Dia 18 de Fevereiro de 2020, Segunda-feira
Pequeno-almoço no hotel e exploração do centro de Potosí. Já mais descansado e refrescado vi a cidade com novos olhos. As impressões mantêm-se. Sobre a tristeza predominante. Afinal, é uma cidade mineira, e as vidas nestas comunidades não costumam ser fáceis.
Andei pelas ruas, encantado com a atmosfera única. Lá em cima o céu continuava cinzento, mas para já a chuva mantinha-se ausente. Parece que o clima é mesmo isto em Potosí, onde a normalidade é o frio e o tempo nublado com bastante chuva.
Reparei com um sorriso que também aqui chegaram as “zebras”. Uma iniciativa estudantil que começou em Sucre. Jovens que se vestem com um completo fato de zebra e andam pela rua ajudando os cidadãos e levantando os ânimos com as suas momices e boa disposição. E que falta fazem em Potosí!
Encontrei a entrada para as visitas guiadas à catedral, que se mantém estranhamente fechada ao público. Fica por detrás do edifício. Compro o bilhete e tenho uma visita com um simpático jovem. Mostra-me o interior da catedral, fazendo uma introdução à história do templo e chamando-me a atenção para alguns detalhes. Mais tarde diz-me que a sua única formação foi dada pelo padre, num só dia.
Vamos a uma das torres sineiras e isso, só por si, vale o preço do bilhete. A vista de lá de cima é fabulosa, mas é preciso algum fôlego para trepar até ao topo, pois estamos a mais de 4 mil metros de altitude. Será provavelmente o melhor ponto de observação da cidade. Vê-se o Cerro Rico, o monte onde no século XVI os castelhanos encontraram o maior filão de prata do mundo. E os telhados da cidade antiga, de cor de laranja muito intenso. A praça principal está mesmo ali, aos meus pés, e observo toda a vida que ali fervilha.
O meu guia fala-me de alguns pontos de interesse que recomenda, claramente na sua opinião e não do seu padre tutor. Sigo um deles, porque para mais não tenho tempo. É para uma outra igreja, cujas torres se podiam ver dali.
Vê-se algum azul no céu e as cores começam logo a sobressair. Num dia de sol esta cidade há-de ser uma coisa lindíssima.
Bem, são quase 11 horas. Vou para Uyuni. Passo pelo hotel a recolher a mochila, confirmo com o pessoal que o autocarro para o terminal rodoviário passa ali à porta e saio para a rua.
De facto, passado uns minutos, aproxima-se um desses mini-autocarros em cujo cartaz é referido o novo terminal, diferente do antigo. Faço sinal, salto lá para dentro. Em Potosí não há propriamente paragens, param em qualquer sítio.
Chego à estação, entro e logo alguém me chama… Uyuni, Uyuni! Está para sair. E não é mentira. Já quase ao portão de saída um autocarro manobra, dizem-me para correr e eu corro, grande confusão, há outras pessoas que fazem o mesmo. Salto lá para dentro. Correr, com mochila, a 4.100 metros, é um esforço considerável.
Atrás de mim entram quatro polacos. E assim, num instante, estou a caminho. Será uma viagem descansada. Em meu redor, depois de alguma excitação, os eslavos descansam. Todos os outros passageiros dormitam.
A paisagem é interessante. A viagem dura quatro horas, mais coisa menos coisa. Antes de Uyuni passamos a Pulacayo, às suas portas, por assim dizer. Uma aldeia mineira que gostaria de ter visitado mas não o fiz. Tinham-me dito que os autocarros não parariam ali mesmo que eu pedisse, por serem directos e quererem chegar depressa. Não sei porque me deram uma informação de forma tão segura e tão errada, pois ali chegado saiu uma série de gente e entraram outras quantas pessoas. Mas não ia preparado, e a altitude começa a afectar-me.
Parece que tenho uma particularidade: enquanto as pessoas normais se habituam à altitude, comigo passa-se o oposto, vou-me desgastando. E já vão quase duas semanas a andar acima dos 2500 metros. O resultado é um cansaço quase permanente e, ao fim do dia, olhos raiados de sangue e muito sono. Terá sido esta falta de energia que me manteve agarrado aquele banco de autocarro em frente a Pulacayo.
Logo a seguir chegamos. Caminho até ao hostel que reservei, literalmente na praça principal, mas um pouco recuado. Barulho, ou melhor, a sua ausência, será a única coisa boa que ali encontrei. Um dos locais para dormir mais ranhosos onde me lembro de ter ficado. Em toda a vida, o que diz muito.
Uyuni é movido pelo turismo e pela indústria do sal. Um buraco perdido no fim do mundo, sem qualquer ponto de interesse para além do mítico salar. A praça principal é uma sequência porta sim porta sim de hostéis e restaurantes para turistas, com preços absurdos, como se de repente tivéssemos chegado, sei lá, a Copenhaga. Decididamente, alguns bolivianos estão ali a fazer muito bom dinheiro.
Mas até sabe bem. Para variar. Agora a primeira prioridade é tratar de comprar a minha tour daqui, pelo salar e até ao Chile. Há uma infinidade de agências, umas melhores que outras. A minha escolhida foi a Andes Salt Expeditions. Pareceu-me oferecer a melhor relação qualidade-preço, pelo que li nos testemunhos no TripAdvisor. E depois, em Potosí, um sinal do destino: ao andar por lá dei de caras com um escritório da empresa. Recolhi todas as informações e só não comprei logo porque pensei que poderia talvez sacar um preço mais baixo se comprasse em Uyuni na véspera. E acertei. Depois de me certificar que a simpática funcionária não recebe por comissões (ainda tenho alguma moral), disse-lhe que nesse caso preferia comprar em Uyuni, não fosse acontecer alguma coisa e não poder ir (uma forma de me justificar sem a ofender).
E portanto fui direitinho ao escritório, perguntei o preço, era uns 10% mais barato. Paguei 120 USD pela viagem de três dias. Considerando que inclui tudo, ou seja, transporte, alojamento e alimentação, parece-me um valor bastante razoável.
Agora, era ir em passo acelerado ao famoso Cemitério de Trens, um depósito de material ferroviário abandonado que fica na orla de Uyuni. Na realidade, todos os tours se iniciam com uma paragem aqui, mas comecei a pensar que seria o tipo de coisa que me interessaria especialmente e não queria ver o local com tempo limitado. Além disso era capaz de haver demasiada gente, com as tours a partir e a chegar aqui quase à mesma hora.
Então lá fui. Num fim de tarde tranquilo, pelo meio do deserto frio. 2,5 km para cada lado. Não se via ninguém, de tal forma que o meu sentido de perigo disparava quando ao longe avistava um par de homens a caminhar relativamente perto.
Aquela hora, com poucas pessoas, o Cemitério de Trens foi uma experiência fabulosa. As locomotivas e vagões estendem-se ao longo de centenas de metros, e nos primeiros não havia mesmo ninguém. Apenas no ponto de maior concentração, onde existe por perto um parque de estacionamento, alguns bolivianos visitavam.
As fotos que tirei foram excelentes, e deixo aqui uma pequena galeria com os melhores retratos. Adianto já que não se passou mais nada de significativo deste dia. Jantei um porridge saboroso e caríssimo num dos restaurantes lá da praça e conheci um basco com um inglês tão perfeito que pensei que era mesmo britânico.