17 de Junho de 2024
Acordámos e era um bom dia para explorar a cidade. Como em todos nestas quase duas semanas no Brasil o sol brilhava lá fora. E a memória dos dias quentes de Brasilia foram um óptimo encorajamento para madrugar. Era Segunda-feira, dia de trabalho para a Wal, nossa anfitriã. Tem uma lojinha na esquina, mesmo ali ao lado, e hoje iriam começar trabalhos de renovação nas suas fachadas. Ela acorda com as galinhas e quando saímos já não a encontrámos. Tinha ido ao supermercado comprar pão fresco e um doce de leite e milho que tínhamos experimentado em Brasília e sobre o qual tínhamos conversado brevemente à chegada.
Sei disso porque ao descer a rua vi-mo-la. Bem, e lá fomos, passeando pelas ruas antigas de Goiás, ainda muito tranquilas, antes da abertura dos escritórios e lojas. Não que deixem de ser tranquilas. Pela manhã é porque as pessoas não chegaram, e depois vem também o calor e é porque as pessoas não andam na rua, e depois é a hora do encerramento e as pessoas vão-se.
Goiás é o arquétipo da pacata vila colonial, um dia capital de um Estado vasto, deposta enquanto tal pela sua posição remota. E de facto, enquanto as outras cidades de Goiás cresceram e se modernizaram, a antiga capital manteve-se quase intocada, em forma e espírito. As ruas são ladeadas dos mesmos edifícios que ali foram construídos nos últimos dois séculos. Alguns mais antigos, geralmente sendo os mais recentes do primeiro quartel do século XX.
Passámos no mercado, que já pouco tem de mercado, como acontece um pouco por todo o mundo. É agora local de restaurantes, quase todos bastante castiços, ideal para uma refeição de almoço económica. Aqui, como noutras partes do Goiás rural, a comida a peso ou à discrição é o padrão. É escolher das opções apresentadas e pagar à saída. Uns 5 Euros deverão chegar.
Ainda se recolhem os vestígios do grande festival terminado na véspera. O lixo já foi. Mas há intenso trabalho em redor dos palcos. É desmontar, acomodar e carregar nos camiões que aguardam as peças. Com sorte veremos ainda Goiás no seu estado mais natural.
A esta hora o calor não chegou, o fresco impera, está agradável para palmilhar os calçadões que fazem sofrer pneus e suspensões dos automóveis. Felizmente há algumas ruas que são tão estreitas que é impossível estacionar, e essas são as mais fotogénicas, por razões óbvias.
Nestes vaguear encontramos uma padaria. Entramos. Se os preços no Brasil se equiparam em quase tudo aos de Portugal, as padarias continuam a ter produtos com valores muito agradáveis. Seremos clientes até à nossa despedida da cidade.
Depois, uma série de observações que não poderão ser aqui colocadas por escrito. Seria moroso. Aqui, uma velha associação que parece viver ainda na primeira metade do século XX. Acolá uma igreja exótica, de traça alemã. Pensei que teria algo a ver com uma onda de emigração germânica, até porque a poucos metros há o antigo consulado da Alemanha. Mas não, mais tarde disseram-me que esta igreja seria relativamente moderna, construída no local onde um templo original tinha existido.
Dali para a frente já tínhamos estado, era aquela rua pacata que encontrámos no curto passeio da véspera, dia de chegada. Mesmo assim repetimos a visita, e haveríamos de regressar mais um par de vezes. Pena serão os carros parados, felizmente não muitos. A última casa do lado esquerdo é uma delícia, um espectáculo de cor, com as portadas roxas e uma bougainvillea fabulosa.
Mas há outras. Um alojamento comercial que parece encerrado enquanto tal mas tem a porta mais colorida que podemos imaginar. Existe um muro de pedra com um aspecto que só de olhar refresca. E no fim, uma estrada que leva a um parque que visitaremos no último dia inteiro em Goiás.
Regressamos ao centro, são horas de mudar de alojamento. A Wal deixou-nos o pequeno-almoço preparado e a nova anfitriã já tem o quarto pronto. Comemos e levamos as coisas para o carro e há um pequeno precalço: não pega. Nem sequer dá sinal de motor de arranque. Será bateria? Reparo que deixei as luzes ligadas durante a noite. Mas não. Depois de uma visita de um mecânico rude e inútil consigo sozinho que o carro trabalhe. De certeza que teve a ver com o sistema chato de ter que carregar primeiro na embraiagem.
E chegámos à bonita casinha onde passaremos as duas noites seguintes. É adorável! A dona nem tanto. Não que tivesse algo de mal, simplesmente faltava-lhe algoem simpatia e sentido de hospitalidade. Adorei a história que transpirava em cada pedaço da casa, a sua arquitectura, o mobiliário, o jardim nas traseiras, sempre fresco. De alguma forma fazia-me lembrar a casa do meu amigo KB Lim, onde fiquei na minha primeira visita a São Tomé e Principe, uma muito doce memória. Quanto à nova residência em Goiás, foram dias felizes ali passados. E estacionamento simples do lado de lá da estrada.
Depois de um bom bocado de descanso no relativo fresco do quarto, portadas fechadas para não entrar o sol, estava na altura de explorar outro pedaço de Goiás. A pé, desde casa, para o centro, por outra via, um eixo muito claro a conduzir à praça central, passando pelo Museu das Bandeiras e pelo glorioso chafariz. Mais abaixo o Palácio Conde dos Arcos, antiga sede de governo estadual, algo que ainda o é por breves dias, quando o governador vem passar alguns dias na cidade.
Nestes dias que se seguiram ao encerramento do festival tornou-se complicado comer fora. Só mesmo os restaurantes mais modestos estavam abertos. Os mais requintados, todos encerrados, recuperando da canseira dos dias anteriores.
Assim se passou o dia. Calcorreando ruas, descobrindo detalhes, admirando os bonitos edifícios, desesperando com a falta de restaurantes, atravessando o rio pelas diversas pontes existentes.
Já ao fim da tarde aventurámo-nos no Parque do Carioca, o enigmático espaço indicado por uma seta no final da “nossa” rua maravilhosa. E afinal era logo ali. Um pequeno passeio e estamos nesse parque, tão popular, cheio de vida, onde os locais vão passar um bom bocado. É junto ao rio, onde existem piscinas naturais e pequenas quedas de água.
Ali fumam-se ganzas sem vergonha, mesmo nas barbas da Polícia Militar que marca presença de forma descontraída. Há um restaurante, mas agora é tarde. Pergunto se estão abertos no dia seguinte. Não, é a folga semanal. Que pena.
Vamos regressando, ainda é uma boa distância, estamos em pontos opostos da cidade. Mas são sempre passeios agradáveis, tentando descobrir ruas novas, algo diferente para ver.
Chegamos a casa. Mais um período de repouso. Muito agradável. É uma bela casinha, recomendada a quem quer que venha a estas paragens.
Sairíamos mais tarde, já ao serão. Em Goiás não há a questão da segurança. Nem se coloca. É seguro em qualquer ponto a qualquer hora. E assim fomos até uma espécie de “rolote” de comes e bebes, com mesas no exterior. Infelizmente está um ambiente tristonho. Apenas uns clientes que se vão embora. Ficamos por lá tomando uma bebida, um sumo de fruta.
E foi assim que se passou este longo e agradável dia em Goiás. À noite o ruído do trânsito na rua reduz-se a uma insignificância. Deu para dormir bem.