Em toda a Arménia só há uma geocache (isto, em Maio de 2010, porque desde então Yerevan viu nascer para cima de dez novas caches). Portanto, encontrar essa raridade tornou-se uma prioridade para mim, e foi o que fiz logo ao nascer do primeiro dia completo na cidade. Enquanto o Clabbe ia explorar o centro, eu sai de casa e, a pé, dirigi-me à área da cache. Infelizmente para mim foi um daqueles casos em que o que é perto no mapa não o é na realidade. Impedido de seguir o percurso que tinha estudado, acabei por andar uns valentes quilómetros até chegar finalmente à zona que me interessava. Certamente nunca saberei o que deu na cabeça do tipo que criou esta cache. No meio de nenhures, atrás de um bairro de vivendas em construção, num terreno baldio cheio de lixo de construção, salvava-se a vista para o Ararat, o que não é grande atributo numa região em que o Ararat é omnipresente. Passei cerca de uma hora à procura e quando já desesperava, encontrei-a. Valeu o vil sentimento de adicionar mais um país à minha lista, e nada mais que isso.
Em claro modo masoquista fiz uma parte do trajecto de volta a pé, antes de apanhar um táxi para o monumento da “Mãe Arménia” 0nde me encontraria com o Clabbe. Esta enorme estrutura foi construída na era Brezhnev, num dos raros momentos da História em que Moscovo viu na conjuntura internacional razões fortes para sublinhar o genocídio infligido pelos turcos ao povo arménio, no decorrer da I Guerra Mundial. Hoje, a base do monumento alberga um pequeno museu militar, que desde a guerra da secessão do enclave Nagorno-Karabakh (ver excelente artigo Wikipedia) se concentra de forma quase absoluta na temática desse conflito. A colecção, era, por assim dizer, obsessiva. Um hino aos combatentes arménios que combateram os azeris nos anos 90. Contudo, ao contrário do que senti na Bulgária relativamente à Turquia, nunca senti que os actuais arménios tivessem uma fixação doentia nos “maus vizinhos”.
O Clabbe chegou uns 45 minutos atrasado. Visitei o museu sozinho, apreciei as vistas sobre a cidade e observei as viaturas militares dispostas em redor do museu. É material antigo mas bem conservado. Existe também um Mig 19. E, como em todo o lado em Yerevan, mulheres lindíssimas. Finalmente o meu amigo chegou. Mas aí, tive que esperar mais, para que fizesse tudo o que eu já tinha feito. Ao sol estava esparramado quando ele apareceu e assim fiquei até sua excelência estar pronta. Deixámos o local através de um parque de diversões. A tarde estava agradável e os habitantes locais acorriam a este espaço de lazer com naturalidade. O que mais impressionou aqui foi a natureza arcaica das atracções do parque, a fazer lembrar a Feira Popular de há 60 ou 70 anos. Mas acima de tudo a forma deliciosa como mesmo assim, eram capazes de proporcionar prazer às pessoas. O ambiente era de tal forma positivo que decidimos comer por ali. Uma sandes e uma coca-cola, ao preço de nada, e com o habitual atendimento de luxo a que nos habituámos, quer na Geórgia quer, sobretudo, na Arménia.
Depois fomos por ali abaixo, em direcção ao centro. Passámos junto a uma cascata monumental que o Clabbe já tinha visto no seu caminho de ida e chegámos à baixa. Explorámos as ruas, vimos pequenas igrejas, atravessámos parques urbanos. A temperatura está no ponto e o céu, azul, ri-se para nós. A vida é bela em Yerevan, pelo menos para nós, estrangeiros, ocidentais. O preço das coisas é tão baixo… um maço de tabaco de marca custa 0,90 Eur, para dar um exemplo. E se eles gostam de tabaco… em todo o lado há bancazinhas improvisadas cheias de maços de cigarros. Que se vendem, opcionalmente, em avulso. Uma excelente ideia que as ASAEs do nosso mundo nunca permitiriam mas que é tão razoável. Para quê comprar um maço inteiro se tudo o que se quer é fumar uma cigarrada depois de um almoço faustoso? Ora ai está… compra-se um. E que engraçado que era, ver as pessoas escolherem com ar entendido o seu cigarro, acendido com gosto na companhia dos amigos.
Na Arménia, há Yerevan e há o resto do país. A capital, com toda a especificidade do seu povo tem uma alma própria, não se pode dizer que é uma cidade como qualquer outra. Mas é uma cidade. A pobreza existe, sente-se, mas é limitada. Há condições de vida que se assemelham com os nossos padrões, mesmo que baseadas na herança soviética e na sua disfuncionalidade. Lembrei-me, com um sorriso, dos problemas dos “panelak” checos e de como os meus amigos eslavos se referem a eles sempre com um esgar de vergonha. Os “panelak” são edíficios de baixa qualidade, que retiram o seu nome do facto de serem construídos com painéis de betão pré-fabricados. Mas que no fundo não são diferentes da construção que existe nos bairros sociais de qualquer país ocidental. A verdade é que os checos têm um panelak-complexo. Se eles vissem as caixas de fósforos de Yerevan, sentir-se-iam gratos por terem acesso ao luxo de um “panelak”.
Se me pedirem para descrever numa linha as memórias de Yerevan teria que falar dos numerosos táxis amarelos, do clima perfeito, dos preços baixos, da simpatia das pessoas, das mulheres perfeitas, do cosmopolitanismo nostálgico, quase colonial, da ausência de uma zona antiga, das viaturas de outros tempos.
O Clabbe encarnou o meu espírito de missão na procura de uma “patch” (como descrever em português numa ou duas palavras aquelas bandeirinhas em pano que se vêem nos ombros de militares e nas mochilas de “backpackers”?) da Arménia, para juntar à colecção. Tentámos várias lojas de “souvenirs” mas nada. Ainda pensei comprar um casaco de desporto que vi pendurado numa banca de mercado e que tinha tal coisa cosida, mas desisti. “Depois compro no EBay”, disse ao Clabbe. E nesta demanda percorremos as avenidas amplas da cidade, e outras artérias, menos largas mas igualmente intensas, cheias de comércio e transeuntes.
Parámos num pequeno café para comer qualquer coisa e aceder à Internet. Um local moderno, cujos clientes eram jovens executivos e uma juventude intelectual, com pessoal a falar fluente inglês e oferecendo uma ligação wi-fi rapidissima. A face de Yerevan que se ocidentaliza, encontrada par a par com a cidade soviética, onde os polícias ainda usam as fardas de outros tempos, chapéus amplos de pequena pala, a corresponder ao estereotipo visual que temos da autoridade russa.
Não me recordo de como acabou o dia – é preciso não esquecer que estou a escrever de memória, quase um ano volvido – mas certamente acabámos a dormir o sono dos justos, no quartinho de crianças dos Blackmer, cada um na sua caminha. Um autêntico luxo! O único senão é que, sem desprimor para os excelentes anfitriões que tivemos, quer na Geórgia quer na Arménia, ficar com pessoas locais oferece uma experiência que muito dificilmente um estrangeiro poderá proporcionar, o que se torna mais evidente com os estrangeiros não procuram com paixão integrar-se na sociedade e cultura que os rodeia. Este foi um dos pontos negativos de toda a viagem, a privação de uma experiência local que apenas um Couchsurfer nativo pode oferecer.