Não é fácil escrever sobre Antígua. Em primeiro lugar porque é dos lugares mais fotogénicos que conheço. Então chega-se ao fim do dia com centenas de fotografias, entre as quais se torna complicado seleccionar umas poucas, e quando chega a hora de preparar o diário, há sempre fotos a mais para texto a menos.
Acordei muito cedo, ainda nem era bem de dia. A ideia era explorar a cidade antes dos turistas começarem a acordar e dos locais, dos quais muitos virão da Cidade de Guatemala, chegarem para mais um dia de trabalho. Há pontos lindíssimos da cidade, mas durante o dia há tanta gente que é complicado apreciá-los e fotografá-los. Especialmente na parte mais central. Além disso, gosto bastante da fusão de luz entre a iluminação artificial que ainda está ligada e os primeiros raios solares.
O Arco de Catalina é um destes sítios, e também um dos mais fascinantes que conheço. Fica bem a toda a hora e sob todas as condições de luz. Gosto especialmente do enquadramento com o vulcão por detrás. Tinha também notado algumas casas mais antigas, com detalhes decorativos em pedra, mas não tinha conseguido fotografar nada por causa das pessoas que não paravam de passar. Esta manhã tudo isso ficou resolvido, apesar de ter regressado mais uma série de vezes ao Arco para capturar a sua imagem sob diferentes condições e temperaturas de luz.
Fui bater terreno, descobrir onde era a estação de autocarros. Estação será uma forma de dizer, porque o que ali existe, na periferia da malha urbana de Antigua, é um terreiro amplo onde se encontram estacionados os autocarros que partirão em breve. Existe uma pequena feira que depois, com o correr do dia, se avoluma, enchendo uma longa estrada que vem direito ao centro da cidade.
Deliciei-me com os velhos autocarros escolares norte-americanos que depois de chegarem à Guatemala foram primorosamente decorados, tal como acontece no Panamá. Foi nestes dois países que vi os Chicken Bus mais loucos. Diz-se que alguns trabalhos de decoração valem mais do que o veículo onde são aplicados.
Aquilo é um fluir constante de máquinas que chegam e vão. Alinham-se em grupos vistosos, os condutores e ajudantes encostados, ao sol, a trocar impressões. Quando passam, deixam uma nuvem de poeira, que os raios de sol da manhã penetram obliquamente criando belos efeitos.
Voltei ao Arco de Catalina. Nova perspectiva. Mais luz. Ainda não há muita gente nem carros a esta hora. Fui-me afastando do centro.
Depois de passear por aquelas ruas lindas, iniciei a caminhada até ao Cerro da Cruz, um topo de colina ali próximo, onde existe uma cruz que parece abençoar Antigua. É o passeio popular, mas durante muito tempo foi perigosíssimo subir até lá. Era quase certo que se seria assaltado, porque o acesso pedestre se faz através de um trilho íngreme pelo meio de uma floresta e, enfim, já se vê, o paraíso para o meliante. Mas agora a Polícia de Turismo garante a segurança da zona, com dois agentes que todas as manhãs fazem o percurso e depois o patrulham ao longo do dia. Nunca mais foram registados assaltos.
Gostei de percorrer as ruas da cidade até ao início do trilho, na sua periferia, uma zona onde não se sente a presença constante de turistas. O passeio pelo trilho foi também delicioso, um pouco de contacto com a natureza depois de vários dias em localidades. E chegar lá em cima e ver Antigua que se estende aos pés é qualquer coisa extraordinária. Pensava que tinha sido a primeira pessoa a subir, porque quando me aproximei do início do trilho vi os polícias a chegar e a iniciar a sua primeira ronda, mas a verdade é que ao alcançar o topo já lá estavam duas moças norte-americanas e alguns locais que faziam a sua marcha desportiva matinal.
Deixei-me estar, satisfeito por tudo mas ligeiramente frustrado com as nuvens que chegavam e estragavam um pouco as condições de luz para fotografar aquele cenário fabuloso e tapavam completamente o enorme vulcão que espreita constantemente Antigua. Sentei-me, a ler um bocado. Depois chegaram uns turistas asiáticos. Reparei que por cima há um acesso para quem chega de carro. Era tempo de descer, e regressei ao centro histórico.
Explorei um pouco as ruas ali em redor, descobri mais uma capela em ruínas, daquelas que assim ficaram os tremores de terra do século XVIII. Voltei ao centro, nas calmas, apreciando cada passo.
Encontrei abrigo no excelente Café Estudio, mais um entre tantos estabelecimentos agradáveis deste género que existem em Antigua. Fica numa esquina, com uma decoração personalizada com base no tema “café”. O local ideal para ler um pouco e trabalhar, oferecendo Wi-Fi gratuita, claro. Deixei-me estar por ali um bocado, a bebericar um chocolate quente (não, não gosto de café).
Depois, vagueei mais um pouco. É preciso passar vários dias em Antigua, calcorreando-a de manhã à noite, para começarem a escassear locais para descobrir ao acaso. Encontrei uma praça com um lago, uma fonte e um bonito lavadouro público. Passei pela praça central onde observei melhor a alcaidaria, ou seja, o edifício da câmara municipal. Dei com o posto de turismo principal, servido por pessoal com grande brio profissional. Vi vendedeiras com sacas de nêsperas, igrejas em uso e em ruínas. Jardins públicos com fiadas de palmeiras, meninos a jogar à bola, vendedores de gelados. E mudei de hostel.
Sim, fui buscar as minhas coisas ao anterior hostel, que de facto não deixou boas recordações, e passei para o Base Camp. Não tem nada a ver! Muito, muitíssimo melhor, bom mesmo. A única coisa desagradável foi circunstancial: o mau cheiro pestilento da roupa suja e da desarrumação do meu pequeno dormitório, mas isso é com os meus queridos companheiros de estadia, não é culpa do hostel. Adorei o espaço. Tem uma filosofia de aventura. Organizam expedições aos vulcões envolventes, desde as mais simples até às hard core, com escalada e dias de campismo pela encosta acima.
Nos cantos há pilhas de corda, capacetes de escalada, grampos, todo o tipo de equipamento. Há um terraço adorável com vista directa para o vulcão, uma sala escura com equipamento de qualidade para ver filmes e serviço Netflix às ordens dos convidados. A sala de chillout como o dono (gerente?) do hostel ma apresentou. O pequeno-almoço toma-se em conjunto, a uma só mesa. Há um pátio interior com uma mesa de pingue-pongue. E há pessoal muito porreiro. Recomendo! Podem ver aqui, no Hostelz, a análise completa a este hostel, pelo vosso amigo Cruzamundos.
Depois de me instalar voltei a sair para a rua. Parei num café agradável, com um espaço interior fresco onde existia uma fonte. Bebi um sumo de fruta. Com o céu muito carregado dirigi-me para a estação de autocarros. Já conhecia o local pela manhã, agora queria ver aquilo a uma outra hora, com a feira totalmente armada.
É um mimo. Há barraquinhas a vender de tudo, há barbeiros e tascas. Alguns móveis, uns poucos em edifícios. Muita gente, ao fim da tarde. Uma multidão que circula, para cima e para baixo. Mesmo antes de entrar na zona da feira, na última grande rua de Antigua para aquele lado, há uma série de pastelarias, que para mim deram um jeitão ao longo dos dias que passei na cidade.
Fui devagar, apreciando o ambiente, gozando o momento, consciente do privilégio da minha vida de viandante, olhos muito abertos, câmara pronta. As bancas de fruta são as mais ricas, visualmente, com toda aquela cor que sabemos. Mas tudo tem encanto num local assim.
Cheguei lá acima, ao recinto dos autocarros, bem mais cheio agora do que de manhã. Há uma força militar a garantir a segurança da zona, homens de camuflado, armas automáticas Galil, dispersos, cobrindo a área.
Começo a sentir fome, procuro algo para comer e chego a acordo com o tipo para me cozinhar qualquer coisa de que nem sei o nome, mas sei que é barato. Já saciado compro noutra banca um baldinho de fruta aos pedaços, um petisco que repeti vezes sem conta em Antigua.
Depois iniciei o caminho de regresso ao hostel. Um longo caminho, porque quando se está num sítio assim há uma razão para parar a cada dez passos, uma coisa que chama a atenção a cada esquina, e que nos impede de caminhar directo ao destino.
A principal história deste retorno acontece quando vejo um homem que trabalha num modelo de camião de bombeiros feito apenas de latas de cerveja. Não o está a vender, a sua banca é de outra coisa qualquer, aquilo é um hobby. Os meus olhos cruzam-se com os dele, sorrio, faço um gesto de aprovação e continuo. Mas volto atrás, e pergunto se posso fotografar. É isto:
Lá em cima as nuvens continuam a oferecer um tecto compacto a Antigua. Mas quando há tanta cor, nem um diz cinzento a consegue roubar. Vou-me deliciando com as últimas barraquinhas da feira que fica para trás, e torno a entrar na cidade.
A noite vai caindo, devagar, e descubro que a esta hora se monta um enorme mercado de comida em determinada área, com todo o tipo de bens. Churros, sumos, fruta arranjada, refeições completas, pastelinhos, bolos e outros alimentos, misteriosos, que não identifico e não compreendo.
A luz altera-se, entra no melhor do dia, quando como de manhã a iluminação artificial coexiste com a natural. Cada vez há mais pessoas nas ruas, é a hora de ponta local, que ao contrário do desconforto que significa numa grande cidade, com engarrafamentos e apertos no metro, aqui significa festa, alegria, a celebração de um dia de trabalho que acaba dando espaço para o convívio com a família e amigos.
Vou andando para o hostel. Tenho que aprontar as coisas para a minha viagem do dia seguinte, a Chichicastenango e ao seu famoso mercado, tido como um dos mais coloridos do mundo. Vou pensando nisso quando me cruzo com um estranho cortejo de rapazes vestidos a rigor e com balões cor-de-rosa nas mãos. Decididamente Antigua está cheia de surpresas.
Chego ao Base Camp. Investigo um pouco. Há informação de autocarros para Chichicastenango. É preciso mudar várias vezes, não é uma aventura simples, especialmente para os “gringos” que não falam castelhano. Falo com o meu anfitrião e ele diz-me que é possível cortar uma das escalas. Posso ir de Antigua para Chimaltenango, e de lá apanhar um que vai para Santa Cruz del Quiché passando em Chichicastenango. Parece-me bem. Tinha lido que era preciso sair em Los Encuentros, um entroncamento numa estrada principal que serve de ponto de encontro (daí o nome) para ligações locais, e apanhar uma carrinha para o meu destino final.
OK, quanto a transporte está decidido. Alojamento: em Chichicastenango só encontro três opções e uma é de luxo. Vou para a mais barata. El Telefono. O quarto mais económico que já paguei, cerca de 2,60 Euros. Dois Euros e sessenta cêntimos. Sim. Peço ao meu amigo para telefonar para lá. E ele, OK, como se chama o sítio. Eu: El Telefono. Ele: Não, não é o telefone, é o nome do hostel. Giro. O nome do hotel é El Telefono, e ele escangalha-se a rir. Sim, têm quartos, fica um guardado para mim. Até amanhã!