Depois da noite da véspera levantei-me no estado miserável que se imagina. Tinha direito a um pequeno-almoço mas não estava nada interessado nele. Pedi ao pessoal para me arranjar só um par de bananas, comi uma, deixei a outra. Fiquei por ali a matar um pouco de tempo, sentado a olhar para lado algum. Chegou a hora do transfer, fui para a rua. Esperei um pouco. A barraquinha defronte onde tinha comprado o bilhete estava fechada. Felizmente não foi preciso aguardar muito tempo, uns dez minutos depois lá apareceu, uma carrinha cheia com um grupo de alemães a que me juntei e seguimos para o aeroporto.
Sem problemas. Pequeno terminal, simpático e eficiente, logo estava a bordo e pronto para voar para Kupang, a cidade capital de Timor Ocidental. Esperava apenas que as diarreias e os vómitos não voltassem, mas a verdade é que apesar de me sentir para morrer, não havia sinais dessas instabilidades viscerais. E foi assim nos próximos dias, senão semanas: diarreia na hora de visitar a casa de banho, mas sem correrias e emergências.
Não demorou muito para aterrar. Procurei um táxi, cheguei a um acordo razoável e lá fomos, para o Lavalon Seaview Hostel, onde tinha reservado um canto para dormir numa troca de e-mails com o proprietário, o Edwin. O condutor descobriu que eu era português e ficou com a expressão iluminada. É que era de Flores, um arquipélago próximo onde a influência portuguesa se faz ainda sentir em muitos aspectos, nomeadamente o religioso, sendo que ele era católico e ficou deleitado em encontrar outro (na teoria).
Cheguei ao hostel e pronto. Escolhi uma num quarto com dois beliches e deixei-me estar na minha miséria, que neste primeiro dia foi intensa. Precisava de descansar, dormir e beber água. Comer, nem por isso. Passei três dias nestes aposentos, de recuperação gradual. À chegada o Edwin – um tipo que sabe tudo sobre tudo na região – quis logo mandar-me para o hospital. Nem pensar. Só queria repouso.
Foram dias estranhos. As memórias deviam ser negras, considerando as condições e adicionando-se o desinteresse total de Kupang, uma cidade descaracterizada, sem nada de notável. Nem mesmo a orla costeira é bonita. Mas contudo foram dias marcantes, com muito de positivo: gostei de me sentir ali refugiado, aninhado. Adoptei o hostel como um verdadeiro lar, ao fim de pouco tempo sentia-me em casa. E gostei muito do ambiente humano, é um hostel para verdadeiros viajantes, gente interessante com histórias para contar que ali conheci nestes dias. É um lugar intenso e depois de dois dias, uma pessoa sente-se um veterano, que sorri ao ver chegar os novos hóspedes.
Comer foi o grande problema. No primeiro dia, sem grandes forças para procurar alternativas, fiquei-me com um pedaço de fruta que as moças do Edwin arranjaram. Encontrei um pequeno supermercado mais à frente, mas só trouxe água. Agora, no segundo dia, indicaram-me um outro supermercado. Era uma coisa mínima, mas encontrei lá bens preciosos para mim: leite e cereais de chocolate! Juro, há semanas que nada me dava tanto prazer a comer!
Que memórias, do não fazer nada, do maior problema do dia ser decidir se ficaria a ler na cama ou na cadeira lá fora. Se iria conversar com um viajante ou não! Conheci lá o rasta man alemão, o jovem e energético barbudo italiano, a velha raposa das viagens que já tinha por aqui passado em 1960… saudades dos dias no Lavalon!
Ao terceiro dia estava quase recuperado. Por essa altura tinha-se formado um grupo simpático, éramos todos amigos, fomos até ao mercado nocturno, que havia numa praça no final da rua que passava ali defronte. Não comi nada para além de fruta, mas diverti-me, usufrui da companhia, enquanto tentávamos encontrar alguém que reparasse o screen do telemóvel do italiano. A velha raposa mostrou-me o único edifício histórico de Kupang, que mesmo assim era apenas uma ruína.
Deveria ter ido neste dia para Timor-Leste, mas era Domingo de eleições e toda a gente me desaconselhou a fazer a viagem. Não só as coisas podiam “aquecer” como ninguém trabalhava e provavelmente nem haveria transporte. Portanto, era suposto ter passado uma noite em Kupang e arrancado no dia seguir para Dili. Não fui no dia seguinte porque precisava de recuperar. Nem no outro a seguir, porque precisava de mais tempo, e nem no terceiro por causa das eleições. Parti ao quarto dia. Ficaram saudades deste período estranho. Foram três dias completos em que não me afastei mais do que 500 metros do hostel.