que fomos encontrar La Tertúlia, um encantador café que, como o nome talvez procure indicar, está talhado para o segmento da população de Aguadas mais letrado.
Os donos, um casal relativamente jovem, acolheram-nos com muita hospitalidade e se não havia Pionono, pois isso não seria problema, e logo ele saiu para a rua em busca do melhor Pionono da terra para nós. Acabou por ser uma forma muito agradável de nos despedirmos desta terra.