Acordei com o despertador à hora prevista. Está tudo bem por aqui. O Happy Boy já acordou, dá-me o documento de registo, que depois será preciso apresentar na fronteira, à saída do país, pelo menos teoricamente. O táxi vem a caminho e chega logo depois. De facto, por 1,50 Euros para atravessar a cidade, não vale a pena estar a complicar.
Sigo calado, no “lugar do morto”, olhando para a água que escorre sem fim num pára-brisas onde o limpa só funciona na metade do condutor. Um rapaz calado e simpático que faz um serviço profissional e me deixa à porta do terminal bem antes do tempo previsto.
Entro na estação, passando pelas formalidades de segurança e fico à espera. É uma gare funcional e moderna, com funcionários simpáticos que procuram passageiros de ar perdido para os ajudar a encontrar destino. Um contraste com Baku, onde as coisas eram ao contrário… bem em todo o lado menos com o pessoal ferroviário.
Um bom bocado antes da hora chamam para o comboio. Tenho um excelente lugar. Que bela classe mais económica. Espaçoso, muito espaçoso, dá literalmente para esticar as pernas, que apesar de curtas são mesmo assim pernas. Tenho uma mesa, e em cima dela um jornal local. Sigo assim, de cortina fechada sobre a paisagem desinteressante e húmida, até Samarkand. É uma viagem directa, sempre a abrir, sem paragens.
Felizmente não chove muito. Mas vai caindo alguma água. Passo pelos habituais taxistas e encontro a paragem de eléctrico. Estão dois para sair, pergunto a um senhor, diz-me que é o segundo, precisamente o número 2. Samarkand parece ser um lugar mais simples do que Tashkent.
Pago os 1200 SOM ao cobrador. 0,12 Euros. Vamos andando, pela cidade, uma urbe soviética, sem muito para contar. Chega-se à paragem final, que para meu espanto ainda fica a mais de 1 km do meu destino. E chove.
Lá vou eu, pelas ruelas escuras. Muito cinzentas, e também o serão num dia de sol. É que o cimento impera. Chego ao hotelzinho, ando por ali à procura de alguém, mas não encontro uma recepção, apenas salas que parecem de família, sem ninguém. Afinal tudo se passa no primeiro andar e logo estou a falar com o “boss” que me mostra o quarto. Só que não é aquele que reservei, o meu é mais simples, apenas de uma pessoa e sem casa de banho privada. Desfeita a confusão mostra-me os aposentos. A cama ainda está por fazer. Espero lá fora. Pergunto onde posso comer. No centro. No centro? Isso é um quilómetro e está a chover. OK, recebo um pequeno-almoço da casa, cortesia do “boss”, muito bem-vinda. Continua a cair água, está frio e húmido. Um bocado desagradável, tudo isto.
A cama é feita. Tiro uma soneca. Acordo e já não chove. A tarde está no fim mas ainda à tempo de visitar o famoso Ragiston, um conjunto de três madraças monumentais viradas para um espaço comum. Fica ali próximo. A localização do hotel é boa.
Sigo por mais ruazinhas cinzentas até chegar a uma grande avenida com muito movimento. Aproximo-me do Registon, e de repente estou junto às paredes exteriores de uma das madraças. É espectacular.
Compro bilhete, que é apenas 40.000 SOM. Cerca de 4 Euros. É a primeira vez e será a última que estou maravilhado no Uzbequistão. Não anda por ali muita gente. Estrangeiros ainda menos. Delicio-me com aquelas três madrassas, entrando em cada delas, demoradamente, apreciando detalhes e observando as pessoas. Gostava de ter o céu azul e uma luz dourada, mas mesmo assim não está mal. Ainda não estava saturado dos dias cinzentos do Uzbequistão que se seguiram, um após outro, invariavelmente.
Como escrevi no meu Facebook, talvez levado pelo entusiasmo do momento, pensei na altura que o Registon é uma das obras humanas mais impressionante que já vi. Será sempre a grande memória do país.
Quando me retirei a noite já caía. Vi um supermercado, fiz algumas compras, de depois encontrei um restaurante, Old City, onde comi duas espetadas de galinha que me souberam deliciosamente.
Voltei ao meu alojamento, satisfeito com a barriga cheia. Por falar em barriga, acho que fui atacado por bedbugs. Quatro picadas, muita comichão. E estou a ficar engripado, uma situação que não evoluirá para algo mais agudo mas que durante muitos dias me retira energia, especialmente ao fim da tarde, quando a sonolência ataca.
No meu agradável quarto descanso. Passo assim o serão. À meia-noite local há jogos da liga dos campeões, que espero ver por streaming. Impossível. A Internet não é suficiente. Mas ouço barulho lá em baixo e desço… ali estão, um inglês, um tipo que tomo por indiano e que descubro depois ser neo-zelandês de origem malaia e um dos donos do hotel, de mesa posta, convidando-me para assistir ao jogo do Manchester United. Foi muito agradável, com um copo de cerveja artesanal que atestado assim que necessário pelo dono, com um “thank you mister”.