Já eram oito e meia quando acordei. Lá se ia a ideia de uma partida bem matutina para uma jornada relativamente longa. Não despertei bem, a noite tinha sido um pouco desagradável, tensa. O local escolhido levantou problemas, pela proximidade da estrada e de casas de habitação, cuja distância tinha sido mal calculada. Ouviam-se as vozes e os sons domésticos e se eu os escutava o inverso havia de suceder e por isso fechar as portas do carro era sempre desagradável. Ali perto havia um posto de telecomunicações com um gerador ruidoso e de resto o barulho da estrada, também ela mais frequentada do que o esperado contribuíram para uma noite com alguma ansiedade.

De forma que o pequeno-almoço não foi muito alegre. Comer uma banana, arrumar as coisas na bagageira e ao volante, para uma tirada de cerca de 200 km para Ibra.

A condução correu bem, com uma primeira fase para desfazer caminho feito nos dias anteriores, até Nizwa, onde a direcção divergiu, em direcção a Sur em vez de Muscat. Menos trânsito, menos população, mais calor, mais desertificação na paisagem. Os primeiros camelos avistados. Música árabe na rádio. Quilómetro atrás de quilómetro até Ibra.

Ibra foi a repetição de uma situação vivida em quase todas as cidades omanis: um desafio considerável para encontrar os encantos da localidade, conforme narrados no Rough Guide to Oman que me acompanhou na viagem, e desta vez um desafio perdido, porque desisti, confesso, não consegui encontrar o supostamente vibrante souk de Ibra. O Omã é assim, as cidades parecem querer esconder os seus pontos mais interessantes dos visitantes, que se eventualmente os encontrarem, não deixarão de ficar surpreendidos com a localização bizarra onde os vão encontrar, como se estivessem nos subúrbios ou ao fim de um beco insuspeito.

Deixada Ibra para trás fomos à procura da segunda paragem prevista nesta jornada e desta vez a história foi bem diferente. Al Mudhaireb é uma encantadora aldeia à beira da estrada 23, basta um pequeno desvio para encontrar o seu centro histórico e as suas torres de vigia. Uma agradável alteração à regra comum do Omã.

Parqueado o carro, deu para um belo passeio, entre as vielas de casas antigas, algumas abandonadas, outras parecendo-se com pequenos castelos de adobe. Existe vida local na parte velha da aldeia, outra quase novidade. E o falaj que ali corre, água cristalina, morna, praticamente à temperatura do corpo, onde lavei os pés feridos e arranhados pelos espinhos da planície onde passámos a noite anterior.

Trepei até ao topo do monte onde se encontram as duas torres mais altas e apreciei a vista de lá de cima, com Al Mudhaireb (atenção que existem diversas formas de se escrever este nome – é sempre complicado aplicar a grafia latina a nomes árabes).

Deixei-me embalar com a chamada para a oração antes de descer, pronto para deixar para trás aquela encantadora localidade, a primeira onde a tradição e a modernidade das habitações se tocam, com um ambiente de aldeia, compacta, ao contrário das povoações omanis que se estendem por grandes áreas.

Olhando para o relógio pareceu-me que neste dia só daria para visitar mais um local da lista, isto se quisesse ir sem pressas, e acampar escolhendo o local calmamente, o o que depois do fiasco da véspera era algo que de facto desejava. Wadi Bani Khalid era o destino.

Mais uns quilómetros a rolar e uma paragem no coffee shop paquistanês para uma dose reforçada de chá karak. Delicioso! Agora sim, pronto para continuar a conduzir.

Passado um pouco, deixar a estrada principal rumo a Wadi Bani Khalid. São cerca de 25 km desde o cruzamento, montanha acima, montanha abaixo, uma paisagem belíssima, um céu azul que tinha faltado nos dias anteriores, uma energia positiva que me pôs um sorriso nos lábios.

Estava a adorar o passeio e ainda mais quando percebi que o Wadi Bani Khalid não era um mero acidente geográfico mas que era na realidade uma grande aldeia, com comunidades dispersas na zona, e com um centro muito agradável, com um toque de cidade de montanha como todas têm. Fez-me lembrar, imagine-se, as localidades islandesas.

Continuámos em direcção ao Wadi, ou seja, ao leito de rio que se enche em dias de chuvada, e cujo caudal é normalmente inexistente. Mas este costuma ter sempre água numa zona específica, onde se formam piscinas naturais que são muito apreciadas pelos locais e que são conhecidas em todo o país.

Mais uma boa surpresa: pensava que teria que conduzir em terra batida (ou pior) para lá chegar mas não, até ao devido parque de estacionamento existe uma estrada de asfalto que entra pelo oásis dentro.

Depois é caminhar um pouco, umas centenas de metros, pelo verde luxuriante, pelo meio das palmeiras e relva, lado a lado com canais de água, junto a pequenos lagos que se formam. Aos fins-de-semana o local enche-se de famílias omanis que ali procuram a frescura que lhes é negada nas suas localidades mas mesmo neste dia se encontrava por lá alguma gente.

Tomei o tempo necessário para usufruir do local, seguindo ao lado do curso de água até onde me foi possível, depois voltando atrás, subindo ao topo do canyon e repetindo o percurso a uma cota mais alta. Quando regressei já a sombra caía sobres os lagos principais e poucas pessoas restavam. Estava na hora de partir também, encantado com um dos momentos mais encantadores desta viagem pelo Omã. Seria agora necessário encontrar um local para pernoitar, e já tinha fisgado algumas possibilidades perto da estrada que subia a montanha até ao oásis.

A primeira tentativa foi gorada mas valeu a pena. A estrada experimentada desembocava logo numa aldeia muito local, cuja breve e inesperada visita serviu para enriquecer o dia. Três meninas olharam o carro de estrangeiro passar. Um beduíno velho ao volante de uma quase tão velha Toyota esboçou um sorriso ao ver o forasteiro deliciar-se com a vista de camelos à solta. A aldeia era uma aldeia. Pequena, fechada, castiça. Um bom momento.

A segunda tentativa foi em cheio. Deixada a estrada principal e depois de rolados algumas centenas de metros, um prometedor caminho de terra batida que se dividia em muitos outros e logo vi os restos de uma fogueira que indicava que aquele ponto já tinha sido escolhido por outros anteriormente, provavelmente conhecedores das melhores formas de seleccionar um local para acampar. Seria ali mesmo.

O dia chegava ao fim. Havia algum vento, que nos fez dar algumas voltas em busca de um ângulo mais abrigado. Acabou por se fazer o possível, usando-se o carro como corta-vento reforçado. Subi a uma colina escarpada e deixei-me por lá ficar até ao pôr-do-sol. Estava esfaimado mas o momento era único, lindo… aquele deserto de montanha a perder de vista, o carro e a tenda muito pequeninos lá em baixo, o vento que me assobiava nos ouvidos, e o grande astro que descia, já transformado numa enorme bola de fogo que desaparecia devagar atrás das montanhas.

Acabei por descer a custo – ia de chinelos – com a ajuda de um cajado improvisado por um pau recolhido lá em cima. Seguiu-se um repasto agradável à porta da tenda e então a noite caiu. Ainda veria as estrelas, mas apesar de pequena, a localidade de Wadi Bani Khalid – onde tínhamos parado para comprar pão – produzia alguma poluição luminosa.

 

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