A Felicia tinha-me explicado a melhor forma de chegar ao meu primeiro objectivo desde dia, e uma investigação na Internet deu-me os detalhes. Afinal seria bem mais simples do que pensava, com um autocarro directo a sair defronte da “nossa” estação de metro local. Chegaria ao Museu de Changi em cerca de meia-hora. No local onde hoje se encontra este pequeno edifício, estabeleceram os japoneses um campo de concentração depois da tomada de Singapura em 1942.

Coisas bastante duras aconteceram ali e a exposição do museu dedica-se a manter a memória viva, uma homenagem permanente e perpétua aos que sofreram no cativeiro. Infelizmente não é permitida a captura de imagens no interior das salas, mas pode-se fotografar a capela anexa, uma réplica, creio, de um dos templos improvisados pelos prisioneiros britânicos. O museu estava cheio de britânicos e australianos, todos muito chocados. Deu-me a ideia que deviam investigar um pouco sobre as atrocidades cometidas por eles próprios, enquanto entidades colectivas, um pouco por todo o lado onde andaram.

À saída perdi um autocarro. Passou a assobiar em frente ao meu nariz assim que pus um pé na rua. Não fiquei satisfeito. Já sabia que o espaçamento entre autocarros era de meia hora e num dia agradável como este, seria meia hora que não estaria a descobrir novos recantos de Singapura. Lá esperei, conformado, na paragem, que viesse o próprio. Caminho inverso, para a estação de metro e de lá para o centro. Mais uma vez a indecisão, por onde começar…? É que o que se pode considerar o centro tem uma mão cheia de estações de metro e as opções são muitas. Hoje mudei um pouco, fui sair a Little India.

Andei ao sabor do acaso, apenas com uma vaga noção da direcção que queria tomar. Sem saber bem como fui dar a uma rua cheia de restaurantes e cafés que tinha um sabor a antigo, a uma Singapura de outros tempos, bem diferente da cosmopolita e moderna cidade que conheci na véspera. Aqui sentia-se uma tradição local, mantida separada no universo colonial e muito anterior aquela Singapura que é a única que muitos conhecem, de prédios altos, de organizada selva urbana.

Por estas paragens fiquei especialmente impressionando com a arte urbana, os murais que cobrem as paredes, plenos de cor e alguns com uma qualidade artística notável.

De repente estava no bairro árabe, que reconheci de imagens que tinha visto online. Não estava errado, logo à frente fui encontrar uma bonita mesquita e, como sucede por todo o lado em Singapura, encontrei também placas explicativas com a história desta área. Continuei a andar sem destino certo. Passei frente a lojas de recordações turísticas e a restaurantes de preços elevados. A fome começava a surgir, mas não seria nesta parte da cidade que encontraria solução para ela. Não com estes preços. Teria que sair desta zona, claramente destinada a turistas endinheirados e a uma classe média alta local com desafogo financeiro.

Descobri uma feira de velharias, que infelizmente se encontrava já a fechar. Era o final da manhã e como sucede em tantos lados, esta provavelmente estaria apenas activa até à hora de almoço. Andei por lá um pouco, mais por hábito, porque de facto não era interessante, e prossegui. Estava a aproximar-me de Little India, o bairro indiano, onde se encontram as opções de alojamento mais económicas de Singapura, basicamente os únicos hósteis a sério da cidade. Sem ter a certeza, esperava encontrar também algo para comer na linha “budget”.

E não é que encontrei mesmo!? Primeiro namorisquei um local de aspecto duvidoso, muito em bruto. Não sei porquê, mas não consegui arranjar coragem para entrar. Devo estar a ficar velho. Acho que senti que ia ser insólito e alvo de atenções, de olhares… não me estava a apetecer tomar uma refeição assim, mas se calhar nada disso teria acontecido. Nem sei porque estou a contar isto, devia ter vergonha… e tenho. Mas pronto, andei ali às voltas, mirei e voltei a mirar, mas afastei-me. Não tinha preços mas sei agora que devia ser algo mesmo muito barato, sei lá, uns 2 Euros por uma refeição.

Se adorei Singapura, basicamente a cada momento que lá passei, acho que Little India foi mesmo um dos locais favoritos. De repente está-se mesmo noutro local. Não vou dizer na Índia porque seria exagerado. Mas o comércio e as pessoas, a comida e os templos… tudo isso é indiano. Claro que há estrangeiros e pessoas de outras etnias de Singapura, mas a multidão é mesmo indiana.

Andei por ali de boca aberta, só a fotografar. Uma daquelas alturas em que ganho a certeza que o peso e o volume de uma câmara “a sério” na minha pequena mochila valem a pena. Tanta cor! E vida, diferente, exótica, maravilhosa. Lojas com artigos exóticos, pequenos mercados cheios de frutas desconhecidas, de aromas que não podem ser captados para a posteridade, mas  cujos contornos físicos ficam na fotografia.

E no meio disto tudo não foi difícil encontrar os tais hósteis. Já sei onde ficarei numa próxima passagem por Singapura, se for necessário pagar alojamento. E com eles, o  local para comer que idealizava. Não podia ser melhor. Que refeição brutal! Tipicamente indiana, aqueles sabores quentes, a carninha condimentada, o arroz, o pão. Deliciei-me! Tudo empurrado por um sumo de fruta natural e com o chá Karak, daqueles a que me habituei no Omã, a fechar a barrigada. Tudo isto e ainda mais um bolinho que levei para o caminho na hora de pagar, custou-me uns 6 Euros. Marquei o local no GPS para regressar para outra dose.

Afastei-me aos poucos do bairro Little India, entrei numa área da cidade que me parecia ser dos anos 60 e 70, de edifícios com uma arquitectura característica dessa época e, de vez em quando, algo mais antigo pelo meio.

Nisto estava na rua Orchard, tida como a mais cosmopolita da cidade, onde existem as lojas mais finas e caras e os centros comerciais mais afamados. Bem, ali na ponta onde me encontrava não me pareceu grande coisa. Passei junto ao Palácio de Istana, a residência oficial do Presidente de Singapura, e deliciei-me com um agradável jardim que existe ali em frente, onde há um lago e um café. Prossegui. E fui chegando à área nobre da Orchard street. No seu centro, estrategicamente posicionado, encontra-se o posto de turismo principal, na esquina com a Emerald Hill Street, uma rua que não se pode perder.

Nesta pacata rua, que sobe uma colina, encontram-se lindas casas tradicionais chinesas, que vivem lado a lado com o modernismo de Orchard. Foi construída por volta de 1900 e aqui se encontram as melhores casas Peranakan – uma sub-cultura de fusão, mas essencialmente chinesa. Dizem que são as casas mais caras de Singapura e não me é difícil de acreditar. Eventualmente a rua perde interesse, e o melhor é regressar pelo mesmo caminho, descendo de novo a Orchard, mas não perdendo nunca a atenção e procurando novos detalhes naquelas casas fabulosas.

 

 

Acabei por ir a Canning Fort. Era aqui o centro do poder britânico e foi daqui que as operações militares foram comandadas durante a invasão japonesa. Hoje em dia é um agradável parque com alguns vestígios históricos de interesse duvidoso com excepção do bunker, conhecido como Battlebox, transformado em museu que se pode visitar em tours com horas marcadas. Não é barato mas vinha disposto a alinhar. Só que descobri que já não havia mais visitas para aquele dia.

Já que ali estava fui conhecer o resto da colina e descobri com certo espanto que aqui se pode ter tranquilidade. Há aquela ideia que em Singapura existe tanta gente que não há privacidade em lado algum e o caos e o barulho é constante. Mas não. Há imensos lugares onde se pode estar sozinho e com calma envolvente e este é um deles. Encontrei o farol que na primeira metade do século XX tinha um papel essencial no tráfego marítimo, como tudo em Singapura magistralmente documentado com textos explicativos e imagens de outros tempos.

O dia aproximava-se do fim. Desci a colina pela face oposta, já muito cansado. Passei em frente a uma série de museus que ao longo destes dias pensei visitar mas onde na realidade nunca fui: o Museu dos Correios, o Museu Peranakan e o Museu dos Bombeiros. Foi engraçado que dali para a frente houve como que um replay da véspera: o mesmo caminho em direcção ao metro, a mesma estação e, depois, já na estação local, comprar comida, comer e trazer alguma coisa para mais tarde.

O serão trouxe uma surpresa! Vamos lá ver, eu estava a ficar com a Felicia, uma couchsrufing a quem eu tinha oferecido hospitalidade em Portugal em 2011. O que sucedeu em 2011 foi uma coincidência: estava em Praga em Janeiro, fui convidado para um jantar tradicional chinês pela minha amiga Angie, de Singapura, e à mesa estava esta amiga de infância dela, cujo nome não recordei. Uns meses mais tarde recebo o pedido de couch da Felicia e de repente bate-me: “mas esta era a amiga da Angie”. Que me pediu para ficar comigo sem se lembrar também que eu tinha estado naquele jantar!

E pronto, a Angie, que vive em Praga, onde eu vivia, estava de visita a Singapura e conseguiu um tempo para nos visitar. Momento único! Muita conversa pela noite dentro!

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