A partida: a meio da noite toca o despertador, hora de saltar da caminha, tempo de ir, altura de deixar Bagan para trás, mudar esta página menos boa da viagem.
Lá em baixo, na recepção, tudo dorme. Mas o gerente não precisa de muito tempo para recuperar. Logo pega no telefone, talvez a confirmar a viagem ou a chamar o táxi. Lá fora aguarda-nos o carro para nos levar ao cais dos barcos. São cinco da manhã mas já há movimento nas ruas. Seguimos durante uns poucos quilómetros até chegar a um ponto junto à margem do rio. Parece um filme. Três silhuetas aguardam na escuridão. Mostramos os bilhetes. OK. Mostram-nos o barco, subimos por uma prancha de madeira. Sinto-me uma espécie de refugiado no filme Casablanca, a deixar Bagan pela calada da noite, na clandestinidade.
O barco é óptimo! Tem uma área interior, com sofás, onde não vai tardar para recuperar um pouco do sono encurtado. E um “deck” exterior, com confortáveis cadeiras de madeira e palha onde passarei a maioria do dia.
Aproxima-se a hora da partida e vão chegando mais pessoas. No total não serão muitas. Uns seis casais, um homem solitário. Companheiros de viagem de um dia, rio acima. Enquanto durmo é distribuído o pequeno-almoço, que é uma coisita ridícula, talvez o único elemento que poderia ser melhorado neste serviço.
Acordo a tempo de ver o sol crescer, já levantado do horizonte, mas ainda enorme, a dourar toda a paisagem. Adoro o barco. É silencioso e confortável. Foi uma excelente ideia, esta de passar de Bagan para Mandalay por via fluvial.
Ao longo do dia sucedem-se as experiências visuais. As mais comuns são as canoas com motor e os rebocadores que, ao contrário de puxar empurram. Levam pelo rio barcaças carregadas com cargas diversas. Nas margens, apesar de não muito próximo, vêem-se pequenos postais da vida rural. O ocasional carro de bois, alguém que se dirige a algum lugar. Algumas plantações, trabalhos agrícolas. Não há assim muitas povoações ao longo do percurso. Nem traços de presença humana.
Vamos adiantados, a navegação está a correr bem, o que me surpreende porque me tinham dito que nesta época, de pouca chuva, o nível da água desce e obriga a cuidados redobrados e à perda de velocidade do barco.
À aproximação a Mandalay sente-se mais tráfego, mais gente nas margens. Vamos já numa área onde quase se pode pensar em engarrafamento fluvial. Parece que vamos perder uma boa parte do tempo ganho: é preciso meter gasolina. Encostamos a uma barcaça-gasolineira, é passada a mangueira, o depósito vão enchendo enquanto o mestre do nosso barco sociabiliza com a família residente da gasolineira.
Gostei logo de Mandalay. Se Myanmar é toda ela pitoresca, Mandalay é um circo. Nunca se sabe o que se vai ver a seguir. Apesar do calor que pelas quatro e tal da tarde ainda é muito intenso vamos a pé para o hotel. São pouco mais de dois quilómetros, quase sempre pela mesma avenida. Muito trânsito e barulho.
Chegamos, tudo bem, apesar do quarto ser um pouco inóspito para o meu gosto. Mas nada de grave. Ainda tentamos ir à estação ver de bilhetes para a viagem de regresso a Rangoon mas como esperava já não tratavam desses assuntos aquela hora.
As imediações da estação são um pouco miseráveis, as pessoas basicamente vivem na rua. O ambiente é socialmente pesado mas não ameaçador. Tudo tranquilo por ali. Cansados e a precisar de repousar já não fazemos nada, para além de comer um gelado mesmo ao lado do hotel.