É difícil escrever as memórias de um dia assim, porque é feito de pequenos nadas. É aquele acordar doce, de quem sabe que se pode passar todo aquele dia sem absolutamente nada ser feito. É o despertar suave, lento, de quem abre os olhos e quando os foca vê o paraíso.

Da minha janela vejo os gaiatos que se refrescam nas águas do lago e um barco dos que atravessam os passageiros ali estacionado. Depois de comer, vou para um passeio. Os meus amigos norte-americanos tinham-me dado um mapa, feito à mão, das imediações. Aliás, a giraça deu. Aquilo ali tem mais para se ver do que parece à primeira vista. Não é só aquela rua de frente para o lago, não, há mais.

Sigo por um trilho, pelo meio da floresta. Como está calor é cansativo e suo bastante. Mas vale a pena. Acabo por descobrir uma praia maravilhosa, que é privada, mas o guarda deixa-me espreitar e tirar um par de fotografias. É uma das que estão assinaladas no mapa. Esta estava vazia, as outras são mais remotas e imagino que estejam desertas e que sejam de livre acesso mas são demasiado afastadas para a minha vontade de caminhar.

Encontro um lugar para piqueniques e ao lado um antigo sítio que se encontra classificado como Património Nacional. Não vejo nada de especial mas um painel no local dia que ali viveram pessoas na pré-história e eu acredito.

Subo a colina até chegar ao cume, onde há uma plataforma de madeira que é quase uma casa na árvore. Lá em cima está um casalinho em pleno acto sexual… pleno. Desculpem lá amiguinhos, não queria incomodar mas as vistas são bonitas e o local é público. Tirando o guarda da praia, a quem pergunto como estão os resultados da Liga dos Campeões, já que estava a ouvir o relato da bola no rádio, este parzinho de “grandes malucos” será a única gente que vejo em toda esta volta.

Dali se vê Flores, bem do alto, e uma área imensa do lago. Ao fundo um par de ilhas. Há quem lá vá, à laia de passeio, com um destes barquinhos fretados por um preço justo.

Acabo por regressar, chegando à parte alta de San Miguel, por onde já tinha andando na véspera, em busca de alojamento. Parece uma aldeia fantasma. Há casario, há até um campo de desportos, e nada tem ar de abandonado, mas simplesmente não se avistam pessoas. Será talvez por causa do calor? Estarão abrigados nas suas casas frescas?

Depois de mais um belo almoço do género “onde deseja que coloque a mesa”, começo a sentir-me entediado e o ambiente degrada-se com o que parece ser uma festa de anos de um dos miúdos dos donos do hotel. Quando começam os foguetes decido que está na hora de mudar de ares, de cruzar a água e ir até Flores.

Coisa divertida esta… para atravessar, tudo o que tive que fazer foi ficar na varanda e levantar o dedo a um barquinho que passava não muito longe… tempo de descer as escadas, a embarcação está a encostar, salto para dentro e seguimos. Simples! E económico, que agora que já sei o preço justo é a única coisa que pago.

Dei uma boa volta por Flores, acho que passei por toda as ruas da ilha. Interessante. Há nos edifícios um toque claramente britânico, tenho a certeza que Flores tem um passado mais diverso do que meramente espanhol. Vejo uma bonita garça empoleirada no pequeno muro junto à água e que levanta voo quando me aproximo. E um cão que brinca na água, nadando para resgatar uma bola lançada vezes sem conta pelos seus humanos.

Agora tenho uma ideia mais positiva de Flores. Continua a não ser a minha escolha para passar a noite, mas visto assim é muito agradável. Acho esta solução ideal: dormir em San Miguel, visitar Flores, perfeito!

Parei num bar ou restaurante para beber uma cerveja e trabalhar um bocado. Esteve-se muito bem… a bejeca muito fresca, o jogo da Liga dos Campeões na TV e uma boa produtividade no trabalho, com uma vista de sonho… a luz que se vai tornando dourada à medida que a tarde ameaça acabar, os estrangeiros que se banham de sol ali em frente, a água do lago. Está-se muito bem.

Acho que estou pronto para regressar, o que se revela tão simples como vir até Flores. Logo encontro um barqueiro, aponto-lhe a casa, do outro lado… “vamos rumo aquela, a amarela”. E pronto, como um táxi aquático navegamos até à porta do hotel, onde me despeço depois de passar as devidas moedas para as mãos do homem.

A festa parece estar no rescaldo. Ainda há alguns convidados por ali e em vez de subir ao quarto fico ali, junto à água, com os pés de molho, a ver a noite cair sobre Flores.

Janto com as mesmas mordomias de sempre e depois converso com a americana, pela noite dentro. Um dia em grande, feito de pequenos nadas, mas em grande.

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