Depois do susto e de tensão dos últimos dias este foi algo em grande. Finalmente tenho uma lente, posso voltar a fotografar, a respirar, a viver, a viajar. E tenciono fazê-lo em grande. Vai ser o último dia em Granada, sei que vou sentir falta desta cidade maravilhosa, do hostel Floresta Negra, que foi um verdadeiro lar para mim, e dos anfitriões, Mercedes e o seu colega, cujo nome foi apagado da minha memória, vou chamá-lo de Jorge, porque se não o era, seria algo com um nome muito semelhante.
Saí do hostel bem cedo, rumo a uma das estações de autocarros de Granada. O destino, para já, era Masaya, onde mudaria de autocarro, rumo a Catarina. As ruas de Granada já têm movimento. A porta da igreja está aberta. Reza-se lá dentro. As vendedeiras de fruta tem a mercadoria a postos e os barbeiros aviam os primeiros clientes da manhã. Na rua onde o comércio é mais intenso as bancas começam a ser povoadas.
Perco-me um pouco, incapaz de lidar com o mapa tosco que me deram no hostel. Mas pergunto a alguém e logo estou de novo na direcção correcta. Mais uma vez a bênção de falar a língua local.
Esta estação não é bem uma estação. Mais um pequeno terreno baldio com três ou quatro autocarros, daqueles das escolas que vimos nos filmes norte-americanos dos anos 70 ou 80, e nem todos parecem capazes de ir a algum lado. Um deles está a ser carregado, é uma azáfama que ali vai. Mas o meu, talvez por ir para parte, ali para o lado para Masaya, é mais discreto.
Vejo os jornais nas bancas. Fala-se do novo vírus Zika. Acabou de chamar a atenção do mundo e parece que estou no epicentro da sua disseminação. A nação está em pânico. As coisas mão mudam, a cultura do medo vale aqui o que vale noutras partes do mundo.
A viagem até Masaya é simples e encontrar o autocarro certo para seguir viagem também é simples. Aqui nesta cidade os autocarros fazem base junto a um enorme mercado, é um espectáculo inesquecível, atractivo, exótico. As pessoas passam por Masaya com frequência, é um centro de distribuição de gente. Toda as estradas da região aqui vêm ter.
Os produtos nas bancas são diferentes, muitos deles completamente desconhecidos para mim. Há pilhas de abacaxi. Imensas. Nunca vi tantos abacaxis juntos. Mas meto-me no autocarro, tenho um lugar à janela, vou continuando a ver o mercado enquanto não arrancamos. Os lugares vão-se compondo, quase tudo gente que viajou das aldeias e até mesmo de Catarina. Vieram à cidade tratar de assuntos, comprar qualquer coisa, visitar amigos ou família.
Seguimos. Catarina não é longe, o autocarro deixa os passageiros na estrada principal e cada um faz pela vida para chegar onde tem que chegar. Uns apanham os táxis locais, que não são mais do que simples tuk-tuk, um veículo popular na América Central. Outros esperam por autocarros que passarão também ali, sem entrar na aldeia, fiéis ao asfalto largo. Alguns desaparecem do local caminhando. E é a esses que sigo, sei para que lado fica a aldeia, vou explorar.
Catarina não tem nada de especial, mas mesmo assim gostei de aqui vir, foi uma pitada de sal que mandei para o já delicioso prato de Granada. Foi bom mudar um pouco de ares, descobrir um cantinho novo. Estou numa aldeia, ando um pouco por ali. Sei que da localidade se tem uma vista magnifica sobre o grande lago, Laguna de Apoyo, formado na cratera deixada pelo impacto de um meteorito. Mesmo do outro lado, sem contudo se ver, está Granada. Muito perto, mas longe para quem viaja por estrada.
Vou subindo e vejo que me aproximo do que procuro pela intensidade de bancas de venda claramente vocacionadas para turistas locais. Entro num recinto e quase que vejo a vista antes de a ver, sente-se a abertura do horizonte, a amplitude do espaço. Há por ali gente, não muita, também a apreciar o panorama. Imagino que aos fins-de-semana a confusão deva ser enorme, mas naquele dia está tudo calmo.
Quatro amigos andam por ali e confesso que fiquei ligeiramente paranóico quando mais à frente dei por mim num ponto remoto na companhia dos mesmos quatro, mas não se passou nada. É complicado lidar com a questão da segurança na América Central. Por um lado nunca se vê perigo, excepto, no meu caso, nas grandes cidades. Mas ele existe. Há demasiados relatos de viajantes para ser fumo sem fogo e de qualquer modo as estatísticas estão lá. Contam uma história. Contudo, para mim, foi sempre isto, uns arremessos de cautela que sempre se revelaram desnecessários e se calhar às tantas baixei as defesas em demasia, mas a verdade é que voltei a casa quase intocado pelo crime. E a parte do quase terá que se ver mais tarde, já na Guatemala.
Deixei-me andar por ali com toda a calma do mundo. O céu ameaçava chuva, mas não chegou a acontecer. Senti-me com todo o tempo do mundo, desejoso de descontrair depois do mau bocado passado nos dias anteriores. Chegou de qualquer modo a altura em que dei Catarina por esgotada e iniciei o caminho de regresso à estrada, esperando encontrar um autocarro para Masaya.
Antes, contido, parei numa Papuseria, um local especializado na preparação e venda de Papusas, uma espécie de pastel recheado, uma especialidade originária de El Salvador mas que é vendida também nas Honduras e na Nicarágua. Uma excelente “chave inglesa” da alimentação para o viajante: agradável ao palato, barato, saciante, nutritivo e sempre presente.
Deu um bocado de trabalho para encontrar um autocarro de volta a Masaya, mas acabou por acontecer. Deixo-me perder por uns instantes no mercado que tinha visto à ida. Parece estar agora ainda mais animado. Regresso a “casa”. Granada está agora mais quente. O céu limpou e o calor instalou-se. Estamos no pico do dia, é Domingo e não se vê ninguém nas ruas. A avenida do comércio está agora vazio. Páro um pouco para uma garrafa de Toña bem geladinha e depois deixo-me deslizar até ao Floresta Negra. Está na hora de relaxar um pouco, tomar um duche, esticar os músculos na rede.
Deixo-me estar assim um bocadinho, mas o som de festa desperta-me, arrasta-me para a rua. Vem da praça principal, que apesar de uma certa distância fica ao fundo da rua do hostel.
Há bailarico, toca uma banda. Discursa-se. O coreto é o centro de tudo. Os músicos revezam-se e o público começa a tomar balanço, alguns já se aventuram para um pezinho de dança e afinal de contas os melhores serão os mais velhos, sobretudo uma velhinha de pele muito engelhada, sei lá, poderia ter 80 anos, facilmente, mas desliza como uma pena, dançando sozinha, abraçando um par imaginário. Os junkies ou alcóolicos usam a sua desinibição adquirida na improvisada pista de dança.
Integrei-me na multidão, é fácil para mim, ali. Confundi-me com eles como um camaleão, sentei-me no chão e fui fotografando. Foi um momento alto da viagem, daqueles que não se esquecem.
Noutra parte do parque, uma série de “zombies” reúne-se em redor de um par de árvores. “Bebem” da rede Wi-Fi gratuita que ali há. Jovens com negócios suspeitos deambulam. Cheira-me a prostituição. Feminina e masculina.
Já estou saciado e regresso para um pouco mais de descanso. Sei que é o último dia em Granada e quero beber um último gole da cidade: ao serão sairei de novo, para uma última volta. Caminho pelas ruas próximas, compro uma bebida numa loja de conveniência. No dia seguinte, rumo a Léon!