Acordámos com o intuito de vingar umas quantas coisas que ficaram por fazer no dia anterior. No caminho para o Parque Nacional tinhamos passado por uma estrada rodeada de pontos de interesse e o retorno para explorar convenientemente impunha-se. Conduzir até lá foi um prazer. As estradas são excelentes, de piso regular, amplas, com boa sinalização. O carro parece que desliza. Mas nem tudo é perfeito. Os tapetes de asfalto são novos, a estrada cresceu em altura mas as bermas não foram trabalhadas. Muitas vezes, mesmo havendo espaço e terreno favorável, é impossível encostar, e em Fuerteventura cheguei a ver uma berma de… 2 ou 3 metros de altura!
A primeira tarefa da manhã foi trepar ao cone de um vulcão. Uma caminhada de cerca de 1 km desde a estrada. Depois, a ascenção, é facilitada por um trilho diagonal. A rampa, como de resto todo o cone exterior, tem um piso de pequena pedra vulcânica, semelhante a gravilha, a que os locais chamam de “rof” (do ruído que se produz ao caminhar sobre ela). O cone não é alto, sobe-se em cinco minutos, mas já oferece uma vista interessante sobre as imediações. E vê-se o interior. Assim como a existência de uma ampla entrada, resultante do abatimento de uma das paredes. Claro que vamos lá meter o nariz de seguida. É impressionante. O solo está coberto de líquenes, a primeira forma de vida a surgir após a grande erupção do século XVIII. Nalgumas áreas das paredes interiores existem grandes incrustrações de olivina.
Regressamos à estrada, apenas para levar um carro por mais umas centenas de metros e parar de novo. Agora, iremos contornar a Montaña Colorada, num percurso pedestre com painéis interpretativos com uns 2,5 km de extensão. O passeio é excelente, os textos são interessantes e consolidam o muito que aprendemos na véspera com o mini-Nino. Um dos pontos altos do trajecto é a “bomba”. Um enorme pedregulho, com cerca de 4 m de altura, que foi expelido do vulcão vizinho. A sua forma cónica foi obtida pela fricção do ar e pela rotação de que a massa disparada pelo vulcão foi animada até chegar ao solo.
Chega de geologia e vulcões. Agora, é em direcção ao mar. Queremos chegar ao Caserio de Tenezar. Para tanto, atravessamos Mancha Blanca pela terceira vez, e entramos numa trama de estreitas estradas asfaltadas que se esgueiram por entre campos hortícolas. A paisagem é notável. Os locais cultivam legumes aqui, nesta terra preta, tão preta que por vezes se torna confuso distinguir a estrada dos canteiros, já que quer uma quer os outros estão ladeados dos mesmos muros protectores. Cruzamo-nos com agricultores que conduzem as suas pickup Toyota (a marca nipónica parece deter o monopólio deste tipo de veículos por estas paragens). Depois, o traçado torna-se mais regular, e vai-se descendo docemente em direcção ao mar que já surge, lá no horizonte.
O Caserio de Tenezar é um agrupamento de casas, que, como o nome indica, não chega para se fazer aldeia. Mas o que quer que seja, parece habitação de fantasmas. Não se avista uma única alma, humana ou animal. Nem roupa nos estendais, nem carro parado. Mas não se pense que o local está ao abandono. A maioria das casas está em boas condições e há muitas antenas parabólicas livres de ferrugem. Ao lado, uma praia selvagem de seixos negros, onde o mar se enrola com uma doçura contrastante com o tratamento a que as rochas, de um lado e de outro da enseada são submetidas. Ao longe vê-se a extremidade norte da ilha, a face oposta do cabo que ontem observámos a partir de Orzola.
Não longe dali sai uma estrada de terra batida que percorremos durante alguns quilómetros através de uma paisagem surreal. A descrição é complicada. Existe vegetação verde e também muita lava. Os contrastes são fascinantes. Parece que estamos noutro planeta. O caminho termina junto ao mar. É uma costa brava. Toda para nós. Ninguém vai tão longe. As ondas fustigam as praias pedregosas e levantam enormes barreiras de espuma branca quando colidem com os rochedos negros. A água é límpida, de um azul muito especial, cristalino. Afinal de contas também o oceano parece pertencer a outro planeta.
Já não é cedo mas há ainda tanta coisa para ver. Hoje é o dia em que deixaremos Lanzarote para trás. Há que aproveitar. Infelizmente não existe uma ligação rodoviária directa entre o ponto onde nos encontramos e onde queremos ir a seguir. Temos que ir ao centro da ilha, passar por Yaiza, para regressar à costa, mais abaixo. El Golfo é o nome de uma montanha vulcância, uma das poucas a que não se pode trepar, mas também de um aldeia costeira. E mesmo ao seu lado existe a famosa lagoa verde, cujas cor esmeralda lhe é proporcionada por uma alga específica que cria um efeito visual espectacular. Trata-se de uma daquelas visões que não pode ser descrita nem por palavras nem através de fotografia. Só mesmo estando lá, olhando para aquele cenário. De um lado a povoação, depois um a língua de terra que se enfia pelo mar adentro, a uns 30 metros de altura. Do lado oposto, uma praia de pedregulhos que separa a lagoa do oceano. E sobre as águas verdes uma parede rochosa com dezenas de metros. Podiamos aceder à parte de baixo descendo a ladeira, mas apesar de muita gente o fazer, preferimos respeitar as regras e ir à volta, mesmo que tal envolva conduzir mais uns quilómetros e caminhar algumas centenas de metros. Não aconselho. De lá de baixo o local perde magia, e é melhor ir para casa com a vista sobranceira da memória e mais nada.
Quem se dirigir de El Golfo para Playa Blanca, não poderá deixar de reparar nas salinas de Janubio, um enorme complexo de extracção de sal, meio abandonado, meio activo, que ocupa uma área notável. Se se quiser explorar o local, é melhor deixar o carro assim que se avistam as salinas, pois por ali pode-se entrar com facilidade, mas o mesmo não sucede mais para a frente, onde se encontram as zonas que ainda estão a ser exploradas, devidamente vedadas. De qualquer forma a vista superior que se obtém da estrada vale a pena!
Como esta área é muito rica em pontos de interesse, não há que rolar muito até encontrar logo mais à frente os Los Hervideros. Trata-se de um sistema de túneis vulcânicos que deixam entrar as furiosas vagas oceânicas por baixo dos nossos pés, enquanto assistimos às explosões de espuma branca num dos vários buracos abertos nas rochas, tudo com a devida segurança. Não nos detivémos ali por muito tempo. Não só o local estava repleto de turistas, como o tempo apertava… e além disso, pode ser giro mas uma vez visto, está visto.
Chegámos a Playa Blanca muito antes da hora de largada do ferry que nos conduziria a Fuerteventura. Havia portanto tempo para explorar um pouco. Ao ver a localidade de longe a ideia que se forma não é muito agradável. A coisa não se melhora quando se entra. Muito trânsito, muito turismo. Mas a zona chegada ao mar revelou-se uma boa surpresa. Estranhamente as pessoas não andam por lá, pelo menos nas quantidades que vimos mais acima. Assistimos ao pôr-do-sol a partir de um recanto sossegado, e fomos andando até ao porto, que foi encontrado sem problemas. Comprar o bilhete para dois e para um carro (50 Eur… algo exagerado…. practictamente o mesmo preço do se voássemos até Madrid e apanhássemos outro avião para a ilha vizinha, a apenas 10 km) e esperar na linha. Embarque simples, sem sobressaltos. A travessia foi um pouco aborrecida… a noite já tinha caído e o mar estava algo agitado. Levou cerca de 30 minutos.
Em Fuerteventura fomos encontrar o nosso anfitrião, Tibor, que tinha visitas e nos aguardava com o jantar pronto a servir. Soube bem. Acabámos o dia a degustar uma massa à bolonhesa na varanda, com este alemão que ali se estabeleceu há quatro anos, com o seu irmão de visita e com o Mark, um jovem Couchsurfer convidado para o jantar, que procura estabelecer-se numa das ilhas das Canárias, onde chegou há apenas dez dias.