De partida de Samarkand, mas ainda com uma parte da manhã para aproveitar. Hoje sim, o céu está bem azul, mas sinto-me doente, não vai dar para aproveitar a raridade climatérica. Vou até ao Registan, ver de fora. Se sentisse o chamamento não me importava de pagar outro bilhete, até porque me convinha visitar uma caixa Multibanco com Master Card que lá tinha visto. Master Card, significa cartão Revolut, e aqui no Uzbequistão não é fácil.
Havia muita gente, tal como no dia anterior. Estrangeiros e locais. Andei portanto por ali um pouco antes de retirar para o meu alojamento. Estiquei-me na cama, a fazer tempo, e às tantas já estava mas era atrasado e despachei-me a seguir para os eléctricos, depois de uns abraços aos irmãos que têm este negócio.
Lá fui a trote, atrasando-me um pouco mais enquanto me distraía com novas perspectivas de coisas já vistas, agora com o azul a mudar a paisagem. Tive sorte porque cheguei mesmo a tempo de entrar no eléctrico que partia e cheguei à estação a bom tempo, meia hora antes da partida do comboio como mandam as regras.
Tinha um bilhete para a primeira classe. É curioso… é a primeira vez que me sucede isto de a primeira classe ser pior que a categoria mais económica. De Tashkent para Samarkand tinha sido uma rica viagem, sozinho com duas cadeiras para mim, incluindo uma mesa sobre a qual havia uma toalhinha e um jornal. Agora, ia para Bhukara num compartimento claustrofóbico, com um casal que falava sem parar, ela com dois putos pendurados, e mais um tipo ar de executivo que me retirava espaço.
Felizmente não é uma viagem longa. Cheguei a Bukhara, aliás, não propriamente porque a estação de comboios fica a uns 15 km da cidade. À saída o enxame de taxistas da ordem. Logo ali em frente há a estação de autocarros, saltei para um, sentei-me, e logo ao meu lado uma pesada mulher com um cheiro desagradável me esmagou. Enrolei-me no lenço, tapando bem o nariz para evitar a náusea e fui seguindo, com paciência, sol quente na cara.
Lá a matrona saiu deixando-me mais espaço, e concentrei-me na navegação, tentando adivinhar qual o melhor ponto para sair do autocarro. Com aproximações e afastamentos decidi não esperar mais quando estava a 1,3 km do meu destino e a viatura se meteu para uma avenida que certamente a ia afastar do objectivo. Dei 1.000 SOM ao condutor, que fez má cara, praguejou e mandou a nota para a caixa… não sei o que se passou ali… o autocarro tem um cartaz com o valor da viagem.
Agora a pé, eventualmente cheguei ao Hostel Dervish. Senti-me logo ali mal, entre hóspedes muito jovens e nada inclusivos. Tentava gozar da quietude do lugar mas um deles via qualquer coisa em americano no telemóvel. Mais um que não usa auriculares, uma coisa que acho uma enorme falta de consideração pelo mundo.
Deixei-me estar um bocado, a relaxar o que era possível e a bebericar o chá cortesia da casa servido com uns amendoins envolvidos numa espécie de açúcar. Saí depois para explorar as coisas, para além do que tinha já visto à chegada.
Não sou dado a descrições arquitectónicas e factuais, a longas histórias. Por isso digo apenas que vagueei por ali, primeiro pelas ruas muito iguais às que tinha encontrado em Samarkand, OK, talvez um pouco mais interessantes, mas igualmente enlameadas e tristonhas. Um carro passa, com cuidado, procurando evitar os buracos, agora cheios de água. Um homem segue de bicicleta e dois putos vêm para baixo, com uma bola de futebol. Um bom retrato da vida quotidiana.
Eventualmente chego ao centro histórico de Bukhara, ou a um deles. Estou um pouco em estado de choque com o impacto do turismo. Há imensos estrangeiros e as ruas estão cheias de lojas e bancas de rua com produtos para os visitantes. Não era nada disto que esperava do Uzbequistão e certamente não é nada disto que me faz feliz.
É verdade que algumas daquelas estruturas são espectaculares, mas o poder do seu exotismo perde-se no meio de todas aquelas cabeças louras ou olhos amendoados de câmaras alçadas. Nada contra o direito destas pessoas de viajar, mas não ao mesmo tempo que eu e para os mesmos lugares. Normalmente considero com cuidado a presença de turismo para onde vou, e pode dar-se o caso de ir mentalizado para uma exposição intensa ao turismo de massas, mas de forma curta e prevista. No Uzbequistão nem foi curto nem previsto e a destabilização espiritual causada foi considerável.
Entretanto ando ali por Bukhara, um bocado perdido com um mapa que mostra elementos a visitar um pouco por todo o lado. Sem saber a quais dar prioridade aposto no acaso, e acho que não me saí mal. Acabei por dar com o grande minarete e madrassas adjacentes, um complexo definido por alguns como o ponto nuclear da cidade apesar de não ter a majestade do Registan de Samarkand.
Já era de noite e a iluminação daquele minarete é de facto magnífica. Tiro muitas fotografias, antes de ceder às exigências do estômago.
Está frio. Para já não há chuva, mas pode chegar a qualquer momento. Olho para o mapa do GPS em busca de potenciais locais para jantar. Lá encontro um, muito local, onde quatro homens já de alguma idade acabam uma refeição. Comunicar é difícil, lá encomendo uma dose de carne, substituída por galinha, por se ter acabado a opção inicial.
É uma quantidade abismal de comida, acompanhada por pão e salada de tomate e pepino. Acho que na hora da conta fui abusado. Não que me queixe, porque estava bom e não consegui sequer acabar, mas 7 Euros no Uzbequistão é muito para um jantar.
De regresso ao hostel vou cansado, efeitos da gripe que continua a aborrecer. A lua cheia levanta-se nos céus, surgindo por detrás do complexo monumental. Muito bonito. Volto ao Dervish Hostel. Um serão a trabalhar e alguma conversa, um pouco forçada por mim, com os jovens.
Dormi mal. O dorm é grande e está cheio, há muito barulho de gente no sono. O beliche é pouco sólido e qualquer movimento abana aquilo tudo.