Acordei mais ou menos com o nascer do sol. Sempre consegui pelo menos dormir umas poucas horas, um sono de péssima qualidade, com muito barulho e frio. Agora lá fora o cenário é diferente. Não há gente. Não há aldeias. Os campos estendem-se a perder de vista.
Será preciso esperar algum tempo, com a aproximação de Bagan, para se sentir de novo a presença humana. Voltam as pequenas aldeias, com a miudagem toda a acordar cedo para o dia na escola. Há rebanhos a saírem, escoltados pelos respectivos pastores. Um menino diz adeus para o comboio. E quando passa a última carruagem, a nossa, vira as coisas e regressa à aldeia. Deve ser uma rotina, um momento importante para o seu imaginário… quem sabe o que será dele daqui por 50 anos… e que memórias, que pensamentos guardará destas saudações ferroviárias.
Há palmeiras e em quase todas se encontra instalada uma escada de madeira. O vinho de palma recolhe-se a sério por estas paragens. Em algumas o apanhador encontra-se em pleno acto, suspenso, lá em cima. Voltam os instantâneos da vida rural na Birmânia. As pessoas que limpam campos, os carros de bois.
Numa estação compro algumas chamuças para pequeno-almoço. Já não falta muito. Chegamos ao destino. Bagan.
É uma tourada com os taxistas. Ainda o comboio não parou e já tenho um “puto” pendurado na minha janela. Eh pá, era um aldrabas, que “big dislike”. Acho que se não tivesse outra hipótese, preferia caminhar os 4 km do que lhe dar algum a ganhar. O valor justo do serviço será uns 4.000, mas ele, ganancioso, pede uma exorbitância. É que na confusão que se segue, com múltiplos condutores e uma mão cheia de viajantes, não quero sequer voltar a discutir com aquele tipo.
Acabamos de seguir numa carrinha que faz bom negócio, cobrando 2 mil a cada passageiro, levando seis. Bom negócio para todos. O hotel é OK. Pessoal simpático, apesar de ser cedissimo num instante nos preparam o quarto. Uma palavra de agrado para o Innwa Inn.
Um duche, um largar das coisas, uns minutos de descontracção. Temos que pensar como vamos visitar os templos. A solução consensual para os viajantes é o aluguer de motas eléctricas, conhecidas como e-Bikes. Mas há um detalhe: eu não gosto mesmo nada de viaturas de duas rodas. Não gosto é um eufemismo. Tenho alergia. Total.
Por isso resta a caminhada e a charrete. Para já saímos para a rua a explorar. Almoçamos numa tasquinha muito local, muito simpática. Um par de putos trata do negócio de família. Na mesa ao lado quatro “manos” já entradotes põem a conversa em dia. A comida não é especialmente boa, mas por 1 Eur não sou exigente. Fecha-se com um Myanmar Tea, que é chá preto com uma dose considerável de leite condensado.
Fala-se com um condutor de charrete. O valor para um dia é 25.000. O mesmo que nos foi dado no hotel. Há ali umas carrinhas de caixa aberta com ar de transporte público partilhado e um casal de viajantes que fecha o negócio para transporte para Nova Bagan. Vamos também, queremos ir à Velha Bagan, uma área central dos templos que dá para explorar a pé, dentro de certos limites, e que para hoje é mesmo o que se recomenda. Uma ambientação, para depois decidir o que fazer para o dia seguinte. Cada um paga 2 mil para o transporte. Mas temos que esperar que encha. Lá vamos. Somos largados por lá… e agora..? Começar a andar. Com a ajuda do mapa do guia e do GPS vamos vendo alguns templos.
Está calor, vamos vendo monumentos. Não variam muito. Alguns frescos antigos, Budas, galerias obscuras. A parte mais fixe do dia foi a “praia”, onde se concentram barcos, existe um pagode com vista sobre o rio e uma série de tascas locais com ambiente agradável. Uma linha de homens carrega areia para camiões, como formigas.
Uma boa altura para uma pausa para uma água de coco.
Muitos budas e templos depois encontramos uma roulotte com gente agradável a vender coisas agradáveis e ficamos ali para comer e beber um sumo. É hora do pôr-do-sol e também tempo de arranjar transporte de regresso.
Foi aventuroso. Não passava nada e já estava a ver que teria mesmo que colocar mais sete quilómetros nas pernas, mas lá apareceu uma carrinha daquelas que nos tinha trazido e que sem perceber bem onde queríamos ficar nos deixou numas estradas de terra batida ainda a 1,5 km do hotel. Mas há males que vêm por bem porque acabou por ser divertido. Benndito GPS que retiras a pressão destes momentos.
Fomos andando, primeiro por caminhos locais, com a vizinhança, já noite cerrada, a andar por ali nas suas vidas de fim de dia. Depois desembocámos no asfalto e que vida ia por ali… tanta lojinha, restaurante… muito agradável, especialmente com a temperatura certa. Gostei daquele último momento do dia.