24 de Outubro
Sarajevo será talvez o prato principal de toda esta viagem de cinco semanas, e hoje será o dia em que irei até ele. Finalmente tenho oportunidade de evitar o autocarro e viajar de comboio. É um processo pacífico. Todos os dias há um comboio às 7:54 e outro às quatro e tal da tarde. Leva-se três horas e meia e o bilhete custa uns assombrosos 5 Eur, contra os 9 Eur que se paga para ir de autocarro. A estação é um mongo de betão, literalmente às moscas. As pessoas vão chegando e à hora certa não estarão na plataforma mais do que quinze alminhas, sendo que cinco delas são de turistas.
O percurso é muito pictoresco, com a linha a correr paralela ao rio Neretva, com a estrada na margem oposta. Avança-se por um “canyon”, que me faz lembrar da minha famosa viagem de barco nas montanhas da Albânia. Tinha encontrado um compartimento vazio, mas para meu horror os cinco basbaques americanos ocupam-no. Que pesadelo! Decididamente não vai acontecer. Levanto-me e faço uma passagem pelo corredor. Tudo com ocupantes. Depois, volto para trás e, milagre…. um compartimento que tinha uma pessoa já está vazio. Vou num instante buscar a minha mochila e instalo-me. Ficarei sozinho uma boa parte da viagem, até que num apeadeiro lá mais para a frente um casal de velhotes se torna minha companhia.
Quando chego a Sarajevo o Oliver, que será meu anfitrião para os próximos dias, manda um táxi de confiança ao meu encontro. Ele vive nas montanhas, onde já não existem bairros mas apenas casas isoladas. No campo, por assim dizer. De lá de baixo, do vale, os ruídos de Sarajevo chegam, difusos. A casa é um espanto, enorme, espaçosa. Foi ele que a construiu. Existem planos para montar ali um hostel, mas para já é um abrigo de Couchsurfers. Em Agosto chegaram a dormir aqui dez viajantes, mas para já sou eu, uma rapariga polaca que se envolveu com ele, e um sueco.
Depois de me instalar no meu quarto privado, vamos para baixo. O Oliver deixa-me com a Asia na baixa e vai tratar de alguns assuntos do seu negócio (ele é proprietário de um “club”). Praguejo mentalmente com a companhia imposta. Decididamente dispensava um apêndice nesta viagem exploratória, mas felizmente ao fim de um bocado ela chega à mesma conclusão e separamo-nos. Não há muito a dizer desta tarde… sem GPS estou perdido. Não sei para onde ir, apesar de ter uma ideia de onde estou: na parte mais antiga da cidade, de influência otomana. Resta-me andar aleatoriamente, e assim encontro alguns dos pontos que me lembro de ter marcado no GPS. ASs ruas de pequenas lojas, zonas de artesãos… uma mesquita magnífica… o chamado “largo dos pombos”, coração da cidade lá pelo século XVII. Adoro ver os cafés, não tanto segundo o figurino ocidental, mas mais pequenos espaços, por vezes com uma ou duas meses, à moda turca. Descubro a ponte latina, à margem da qual o anarquista Gavrilo Princip assassinou o arquiduque austriaco que visitava a cidade em 1914, o que despoletou a Primeira Guerra Mundial. Agora há um museu no local, que pretendo visitar mais tarde. Entretanto o tempo avançou, e a tarde chega ao fim. Não me quero demorar muito mais porque regressar a casa promete ser uma odisseia. Mas preciso de visitar a Internet, porque a rede em casa do Oliver não gosta do meu computador. Passo uma hora bem instalado no café Havana, localizado numa das principais artérias da cidade.
Regressar. Os dados estão lançados. A aventura vai começar. Tenho três opções: apanhar um táxi, que é a recomendação do anfitrião, o que implica gastar um punhado de Euros, entender-me com alguém que não falará a mesma língua que eu e encontrar a casa lá nas montanhas; fazer boa parte da viagem no mini-bus, que é a minha escolha… vou ao quiosque onde supostamente vendem bilhetes… só que não vendem, é para comprar a bordo… nisto chega o autocarrozinho… tão cheio que não cabe nem uma mosca… à boa moda do Metro em hora de ponta as pessoas comprimem-se para fazer espaço para mais um enquanto as portas gemem com o esforço de se fecharem…. OK… fora de questão…portanto, opção C, andar. Ora Sarajevo, para além do vale, é construida na face de uma montanha. Há passagens tão ingremes que as minhas botas resvalam na calçada, tenho que me agarrar a algo. E são vários quilómetros assim. Depois, só sei que é para cima. Não faço ideia da direcção exacta. Sem GPS a vida é complicada, e o meu telemóvel, que podia dar uma ajudinha com o seu pouco preciso GPS já quase não tem bateria. Por isso, resta-me lançar-me às cegas por ali acima, enfrentando um labirinto de ruelas, todas a pique, onde cada erro significa andar para trás e refazer os metros verticais tão arduamente ganhos.
De tempos a tempos pergunto a um local a direcção. Ao principio ninguém entende para onde quero ir, mas depois de lhes mostrar as palavras escritas no papel e de ser corrigido umas quantas vezes, aprendo a dizer os nomes de forma perceptivel para eles, e para o fim bastava-me verbalizar a morada para ser compreendido. Só que fico com a ideia que estão, involuntariamente, a jogar ping-pong comigo. Claro que sem uma língua comum uma indicação integral está fora de questão… resta-me ir ganhando indicações da direcção, no máximo até à próxima bifurcação. Entretanto a noite cai, e ali estou eu, perdido, numa terra desconhecida, com o frio a chegar e ainda sem a mais pálida ideia do caminho a seguir e da distância a percorrer. De cada vez que peço indicações a alguém, recebo expressões incrédulas. Um par de homens consegue mesmo transmitir a ideia geral: “o que é que vais fazer para ali, não há ninguém, é só a montanha”. Lá lhes explico que um amigo meu vive lá, o que os descansa um pouco… mas indicam-me a direcção errada… para virar à direita. Felizmente, ao virar à direita tenho uma vaga percepção que foi por ali que o táxi subiu, de manhã. E vou pela estrada oposta. É mais longa do que esperava mas finalmente vejo uma cancela de que me lembro com clareza. Já me sinto em casa e agora apenas tenho medo de não identificar o local sem qualquer iluminação. Mas pouco depois, lá está a casa… os cachorros à solta no terreno, os mesmos que carros que vi anteriormente. Cheguei!
Foi uma aventura e pêras. Já me estava a ver a regressar à cidade, já sem luz alguma, a procurar um acesso Internet, a pesquisar desesperadamente moradas de hosteis para passar a noite… seria complicado, mas afinal consegui sair sozinho da outra complicação. Foi curioso sentir a enorme desconfiança das pessoas ao verem um estranho aproximar-se com intenção de lhes falar, e depois alterar-se-lhes o semblante, compreendendo que se tratava de um estrangeiro perdido nos seus domínios. Todos fizeram o seu melhor para ajudar mas por vezes as indicações foram contraproducentes… felizmente evitei o mau conselho dos dois amigos, e pouco à frente encontrei um jovem de ar letrado que me indicou de modo firme a direcção, e isso foi o último empurrãozinho de que precisava.
O serão foi agradável, com o fogo a ser acendido e o aquecimento ligado. Conversámos, comemos, ouvimos música. Usei Internet, li um pouco, fui-me deitar.