Preparado para a batalha. Encontrar uma forma de chegar do porto de Lembar a Senggigi. Mas isso seria uma luta para mais tarde, porque o acordar era ainda no doce Bamboo Paradise Hostel. Pandangbai será uma boa memória desta Indonésia que tantas vezes me transtornou.
Acordei, pedi o pequeno-almoço, escolhi o menu da salada de frutas com chá e uma panqueca de chocolate cujo sabor me seguirá até ao final da vida. Comi à mesa com quase toda a restante população de hóspedes e depois pus a mochila ao ombro e caminhei até ao porto.
O ferry entre Padangbai, em Bali, e Lembar, na ilha vizinha de Lombok, parte mais ou menos de hora a hora, sem pausas, dia e noite. O bilhete custa 60.000 Rupiahs, cerca de 4,20 Eur. Não é muito, para uma viagem de cinco horas.
Assim que entro no ferry vejo uma espreguiçadeira de madeira sem ninguém. Mando a mochila lá para cima e instalo-me. Serão cinco horas de preguiça, com alguma ondulação na fase inicial e mais ainda passado um pouco. O navio levanta-se sobre as ondas, para depois cair, criando uma vaga de espuma branca que acompanha o som rouco do casco a aterrar na água. Vou lendo o meu livrinho, que nestes dias é Sharpe’s Enemy, um volume de uma saga que iniciei há muitos anos atrás, numa viagem à Roménia, e que me tem acompanhado, numa espécie de ritual de estrada.
Em determinado momento quase estamos em “open sea”, sem terra à vista, mas a bem da verdade, consigo avistar, muito diluído, o perfil de Bali, ao longe. E depois Lombok ganha forma, avolumando-se, até que as máquinas reduzem a cadência e se inicia a aproximação ao porto. Tínhamos partido às 9:00 e iríamos chegar às 13:00. Tudo normal.
Havia menos escroques à espera dos passageiros do que esperava. Mas também não havia os bemos que, tinha lido, estariam disponíveis. Os outros companheiros de viagem foram-se escoando e comecei a ver a vida a andar para trás. Nada de dramático, porque aquela hora do dia tinha uma imensa margem de manobra. Só que não precisei dela. Um milagre sorriu-me, na forma de uma carrinha reluzente que passou devagar, todos os passageiros olhando para mim… fiz o sinal de boleia, ouvi de lá de dentro o nome mais perfeito… “Senggigi?”. Isso! Isso mesmo! “Quanto?”. A passageira pergunta ao condutor e responde-me em inglês: “cem”. Ou seja, cem mil rupiahs, 7 Euros. OK! Poupa-me a chatice de mudar de transporte em Mataram, o que talvez fosse mais barato se encontrasse um bemo que fosse para lá, e até ver, ainda não havia nenhum por ali.
Entrei, satisfeito, descontrai, e fui até Senggigi ao som de Brian Adams. Este foi um golpe de boa fortuna. Quando cheguei estava muito bem disposto, mas isso ia-se acabar em breve e sem uma razão forte…
Não gostei dos primeiros momentos em Senggigi. Em poucos minutos uma pessoa é interpelada dezenas de vezes… se quero uma mota, se quero água, ou uma massagem, ou uma viagem para as ilhas Gili, ou táxi, ou jantar, ou moto-táxi, ou uma recordação, ou um quarto, ou uma jovem tenrinha… NÃO! Não quero nada!
Chego ao Hostel Selasar e não gostei… o dono segue esta linha… informações, sim, claro, desde que coincidam com um produto que venda. O quarto não é mau, mas está frio com ar condicionado, desagradável. Ai que nervos, estou tão irritado. Foi o momento em que frustrações acumuladas explodiram. No bar do hostel, música em altos berros… não tenho para onde ir, não tenho um refúgio, um canto para sarar feridas. Preciso de espaço mas em Senggigi não existe. Ainda não, não para mim. Vou espreitar a praia que será ao fim da rua. Mas está cheia de gente. Expludo, quero ir embora, quero regressar, não importa o preço, vou pagar, que sejam 500 Eur, se for preciso, mas já não vou a Timor, quero é o meu cantinho, o meu porto seguro.
Entra aqui em acção a maravilha da Internet e da amizade, palavras de conforto que chegam de longe, ouvidos que escutam o azedume da minha frustração e aos poucos vou reconsiderando. Ainda estou de mal com a Indonésia, mas o pior passou. Aborrece-me a complicação que é tudo por aqui. Transporte que é inexistente, pessoas que não dão descanso, o calor, os quartos gelados de ar condicionado, os dias nebulados.
Estou no hostel e um companheiro de dormitório vai para a praia de câmara em punho. E digo para quem está no bar que vou também e é naquele momento que as coisas começam a mudar. É hora de pôr-de-sol. A praia está cheia de população local. Depois da escola ou do trabalho as pessoas vão para um refrescante banho de fim-de-tarde, há muita juventude, flirts, olhares que se trocam, romances que começam, quem sabe, naquele mesmo dia, a poucos metros de mim. É um ambiente maravilhoso que me massaja a alma, um bálsamo inesperado que faz milagres na recuperação da moral.
Depois encontro uma tasca de beira da estrada com preços razoáveis – ao contrário de tudo o resto por aqui, mais caro que em Bali – sento-me, encomendo uma galinha com arroz e molho picante e a dona do local é uma senhora (credo, estou velho, a senhora deve ser mais nova que eu) super simpática,com um inglês muito bom. Que boa descoberta. Se ficar mais tempo por aqui sei onde voltar.
De repente lembro-me que cometi um erro daqueles enormes, gigantes, abismais: deixei o meu dinheiro em cima da cama do dorm. Não é uma fortuna, mas ainda é dinheiro, talvez 30 Euros em Rupiahs. E decido ali: se ainda lá estiver, vou esquecer a ideia de regressar à Europa, e com aquele e mais algum que levantarei do Multibanco vou passar uns confortáveis dias na Indonésia.
A refeição estava boa, paguei e voltei ao hostel. O dinheiro estava lá.
Descansei um pouco e voltei a sair, regressei ao mesmo restaurante, bebi um côco. Já se fazia tarde, estava cansado… regressei ao hostel e dormi. Muito bem.