6 de Outubro

Acordo já com a amarga sensação de falta antecipada. São as saudades do Tirana’s Backpackers Hostel a chegar, e em homenagem ao local deixo a primeira série de fotografias deste artigo. Já tinha estado em dois ou três hosteis anteriormente, mas este foi especial. O ambiente de comunidade que se sente no ar, o estilo de decoração, a sensação de abrigo após cruzar o portão, como se de um convento se tratasse… a simpatia de (quase) todos, hóspedes e funcionários. Foram dias que ficarão na memória. E por tudo isto, dei por mim a debelar a partida. A entrega de chaves tem de ser feita até às 11:00, mas para além de deixar a mochila lá até ao final da tarde, peço para ficar mais um pouco no bar. Sem problemas.


Finalmente saio para a rua, decidido a colmatar as brechas no plano geral que tinha estabelecido para Tirana. A primeira é a visita à “Tanner’s Bridge”, uma simpática ponte de arcos, construida no século XIX e entretanto deixada a seco. As pessoas passam por cima dela, mas acaba por ser fútil, e sobretudo muito discreta; mesmo com o mapa, ainda andei um bom bocado às voltas até dar com ela. O objectivo seguinte era o mercado. E esse, facilmente encontrado, até porque na véspera já tinha antevisto uma das suas entradas, foi um dos pontos altos do dia. Em Tirana existem pequenos mercados de rua, um pouco por toda a cidade, servindo individualmente os bairros. Mas este é o maior, o central. Tudo se encontra por ali, e o comércio não é só de rua, sendo complementado pelas lojas abertas… por exemplo, uma das ruas é dedicada às bicicletas, e de um e de outro lado só se vêem lojas e oficinas de velocipedes. De resto, é o habitual espectáculo de côr e gente, espelho de cultura local.


O resto do dia foi de deambulação. Passei por um par que falava em português, mas fiquei tão surpreendido que não tive tempo de dizer nada. Turistas não eram certamente. Talvez voluntários. De resto, Portugal esteve presente mais tarde, quando me cruzei com um jovem local que vestia uma camisa da nossa Selecção. E, já agora, no dia seguinte, com muitos locais a oferecerem a transmissão do Portugal – Islândia.


Fui até à entrada do Museu de História, ainda amuado com as obras. Ponderava visitar, mas um sinal de proibição de tirar imagens logo no exterior do edíficio fez-me dar meia-volta. Tenho dificuldades em ver o que não posso registar, e a minha paciência com aquele museu já estava curta. Acabei por atravessar a estrada e ir-me sentar no charmoso café do Teatro Nacional, um edíficio de arquitectura socialista ali mesmo ao lado. Pedi uma água. Descobri uma rede wireless aberta e deixei-me estar. Ao meu lado um grupo de três velhores mantinha uma animada discussão. Em frente, um casal esperava, até que chegou um homem mais velho… uma breve reunião de negócios. Entretanto, os avôzinhos estavam de tal forma enervados com a conversa que se tornou incomodativo. Paguei e afastei-me.

Cirandei pela cidade sem destino. Procurei e encontrei dois pontos que tinha assinalado, nas imediações da mesquita, mas que mal merecem menção. Um deles, uma antiga casa otomana de 1837 é agora um restaurante de sucesso, mantendo a traça original. O outro, é também uma casa otomana, mas mal a identifico. Suspeito que é o mesmo “castelo” que na véspera vi indicado numa placa.


Já estou nas proximidades do hostel, que rondo para matar o tempo. Passo duas vezes numa estranha rua, sem trânsito. Sinto a presença social. Em cada uma das extremidades vejo um homem com ares de serviços secretos. Na segunda passagem o aparato ainda é mais reforçado. Vá lá que não havia pessoal de AK-47 em punho como várias vezes vi na cidade, até nas mãos de seguranças privados… mas entretanto percebo (mas não compreendo) a razão da alta segurança: a embaixada do Irão é ali,

O tempo passa e vou buscar a mochila. Antes de tocar à campainha, detenho-me durante alguns minutos no quioste do outro lado da avenida, onde ontem comprei uns bolitos para adoçar o jantar. Tenho fome e peço um enorme pedaço de “burek” de espinafres (burek é uma especialidade balcânica, um pastelão de folhado recheado com carne, com queijo ou com espinafres), e três bolos para levar: dois “ecclairs” que ali são deliciosos, e um outro que decidi experimentar. A menina sugere-me ainda mais um, de maçã, e eu, claro, aceito. A juntar, para ajudar a empurrar, um copo de yogurte, que nesta parte do mundo é uma bebida habitual. Por tudo isto paguei pouco mais de três Euros!

Recolhi a mochila e afastei-me. São dois quilómetros até casa do Gianluca, o meu anfitrião para as próximas duas noites em Tirana. Chego, sento-me no largo, que é precisamente o que dá acesso ao mercado onde estive de manhã, e envio-lhe uma mensagem. Hummm oh não! Houve um equívoco com as coordenadas e estou no ponto errado. Para além de ter andado o dia todo, de ter feito mais aquele par de quilómetros com o trambolho às costas, agora ainda tenho mais quatro quilómetros pela frente até chegar à outra ponta da cidade, desta vez com as coordenadas correctas. Mas olhem, ainda bem. Tive oportunidade de conhecer outros bairros, de ver outro ângulo do chamado “parque da juventude” que da face por onde já tinha passado duas ou três vezes era algo deprimente, mas que do outro lado tem uma fonte cheia de charme, rodeada de uma esplanada romântica. Entretanto a noite ia caindo, e quando cheguei à porta de casa do meu novo amigo italiano, já era bem escuro.

Aquele bairro, na periferia, é bem simpático. Se Tirana é uma cidade cheia de vida, ali, mercê do sangue novo que sempre abunda nos bairros recentes, ainda o é mais. Há pessoas a movimentarem-se por todo o lado, num interminável formigueiro. E todo o tipo de comércio, lojas e serviços. Miudagem brinca nas ruas. Sente-se no ar uma atmosfera positiva, de esperança, de futuro.

Nesta noite não se passa nada de mais. O Gianluca tem três outros hóspedes, polacos, e jantamos em conjunto, ficando depois à conversa antes de dormir.

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